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Relembrando o assassinato de Vladimir Herzog

Vladimir Herzog [Divulgação/Agência Brasil]

Um dos maiores símbolos da luta por direitos humanos no Brasil, Vladimir Herzog nasceu na ex-Iugoslávia, em 1937, filho de um casal de origem judaica que não imaginava imigrar para o Brasil até o início da II Guerra Mundial.

Quando o nazismo passou a dominar o exército croata, que havia se aliado a Hitler, a família Herzog decidiu fugir para a Itália, onde viveu clandestinamente em um campo de refugiados, até imigrar para o Brasil em 1946.

Chegando ainda menino ao Brasil, Herzog se naturalizaria brasileiro, e se instalaria com a família em São Paulo. O menino eslavo-brasileiro que se tornaria um dos maiores jornalistas do país e um dos mais comprometidos com a verdade e a luta contra a ditadura seria cruelmente assassinado pelo Estado brasileiro.

O quê: Assassinato de Vladimir Herzog

Quando: 25 de outubro de 1975

Onde:  DOI CODI, em São Paulo

O que aconteceu

No dia 24 de outubro de 1975, após campanha contra Herzog feita na Assembleia Legislativa por deputados pertencentes à base do regime militar, os militares convocaram o jornalista para prestar depoimento sobre as ligações que ele mantinha com o Partido Comunista, um partido que era considerado ilegal nessa época. Herzog compareceu espontaneamente ao DOI CODI, foi interrogado e negou que tivesse ligação com o PCB.

Herzog jamais voltaria a ser visto com vida. O SNI (Serviço Nacional de Informação) recebera uma mensagem em Brasília de que naquele dia 25 de outubro dizendo apenas que ” o jornalista Vladimir Herzog havia se suicidado.

A ditadura já havia “ suicidado” outros presos políticos e a sociedade brasileira e os familiares de Herzog passaram a questionar a versão oficial.    Conforme o Laudo de Encontro de Cadáver expedido pela polícia São Paulo, Herzog se enforcara com uma tira de pano – a “cinta do macacão que o preso usava” – amarrada a uma grade a 1,63 metro de altura.

Mas estranhamente o macacão usado pelos prisioneiros naquela unidade não tinha cinto e todos os cordões de sapatos ou cintos encontrados com os que seriam presos eram imediatamente retirados pelos policiais. No laudo, foram anexadas fotos que mostravam os pés do prisioneiro tocando o chão, posição em que o enforcamento seria impossível.

O jornalista Rodolfo Konder, que havia sido preso e também torturado naquela tarde, contaria depois que foi levado para um corredor onde se ouviam gritos  de Herzog . Para abafar o som da tortura, um rádio com som alto fora ligado.  Ao  sair, foi o primeiro a denunciar a morte sob tortura  de  um dos maiores jornalistas de sua geração,

Um dos aspectos mais tristes dessa história é também o fato de que, por seu judeu, Vladimir Herzog foi proibido por um rabino de ser enterrado com seus pais, pois a tradição judaica manda que suicidas sejam sepultados em um local separado. Mas quando outros membros judeus, responsáveis pela preparação dos corpos dos mortos para o sepultamento, preparavam o corpo para o funeral, o rabino Henry Sobel, viu as marcas da tortura. “Vi o corpo de Herzog. Não havia dúvidas de que ele tinha sido torturado e assassinado”, diria Henry Sobel, exigindo que ele fosse enterrado no centro do Cemitério Israelita, não como um suicida, mas como um homem que fora torturado e assassinado. As notícias sobre as provas de que Herzog fora assassinado se espalharam e os militares não puderam impedir que a verdade viesse à tona. Sobel diria anos mais tarde: “O assassinato de Herzog foi o catalisador da volta da democracia”.

O que aconteceu antes:

O desejo de conhecer e entender melhor o mundo levaria o jovem Vladimir Herzog a cursar a Faculdade de filosofia da USP, a Universidade de São Paulo. Ao sair da universidade, começaria sua carreira no jornal O Estado de São Paulo, realizando grandes coberturas como a histórica inauguração de Brasília, a visita de Jean-Paul Sartre ao Brasil e a posse de Jânio Quadros, em fevereiro de 1961.

Ele começaria a escrever também sobre cinema na década de 1960 pela sua aproximação com a Cinemateca, convivendo com alguns dos maiores nomes da instituição como Paulo Emílio Salles Gomes, Jean-Claude Bernardet e Lucila Ribeiro.

Em julho de 1963, Herzog parte, ao lado de Maurice Capovilla, para um estágio no Instituto de Cinematografia de Santa Fé, na Argentina, e, dessa primeira experiência resultará a sua primeira obra cinematográfica, um documentário intitulado Marimbás.

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O jornalista continuaria a escrever sobre cinema e política, mas logo após o Golpe militar de 1964, devido a uma atmosfera de terror, perseguições e censura, deixa O Estado de S. Paulo, e passa a se dedicar mais à produção de documentários.

Entre 1964 e 1965, Herzog se dedica à colaboração na produção dos filmes Subterrâneos do futebolMemórias do cangaço e Viramundo. É convidado em 1965, pela BBC, para trabalhar por um tempo em Londres e passa também a promover o cinema brasileiro na Europa, participando de festivais como o Festival de Florença, onde profere uma conferência sobre o cenário brasileiro e os documentários sociais. “Il documentario sociale brasiliano: sue origini e sue tendenze”.

No final desse período londrino, Herzog passa a se dedicar mais aos documentários, o que lhe abre as portas do jornalismo televisivo brasileiro e o leva a um ciclo trabalhando na TV Cultura. Mas é um momento terrível e ameaçador para todos os jornalistas, com a chegada do AI 5, dos desaparecimentos, e da censura a centenas de jornais. Ainda na TV Cultura, é convocado a coordenar a redação do jornal “Hora da Notícia”, dando ao telejornal uma linha diferente, procurando fugir à simples veiculação de ‘notícias’ do governo militar, e buscando a verdade do que estava acontecendo no país. Mas o cenário se torna ainda mais obscuro e Herzog deixa o cargo em 1974.

Meses depois, filia-se ao Partido Comunista Brasileiro e tenta ajudar vários jovens da resistência em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Em 1974, general Ernesto Geisel toma posse como presidente, e mesmo com sua promessa de “abertura” do regime ditatorial, a repressão continuaria imensa e o Centro de Informações do Exército teria como um de seus alvos o Partido do qual Herzog se tornara um membro, ainda que jamais tenha participado de ações violentas ou clandestinas.  A prisão, tortura e morte de Herzog acontece no ano seguinte.

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O que acontece depois – Julgamentos e repercussão:

Três anos depois da morte, o juiz federal Márcio Moraes, em sentença histórica, responsabilizou o governo federal pela morte de Herzog e pediu a apuração da sua autoria, mas a Ditadura conseguiu impedir que isso acontecesse.

O que os militares jamais conseguiram impedir foi a imensa onda de protestos na imprensa mundial, o movimento internacional por direitos humanos no Brasil, e o imenso movimento popular pelo fim da Ditadura.

O certificado de óbito de Vladimir Herzog seria retificado apenas em 2012, passando a constar que a “morte decorreu de lesões e torturas sofridos nas dependências do Exército em São Paulo. Em 2018, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil por negligência na investigação do assassinato e hoje Vladimir Herzog dá nome a dezenas de escolas, projetos sociais que beneficiam crianças das regiões mais pobres, bibliotecas e a um dos maiores prêmios de direitos humanos do mundo.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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