Vozes da Resistência: Diários do Genocídio

Ramona Wadi
36 minutos ago

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Vozes da Resistência: Diários do Genocídio (Comma Press, 2025) apresenta os relatos diários de quatro mulheres palestinas que vivenciaram o genocídio em Gaza. Abrangendo um período de outubro de 2003 a março de 2025, Batool Abu Akleen, Sondos Sabra, Nahil Mohama e Ala’a Obaid narram suas experiências, entrelaçadas com as de outros parentes e amigos, e é impossível não se perguntar: como se sobrevive a um genocídio?

Um tema recorrente é a adaptação, que explica como os palestinos sobrevivem ao genocídio. O mundo se dessensibiliza com o tempo, e os palestinos se adaptam. É perturbador ler, repetidamente, sobre palestinos que se adaptam ao genocídio como o único meio possível de sobrevivência. “Me assusta a facilidade com que as pessoas se adaptam. Me assusta que as pessoas possam se vestir de manhã como se nada tivesse acontecido”, escreve Abu Akleen. “Eu, como elas, me adaptei.” A farsa dos direitos humanos não poderia ter sido evocada com mais clareza.

“Este é o povo palestino em poucas palavras: eles reclamam, depois se realocam, depois se adaptam”, escreve Mohana, após descrever as dificuldades de enfrentar filas para receber rações de comida, o planejamento alimentar, a falta de higiene e os repetidos deslocamentos forçados. A discrepância na escolha das palavras também é gritante. Reclamar diante do genocídio. Poder militar e cumplicidade internacional versus uma população tornada indefesa pelo colonialismo.

As anotações do diário provocam muita reflexão. Medo e morte se entrelaçam com nostalgia, e conversas banais deixam de ser banais. Falar do banal em tempos de genocídio é abominável. No entanto, a maioria das discussões gira em torno de questões práticas como deslocamento, acomodação, mártires e funerais, porque os palestinos foram forçados a vivenciar esse espetáculo macabro da realidade normalizada.

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Existe, porém, uma consciência de um banal diferente daquela de outras pessoas que não vivenciaram ou experimentaram o genocídio. Mohanna escreve sobre como lhe é impossível se identificar com os problemas da amiga no Canadá. “Como posso dizer a ela que a luta para conseguir o pão de hoje, ou receber um kit de higiene feminina, se tornou mais importante para mim do que ela, o carro dela e toda a nossa amizade?”

“Minha vizinha temporária sabe de tudo isso e muito mais”, acrescenta Mohanna. “A guerra não reconhece a história; reconhece apenas a geografia.” E, mais uma vez, a adaptação se faz presente, ainda que indiretamente. O genocídio transforma amizades e forja novas; estas últimas ainda são perigosas, pois a aniquilação nunca é um fenômeno distante.

O deslocamento forçado contínuo é vivenciado por meio de experiências cotidianas. Abu Akleen observa que a cabana de lavagem em Deir Al-Balah foi construída com materiais deixados por outros palestinos deslocados. O deslocamento também é uma jornada acompanhada por alguns itens escolhidos, que às vezes são determinados pela relevância. “O deslocamento é único em sua abruptidade”, escreve Sabra. “Não há ensaio, não há preparação. Você precisa se desapegar de quase tudo que lhe é caro e seguir por um caminho acidentado e desolado, como se nunca tivesse estado ligado a nada.”

As crianças também têm um papel de destaque nesta coleção de entradas de diário. “Junto com o alfabeto das letras, aprendemos o alfabeto das guerras”, observa Sabra, ao narrar suas próprias lembranças de infância durante o ataque israelense a Gaza em 2008, conhecido como Operação Chumbo Fundido. Ela também conta como seus sobrinhos e sobrinhas foram mortos por mísseis israelenses durante o genocídio: “Há dois dias, em 5 de dezembro, o ‘terrorismo’ estava escondido no corpo de Omar, meu sobrinho de seis anos, talvez em seu coração, ou talvez entre seus macios fios de cabelo.”

A definição de escola também se perdeu para os palestinos. As escolas se tornaram locais de abrigo que são bombardeados. Para as crianças, no entanto, escola e educação assumem um significado completamente diferente. Em colaboração com o Instituto Tamer para Educação Comunitária, Mohanna escreve que foi incumbida de compilar um “dicionário infantil especial” sobre a guerra. Ela começa perguntando quantas vezes as crianças foram deslocadas. A última criança a falar diz: “Perdi a conta”.

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As anotações do diário de Obaid estão repletas de experiências de repetidos deslocamentos forçados e carnificina após os bombardeios israelenses. Uma mãe chora: “Quem me dera não tê-la colocado na cama cedo”, ao descobrir o corpo da filha sob os escombros. Rotas seguras estão repletas de corpos mutilados, resultado dos bombardeios israelenses a comboios de palestinos forçados a evacuar suas casas, ou talvez de um deslocamento para outro. Obaid dá à luz durante o genocídio, e quase teve a entrada negada em um hospital porque uma gravidez deixou de ser considerada uma questão de vida ou morte, apesar das complicações que poderiam surgir. Após o nascimento do filho, ela se dá conta da presença de outras mulheres ao seu redor – uma delas, em uma dor insuportável, implorando para que a morte a reunisse com o marido. Obaid se pergunta: “Quantas mulheres em nosso país estão tendo filhos de homens que morreram nesta guerra?”

São os relatos objetivos em todos os trechos que tornam esta leitura profundamente perturbadora. Entre a adaptação e a dessensibilização – a coerção e a normalização – o que o futuro reserva para os palestinos em Gaza?

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