Por décadas, o Ocidente se apresentou como o guardião global da liberdade de expressão. A liberdade de expressão não foi apenas enquadrada como um valor moral, mas também como um pilar funcional da estabilidade democrática e da legitimidade política. No entanto, à medida que a guerra em Gaza se intensificou e as narrativas em torno de Israel passaram a ser submetidas a um escrutínio sem precedentes, essa autoimagem começou a ruir. O que testemunhamos hoje não é uma exceção impulsionada por uma crise, mas o reaparecimento de um padrão familiar no comportamento político ocidental: a supressão da dissidência em nome da ordem, da segurança ou dos valores liberais.
Ao longo do último ano, um número crescente de críticos da política israelense enfrentou sanções institucionais e digitais diretas. Plataformas de mídia social suspenderam contas alegando supostas vagas violações de políticas, enquanto universidades e centros de pesquisa se distanciaram discretamente de acadêmicos cujas análises desafiam as narrativas dominantes. Um dos exemplos recentes mais claros é a suspensão da conta X da Dra. Shirin Saeidi, uma especialista em Oriente Médio cujos comentários públicos sobre Gaza a colocaram em desacordo com as sensibilidades políticas predominantes. Quase simultaneamente, ela foi desvinculada do Centro de Estudos do Oriente Médio da Universidade do Arkansas; uma medida que levantou sérias preocupações sobre a liberdade acadêmica e a discriminação de pontos de vista. A questão aqui não é a carreira de um indivíduo, mas o precedente que tais ações estabelecem. Quando a análise dissidente se torna profissionalmente custosa, os limites do debate permitido se estreitam rapidamente.
Essas medidas são frequentemente justificadas como necessárias para prevenir o extremismo, a desinformação ou a agitação social. Contudo, a história sugere o resultado oposto. A censura raramente neutraliza a oposição. Em vez disso, ela a desloca. Quando os canais institucionais de expressão são restringidos, a frustração não desaparece; ela migra para o subsolo, onde se torna mais difícil de monitorar, mais difícil de engajar e, frequentemente, mais volátil. A psicologia política e os estudos de conflito demonstram há muito tempo que a supressão tende a radicalizar em vez de pacificar, particularmente quando as comunidades se sentem coletivamente visadas ou deslegitimadas.
Governos e plataformas ocidentais enquadram cada vez mais a regulação da liberdade de expressão como uma ferramenta de redução de danos. Mas, na prática, grande parte dessa regulação funciona como gestão narrativa. O objetivo não é simplesmente prevenir a violência, mas preservar o controle reputacional sobre as escolhas de política externa que enfrentam um escrutínio moral sem precedentes. A guerra em Gaza expôs um profundo desconforto dentro dos sistemas políticos ocidentais com o debate aberto sobre Israel e Palestina. Em vez de confrontar a essência das críticas, muitas instituições optaram pela contenção, silenciamento ou disciplina reputacional.
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Essa estratégia reflete a crença de que, marginalizando as vozes críticas, a dissidência pública pode ser contida e a estabilidade social preservada. Contudo, essa crença se baseia em uma incompreensão de como a pressão política opera. Silenciar a dissidência visível não reduz o descontentamento; pelo contrário, elimina as vias não violentas para a sua expressão. Com o tempo, essa dinâmica aumenta a polarização, corrói a confiança nas instituições e eleva o risco de resultados imprevisíveis. A ausência de debate não sinaliza consenso, mas sim medo.
Eventos recentes fora dos Estados Unidos reforçam esse perigo. Na Austrália, um ataque violento contra indivíduos associados a eventos sionistas chocou o público e reacendeu o debate sobre o extremismo político. É essencial afirmar claramente que tal violência é moralmente indefensável e não pode ser justificada sob nenhuma circunstância. Contudo, tratar tais incidentes como atos isolados, dissociados de contextos políticos mais amplos, é analiticamente insuficiente. Quando as vias pacíficas de protesto e expressão são sistematicamente restringidas, quando o debate público é limitado e a dissidência é punida, o ambiente social torna-se mais explosivo. Isso não justifica a violência, mas ajuda a explicar por que sociedades que afirmam valorizar a abertura enfrentam cada vez mais dificuldades com a radicalização.
A conexão aqui é estrutural, não causal em um sentido simplista. A censura não produz violência mecanicamente. Mas isso contribui para as condições em que o diálogo entra em colapso e o ressentimento se agrava. A lição não é que a liberdade de expressão deva ser irrestrita em todos os contextos, mas sim que a supressão seletiva de pontos de vista políticos, especialmente aqueles ligados a conflitos profundamente emotivos como o da Palestina, acarreta riscos a longo prazo. Quanto mais as instituições insistem em controlar as narrativas aceitáveis, mais minam sua própria credibilidade como árbitros neutros.
Organizações internacionais de direitos humanos têm alertado repetidamente sobre essa tendência. Relatórios de grupos como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch destacaram o espaço cada vez menor para a defesa dos direitos palestinos e para a crítica à política israelense nas democracias ocidentais.
Esses alertas não são abstratos. Eles apontam para uma erosão tangível das normas que os Estados ocidentais afirmam defender.
A ironia é que a liberdade de expressão nunca foi concebida para proteger discursos confortáveis ou populares. Sua função primordial é permitir que as sociedades processem conflitos sem recorrer à coerção. Quando Estados e plataformas abandonam esse princípio seletivamente, enfraquecem um dos poucos mecanismos capazes de absorver o choque político. Ao fazerem isso, trocam o controle narrativo de curto prazo pela instabilidade de longo prazo.
O que se desenrola hoje sugere uma crise mais profunda de confiança liberal. As instituições ocidentais parecem cada vez mais incertas de que suas políticas possam resistir ao escrutínio aberto. Em vez de dialogar com os críticos, marginalizam-nos. Em vez de debater as evidências, policiam o discurso. Esse não é o comportamento de sistemas confiantes em sua autoridade moral. É o comportamento de sistemas sob pressão.
Se as democracias ocidentais levam a sério a prevenção da radicalização e da violência, devem confrontar essa contradição. A liberdade de expressão não é uma recompensa pela concordância, mas sim uma salvaguarda contra a escalada. Suprimir a dissidência pode oferecer alívio temporário, mas, em última análise, amplifica as próprias forças que busca conter. A escolha não é entre ordem e abertura. É entre gerir o conflito por meio do diálogo ou conduzi-lo a espaços mais sombrios e perigosos.
O silenciamento das vozes críticas a Israel e à política externa ocidental não torna as sociedades mais seguras. Torna-as frágeis. E sistemas frágeis não se curvam sob pressão. Eles se quebram.
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