Em Gaza, a escassez de eletricidade não é um mero inconveniente técnico; é uma restrição diária para hospitais, sistemas de água e para a dignidade básica. Em outras regiões frágeis do Oriente Médio e Norte da África (MENA), os frequentes cortes de energia e os altos custos da eletricidade tornaram-se politicamente explosivos, expondo como a eletricidade funciona como uma pressão, em vez de um serviço público neutro. Relatórios da ONU sobre infraestrutura humanitária mostram repetidamente como a privação de energia se propaga para uma maior insegurança humana.
Nesse contexto, governos de toda a região apresentam agora a energia renovável como um caminho para a resiliência e a modernização. Energia solar, projetos eólicos e hidrogênio verde estão no centro das estratégias oficiais de “Visão”, frequentemente apresentadas como uma rota limpa para a diversificação e um futuro pós-petróleo. No entanto, essas promessas se desenrolam dentro de estruturas políticas profundamente enraizadas.
A transição energética no Oriente Médio e Norte da África (MENA) não se resume à simples substituição de combustíveis. Trata-se de poder: quem controla a geração e as redes, quem se beneficia dos novos ciclos de investimento e quem paga o preço da reforma. A eletricidade nunca foi politicamente neutra na região. As energias renováveis, por si só, não mudam esse cenário. Sem reforma institucional e inclusão social, a transição verde corre o risco de reproduzir as desigualdades existentes sob um rótulo mais limpo.
Por que a transição energética ameaça as estruturas de poder existentes?
Durante décadas, os sistemas energéticos na região MENA sustentaram contratos sociais informais. A eletricidade e o combustível subsidiados compensavam a fraca oferta de bem-estar social e a limitada participação política. Quando os preços subiam ou o fornecimento falhava, as consequências políticas surgiam rapidamente.
A energia renovável rompe esse equilíbrio. Embora a energia solar e eólica reduzam os custos a longo prazo, elas exigem investimento inicial, reforma regulatória e, em muitos casos, reestruturação de subsídios. Os governos enfrentam um dilema persistente: preservar a acessibilidade para manter a estabilidade social enquanto migram para novos modelos energéticos que podem, inicialmente, aumentar os custos para as famílias.
As avaliações energéticas regionais e os dados oficiais mostram consistentemente uma forte resistência pública à reforma dos subsídios, particularmente onde a confiança institucional permanece baixa. Como resultado, muitos governos buscam a expansão das energias renováveis sem integrá-las a políticas sociais mais amplas, criando sistemas energéticos paralelos em vez de uma transição coerente.
Projetos verdes, elites antigas: como as energias renováveis permanecem centralizadas
O desenvolvimento de energias renováveis no Oriente Médio e Norte da África segue, em grande parte, um padrão familiar. Grandes projetos, gerenciados centralmente, dominam as estratégias nacionais. Megaparques solares e iniciativas de hidrogênio verde voltadas para a exportação atraem investimentos estrangeiros e atenção internacional.
Esses projetos expandem a capacidade, mas raramente transformam a governança. O controle permanece concentrado em instituições estatais e atores com conexões políticas. Os regimes de licenciamento, a alocação de terras e o acesso à rede elétrica frequentemente favorecem grandes empresas, marginalizando comunidades e pequenos produtores.
Em teoria, a energia renovável possibilita a descentralização. Na prática, as barreiras regulatórias continuam a restringir a energia solar em telhados, a propriedade comunitária e as redes locais em grande parte da região. O resultado é uma transição que parece verde, mas opera com a mesma lógica centralizada que caracterizou a era dos combustíveis fósseis.
Quem paga pela transição? Reforma energética e desigualdade social
A transição energética é frequentemente apresentada como um bem público a longo prazo, mas seus custos a curto prazo são distribuídos de forma desigual. O aumento das tarifas de eletricidade, a redução de subsídios e os novos mecanismos de recuperação de custos afetam as famílias de maneiras diferentes, e na região do Oriente Médio e Norte da África (MENA) essas diferenças são politicamente carregadas. Famílias de baixa renda gastam uma parcela maior de sua renda com energia e são as primeiras a absorver os choques de preços quando as reformas são introduzidas.
Em toda a região, as tentativas anteriores de reforma energética revelam um padrão consistente. Onde os governos removeram subsídios ou ajustaram tarifas sem uma compensação crível, ocorreram protestos e as políticas foram diluídas ou revertidas. Avaliações do Banco Mundial e regionais mostram repetidamente que as reformas de preços de energia falham quando corroem a confiança e ignoram as realidades vividas. A transição energética não pode ter sucesso onde as famílias a percebem como punição em vez de progresso.
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As estratégias de energia renovável frequentemente prometem custos mais baixos no futuro, mas oferecem pouca proteção no presente. Quando os governos priorizam a confiança dos investidores e a sinalização fiscal em detrimento da proteção social, o ônus da transição se desloca para baixo. A reforma energética torna-se, então, mais um mecanismo pelo qual a desigualdade é reproduzida, em vez de reduzida.
Uma transição justa exige mais do que tecnologia limpa. Exige tarifas de subsistência, apoio direcionado a famílias vulneráveis e redistribuição transparente das economias geradas pela implantação de energias renováveis. Sem benefícios públicos visíveis, a energia renovável perde legitimidade política. No Oriente Médio e Norte da África (MENA), onde os contratos sociais já são frágeis, ignorar a justiça não é um descuido técnico; é um risco político.
Energias renováveis sob bloqueio: Transição energética em Gaza e outros contextos frágeis
Os debates sobre a transição energética no Oriente Médio frequentemente pressupõem mercados funcionais, controle soberano sobre a infraestrutura e liberdade para implantar tecnologia. Gaza expõe a fragilidade dessas premissas. A escassez crônica de eletricidade não é resultado de falhas de mercado ou estresse climático, mas sim do bloqueio, das restrições de combustível e da destruição repetida da infraestrutura civil. Agências da ONU têm documentado consistentemente como o fornecimento limitado de eletricidade prejudica hospitais, tratamento de água, armazenamento de alimentos e condições básicas de vida. Em tais contextos, a energia renovável é frequentemente apresentada como uma solução técnica. Sistemas solares descentralizados poderiam, em teoria, reduzir a vulnerabilidade humanitária e aliviar a pressão sobre os serviços públicos sobrecarregados. Na prática, as restrições a materiais, financiamento, acesso à rede e circulação limitam drasticamente a sua implementação. A transição energética sob ocupação opera dentro de restrições políticas que nenhum otimismo tecnológico consegue superar.
Tratar a crise energética de Gaza como um desafio de desenvolvimento, em vez de um desafio político, obscurece a responsabilidade. A privação de eletricidade funciona como uma forma de pressão estrutural, moldando a vida quotidiana e corroendo a dignidade humana. Uma transição que ignora o bloqueio e o controlo corre o risco de se tornar uma narrativa de adaptação à injustiça, em vez de um caminho para a justiça.
Dinâmicas semelhantes aparecem, de forma menos extrema, noutras partes frágeis e afetadas por conflitos da região. Onde a soberania sobre os sistemas energéticos é contestada, a energia renovável não pode ser dissociada de questões de poder, responsabilidade e direitos. Qualquer discussão séria sobre a transição energética no Oriente Médio e Norte da África (MENA) deve, portanto, abordar a ocupação, a restrição e o controle desigual como variáveis centrais, e não como complicações periféricas.
Energia limpa como influência: competição regional e novas dependências
A energia renovável também se tornou uma ferramenta de influência regional. Os estados do Golfo projetam cada vez mais poder por meio de investimentos em energia limpa, financiando infraestrutura em vez de mobilizar tropas. Egito e Marrocos se posicionam como polos de energias renováveis, conectando África, Europa e Oriente Médio.
Essas dinâmicas remodelam alianças e introduzem novas dependências. A transição energética não elimina a geopolítica; ela a reorganiza. Países com capital, tecnologia e influência diplomática moldam a arquitetura energética regional, enquanto outros permanecem como meros tomadores de preço em mercados verdes emergentes.
Conclusão: a energia limpa por si só não trará justiça
A transição energética na região MENA não é uma corrida técnica em direção às energias renováveis. É um processo político moldado por poder, confiança e desigualdade. Painéis solares e turbinas eólicas podem mudar a matriz energética, mas não alteram automaticamente quem controla a infraestrutura ou quem se beneficia das reformas.
Quando a energia renovável é regida pelas mesmas estruturas centralizadas que os combustíveis fósseis, ela reproduz as mesmas vulnerabilidades sob uma bandeira mais verde. Sem reforma institucional, proteção social e participação pública, a energia limpa corre o risco de se tornar mais um mecanismo de exclusão, em vez de uma fonte de resiliência.
O futuro do sistema energético da região não será julgado pela capacidade instalada ou pelos números de investimento divulgados. Será julgado por quem controla o poder, quem arca com os custos da transição e se o acesso à eletricidade se tornará uma fonte de dignidade, em vez de uma pressão política. No Oriente Médio e Norte da África (MENA), uma transição energética justa não é opcional. É a diferença entre estabilidade e uma renovada disputa.
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