Quando a máquina emite fatwas e o clérigo se cala

Karam Nama
2 dias ago

Warning: foreach() argument must be of type array|object, null given in /www/wwwroot/monitordooriente.com/wp-content/plugins/amp/includes/templates/class-amp-post-template.php on line 236
Uma imagem do logotipo da Universal Pictures exibido em uma tela digital e uma ilustração de inteligência artificial (IA) mostrada na tela de um celular em Ancara, Turquia, em 20 de agosto de 2025. [Erçin Ertürk/ Agência Anadolu]

Em seu artigo no Financial Times, Rana Foroohar — autora de Não Seja Mau: Como as Grandes Empresas de Tecnologia Traíram Seus Princípios Fundadores — e Todos Nós — lidera uma reflexão coletiva sobre como os cristãos, particularmente os católicos, estão reagindo à ascensão da inteligência artificial. No entanto, a discussão não se concentra na tecnologia em si, mas na reação dos fiéis a ela. Isso, por si só, é um viés: a máquina não é questionada — apenas aqueles que a temem.

Os católicos, como observa Foroohar, formam o maior bloco eleitoral nos Estados Unidos. O Papa Francisco pediu que a IA seja “colocada a serviço da humanidade”. O novo Papa, Leão XIV, estaria preparando sua primeira encíclica sobre inteligência artificial. Grupos de reflexão religiosa estão examinando como a IA afeta a família, o trabalho e a fé. Há apelos para regulamentar o uso da IA ​​entre crianças e até mesmo restringir “companheiros de IA”.

Mas a questão mais profunda permanece sem resposta: a própria fé muda quando a máquina começa a falar?

Encontramos um indício da resposta, bem como um alerta, nas palavras do Dr. Ximian Simeon, pesquisador da área de teologia. “Os teólogos devem confrontar as consequências éticas da IA ​​na prática religiosa, porque a IA redefine a própria agência moral”. No entanto, no pensamento religioso, a responsabilidade moral não se resume à tomada de decisões — trata-se de compreender as consequências. As máquinas não sentem culpa. Elas não se arrependem. Elas não temem o julgamento. Podem ser tratadas como agentes morais? É aqui que começa a ruptura entre tecnologia e fé.

Marius Dorobantu, professor de Crenças Religiosas e Ética, escreve:

“As questões teológicas levantadas pelas máquinas inteligentes não são técnicas, mas existenciais: a IA pode participar da criação? Ela pertence à história da salvação?” Na teologia cristã, a criatividade é divina. A criação não é mera produção. Quando uma máquina escreve um poema, pinta uma imagem ou compõe música, ela não cria — ela imita. Mas será que a imitação é suficiente para abalar a ideia do homem como vice-regente? Talvez não. Mas a ansiedade é real.

Mark Graves, cuja pesquisa se concentra na interseção entre inteligência artificial (IA), ética e espiritualidade sob perspectivas computacionais e psicológicas, alerta:

“A IA criativa apresenta um desafio teológico: a criatividade é exclusiva dos humanos?” No pensamento religioso, a criatividade está ligada à intenção. E a intenção é um ato espiritual. As máquinas não intencionam. Elas produzem. Será isso suficiente para minar o conceito de intenção na fé? Talvez não. Mas a questão não é mais teórica.

Sabemos também que conceder tanto poder aos CEOs de gigantes da tecnologia sobre nossas vidas equivale a transformá-los em deuses — e é evidente que esses deuses não oferecem futuro. Muitos agora se veem inesperadamente atraídos por deuses antigos que pensavam ter superado. De repente, crenças ancestrais parecem oferecer algo mais esperançoso — algo divino, porém intocável.

Essas perguntas não são feitas levianamente. Nem ignoram os riscos de tais desenvolvimentos. Mas, em comparação com a alternativa — IA sem regulamentação política e sem restrições espirituais — muitas pessoas, de diferentes origens, podem passar a enxergar a religião pública e políticas ativas como o caminho mais seguro e unificador.

A questão islâmica adiada

As principais instituições islâmicas — Al-Azhar, os conselhos jurisprudenciais ou os ministérios religiosos — estão se dedicando a refletir sobre como a IA afeta a relação do crente com a fé? As fatwas ainda se concentram na IA na educação ou na pregação, mas raramente abordam a questão central: uma máquina pode emitir uma fatwa?

Na tradição islâmica, a razão não é apenas uma ferramenta — é uma condição para a responsabilidade moral. A intenção não é um detalhe — é a essência da ação. O ijtihad é um ato humano, não algorítmico. A IA pode realizar ijtihad? Emitir pareceres? Ensinar teologia? Pode escrever um sermão de sexta-feira? Pode ser consultada sobre questões doutrinárias? Ela rompe o vínculo entre o homem e Deus quando fala com uma voz sintética?

Essas perguntas raramente são feitas — não porque os muçulmanos não estejam pensando, mas porque as instituições religiosas ainda não se envolveram seriamente com a tecnologia. A IA já é usada na educação, na da’wah (pregação islâmica), na tradução e na gestão de conteúdo religioso. Mas será que está sendo questionada? Desafiada? Compreendida?

Não podemos esperar uma resposta direta do Grande Aiatolá Ali al-Sistani, uma figura religiosa que vive em reclusão voluntária, longe da mídia e da tecnologia moderna. No entanto, milhões de muçulmanos xiitas seguem voluntariamente seus preceitos e os consideram definitivos em questões de fé e vida. Isso levanta uma questão mais ampla: a IA pode interagir com esse tipo de autoridade espiritual? Pode replicá-la? Competir com ela? Reformulá-la?

Sistani não está sozinho. Uma longa lista de líderes religiosos de várias seitas islâmicas constituem autoridades vivas — mas permanecem em silêncio diante da tecnologia.

Em última análise: quem pensa em nome da fé?

A IA não ameaça a fé por ser uma máquina. Ela ameaça a fé porque pensa em nome do ser humano. E quando a IA começa a pensar pelo crente, surgem perguntas não formuladas: a fé ainda é um ato livre? O ijtihad ainda é humano? A relação entre o homem e Deus ainda se dá pela razão — ou por meio de código?

No Ocidente, a teologia começa a despertar. No Oriente, o silêncio ainda reina. Mas o silêncio não protege a fé. Ele a deixa exposta a uma máquina que não crê nem descrê — mas persuade.

LEIA: Papa Leão XIV critica o “som das armas” no Líbano e pede união e compaixão

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

Sair da versão mobile