Quase dois anos após a guerra de genocídio de Israel em Gaza, o embaixador chinês em Israel, Xiao Juncheng, condenou os ataques de 7 de outubro em um artigo relatando sua participação na cerimônia oficial do Dia da Memória do Holocausto em Israel, descrevendo-os como uma “tragédia que abalou o mundo”. Ele vinculou os ataques à narrativa comemorativa do sofrimento judaico ao longo da história, em vez de situá-los no contexto da ocupação e do apartheid. Ao fazê-lo, Xiao apoiou a narrativa israelense que atribui o 7 de outubro ao antissemitismo, o que reforça a impunidade israelense e apoia a continuação do genocídio. No início de 2024, o embaixador sugeriu que os interesses estratégicos de Pequim com Israel persistem apesar do genocídio, destacando a lacuna entre a retórica da China nas Nações Unidas e seus interesses com Israel.
Esta nota política demonstra como a “neutralidade tendenciosa” da China em relação ao regime israelense se manifesta em sua dissociação estratégica do genocídio em curso em Gaza. Ao clamar pela unidade palestina sem pressionar diretamente Israel, Pequim mantém suas relações com o Estado sionista enquanto finge neutralidade. Essa posição não apenas reflete a submissão de Pequim à hegemonia de Washington em questões relacionadas a Israel, mas também é uma decisão deliberada para salvaguardar seus interesses estratégicos de longo prazo. Em vez de intervir diretamente para dissuadir Israel, a China transfere a responsabilidade para o Conselho de Segurança, tratando cessar-fogo, entregas de ajuda humanitária e libertação de prisioneiros como obrigações de terceiros e não suas.
Posição da China sobre Genocídio
Embora a China se apresente como líder do Sul Global, ela se absteve de assumir qualquer papel de liderança no enfrentamento dos crimes de guerra cometidos pelo regime israelense. Ao contrário do Grupo de Haia — uma coalizão de países do Sul Global que usa o Direito Internacional para lidar com a impunidade israelense — Pequim se absteve de tomar medidas como a retirada de seu embaixador, o rebaixamento das relações, a imposição de sanções ou o congelamento de acordos.
A distância estratégica da China é mais claramente evidente em sua recusa consistente em caracterizar os crimes do regime israelense em Gaza como genocídio. Essa posição é ainda mais significativa porque a China possui o peso internacional e a influência política que lhe permitem agir. No entanto, contenta-se com gestos simbólicos, como sua declaração perante a Corte Internacional de Justiça de que a Palestina tem o direito inerente à resistência armada, sem fundamentar essas declarações retóricas com medidas legais ou políticas concretas.
Evidências do envolvimento real da China no genocídio complicam ainda mais a posição chinesa. Relatórios investigativos documentaram o uso israelense de drones DJI de fabricação chinesa para fins de vigilância e bombardeio em Gaza. Surgiram relatos de que a fabricante privada chinesa de drones recebeu financiamento de investidores estatais. Embora a empresa afirme operar de forma independente, essas conexões levantaram questões sobre a neutralidade de Pequim e a consistência de sua política externa em meio à escalada da violência genocida em Gaza.
Os cinco motivos por trás da estratégia política da China
Por trás do véu da neutralidade retórica chinesa, cinco fatores interligados revelam os motivos de Pequim para preferir o distanciamento em vez do engajamento real para dissuadir o regime israelense. Em primeiro lugar, Gaza não é uma arena vital para Pequim, que vê a guerra de Gaza como algo fora do âmbito do conflito global entre grandes potências. Ao contrário de suas posições sobre Ucrânia, Líbia e Síria, onde invocou a “retórica da Guerra Fria” para criticar a intervenção ocidental, Pequim se absteve de usar essa perspectiva ao discutir a Palestina. Isso fica evidente ao considerar o apoio explícito de Washington e seus aliados à campanha militar israelense, um cenário que incorpora perfeitamente a lógica de alinhamento derivada da política da Guerra Fria.
Em segundo lugar, embora a Palestina tenha aderido oficialmente à Iniciativa Cinturão e Rota da China, ela se encontra à margem do projeto, fora dos corredores geográficos e polos econômicos que constituem as principais prioridades da China. Sob ocupação e bloqueio israelenses, a Palestina carece da infraestrutura e da soberania necessárias para se beneficiar dos projetos da Iniciativa Cinturão e Rota. Portanto, sua inclusão permanece em grande parte simbólica, servindo mais à imagem diplomática da China do que ao desenvolvimento material da Palestina.
Em terceiro lugar, ao contrário dos Estados Unidos, que aprovaram níveis sem precedentes de ajuda militar a Israel em 7 de outubro de 2023, a China evitou o envolvimento direto, preferindo concentrar-se em suas ambições estratégicas de longo prazo. Pequim tem trabalhado para projetar seu poder por meio da Iniciativa Cinturão e Rota e aumentando seu orçamento de defesa, que aumentou 7,2% em 2024, para aproximadamente US$ 229 bilhões, o equivalente a quase 13% do total dos gastos militares globais.
Em quarto lugar, a China está se beneficiando da mudança no cenário regional, na qual vários governos árabes marginalizaram a questão palestina por meio de acordos de normalização com Israel. Essa mudança proporciona a Pequim uma cobertura diplomática confortável, já que seu envolvimento limitado na questão palestina não deve enfraquecer suas relações com os Estados do Golfo ou com o restante do mundo árabe. Embora alguns regimes árabes continuem a fortalecer suas relações com o regime israelense, Pequim não vê sentido em se expor a atritos políticos adotando uma postura mais assertiva.
Em quinto e último lugar, a imagem global da China se beneficia do genocídio sem que seja obrigada a tomar medidas concretas. Quanto mais essas atrocidades persistirem, mais a credibilidade moral do Ocidente se deteriora, dando à China a oportunidade de emergir como uma potência com mais princípios em comparação. Após o veto dos Estados Unidos a uma resolução do Conselho de Segurança da ONU sobre um cessar-fogo em dezembro de 2023, o embaixador chinês Zhang Jun fez uma crítica velada, conclamando os países a priorizarem a responsabilidade moral em detrimento dos interesses geopolíticos e a rejeitarem a duplicidade de critérios.
Tais declarações permitem que a China acumule capital simbólico e expanda seu soft power sem incorrer em riscos políticos ou responsabilidades graves.
Recomendações
Pequim não assumiu um papel de liderança nem buscou uma diplomacia significativa diante do genocídio em Gaza. Em vez disso, optou pelo distanciamento estratégico em vez de cumprir suas obrigações morais e legais de impedir o genocídio, um caminho reforçado pelo fracasso do Ocidente em fazê-lo. Ao não cumprir suas obrigações perante o Direito Internacional, a pressão sobre Pequim para que assuma uma posição decisiva contra o genocídio diminuiu. O apoio incondicional de Washington a Israel permitiu que a violência continuasse, dando à China espaço para se apresentar como uma alternativa mais justa sem tomar nenhuma ação concreta que reflita isso.
Os palestinos, tanto oficiais quanto populares, precisam reavaliar urgentemente sua relação com a China. Presumir a capacidade de Pequim de formar um verdadeiro contrapeso ao Ocidente não é apenas excessivamente otimista, mas também uma repetição de erros passados, quando líderes e movimentos palestinos depositaram demasiada confiança nos Estados Unidos. Esta etapa não exige bajulação, mas sim responsabilidade e prestação de contas.
Expor e confrontar a cumplicidade econômica da China: A sociedade civil palestina deve exercer pressão internacional para pôr fim a todas as atividades comerciais e investimentos relacionados aos assentamentos israelenses ilegais, incluindo aqueles que envolvem a China. O envolvimento contínuo de Pequim na infraestrutura de assentamentos mina seu compromisso declarado com o Direito Internacional e enfraquece sua credibilidade como alternativa à influência ocidental.
Pressionar a China a rever sua retórica política: A descrição de Israel por Pequim como um “Estado Judeu” reflete uma visão de mundo sionista que apaga os direitos e as demandas históricas dos palestinos. Autoridades palestinas e representantes da sociedade civil devem, portanto, instar a China a adotar um discurso jurídico internacional que reflita a realidade do colonialismo de assentamentos israelense e do apartheid, em vez das narrativas sionistas. A comunidade internacional também deve instar a China a adotar a terminologia de genocídio usada em processos judiciais perante a Corte Internacional de Justiça e o Tribunal Penal Internacional, tanto para descrever a realidade atual quanto para promover a responsabilização.
Desenvolver uma agenda de pesquisa crítica sobre a China: Acadêmicos palestinos devem abster-se de reproduzir o discurso da alegada superioridade moral da China e trabalhar para desenvolver programas de pesquisa que critiquem a política externa de Pequim, seus interesses estratégicos e sua cumplicidade no genocídio e na ocupação israelense da Palestina. Essa pesquisa é cada vez mais necessária à medida que a China continua a ascender como potência global.
Iniciar um diálogo estratégico com acadêmicos chineses: Instituições acadêmicas palestinas devem se envolver ativamente com acadêmicos chineses, incluindo aqueles filiados ao Partido Comunista. Esse intercâmbio deve transcender os limites da diplomacia e transmitir perspectivas palestinas críticas aos círculos decisórios chineses.
Originalmente publicado em árabe e inglês no Al-Shabaka em 16 de setembro de 2025
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