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Gaza não esquecerá, a Palestina se lembrará

14 de outubro de 2025, às 04h59

Palestinos caminham pelas ruínas de prédios destruídos no bairro de Al-Nafaq, na Cidade de Gaza, em 12 de outubro de 2025, após um cessar-fogo entrar em vigor e as forças israelenses se retirarem de partes da Faixa de Gaza. [Anas Zeyad Fteha – Agência Anadolu]

Gaza não esquecerá

A fumaça sufocante ainda paira sobre suas ruínas, carregada com o odor acre de pólvora e poeira explosiva, carregando o cheiro da traição e a marca da coragem. Suas ruas, antes repletas de risos infantis, tornaram-se campos de extermínio israelenses. Agora, ecoam os nomes e as memórias dos mártires.

As valas comuns, o concreto quebrado e o aço retorcido não são apenas evidências do ódio sionista. Eles são testemunhas daqueles que a apoiaram e daqueles que a abandonaram. Hoje, os escombros de Gaza guardam mais memórias do que todas as bibliotecas do país.

A Palestina se lembrará

Ela se lembrará dos sacrifícios altruístas de médicos e profissionais de saúde que se recusaram a abandonar seus pacientes doentes enquanto bombas choviam sobre seus hospitais; dos jornalistas que viraram notícia, alvos de ataques por ousarem expor a verdade; das mães que embrulharam seus filhos na bandeira vermelha, preta, verde e branca de uma nação que Israel está desesperado para apagar.

Estas não são histórias de desespero, mas de desafio, insistindo em seu direito de respirar a vida em meio à morte.

Gaza não esquecerá

Ela não esquecerá o silêncio das democracias ocidentais. Em uma trágica inversão, a maioria das nações europeias, acorrentadas pelos fantasmas de seu passado, trocou a moralidade pela absolvição. Os autoproclamados defensores dos direitos humanos ofereceram os palestinos no altar das vítimas de ontem para expiar os pecados da Europa.

Gaza não esquecerá o governo Biden, que vetou todas as resoluções do Conselho de Segurança da ONU que pediam o fim do genocídio. Nem Donald Trump, que jogou lenha na fogueira e depois exigiu reconhecimento por ter apagado suas próprias chamas.

Esta semana, líderes árabes, muçulmanos e mundiais se reúnem como mariposas em torno do incendiário americano que virou bombeiro, “celebrando” as cinzas de Gaza.

A Palestina se lembrará

Ela se lembrará das pessoas que se levantaram por Gaza, do Iêmen a Dublin, da Cidade do Cabo a Londres e Madri, enquanto as capitais árabes, do Cairo a Riad, dormiam. Irlanda e Espanha lideraram o boicote, enquanto países árabes, do Golfo à Jordânia, abriram seus portos e rodovias para fornecer rotas alternativas para os produtos israelenses, mesmo com o Iêmen impondo um bloqueio marítimo no Mar Vermelho.

Gaza não esquecerá — nem perdoará — os governos árabes que abriram seus portos quando os trabalhadores dos estaleiros na Itália se recusaram, entregando armas americanas usadas para aniquilar suas crianças e destruir seus hospitais.

A Palestina se lembrará

Ela se lembrará da África do Sul — uma nação que não é árabe ou muçulmana — que levou seu caso ao Tribunal Internacional de Justiça, acusando Israel de genocídio. Um país outrora marcado pelo apartheid tornou-se a consciência moral de um mundo tímido demais para se manifestar. Nesse ato de solidariedade, a África do Sul reacendeu a verdade universal de que a justiça não conhece fronteiras.

A Palestina se lembrará da resistência libanesa que ofereceu seus líderes para a defesa de Gaza; do Iêmen, pobre em riqueza, mas rico em dignidade, cuja solidariedade nunca vacilou; e do Irã, firme contra a arrogância israelense. Ela se lembrará da Irlanda e da Espanha, que não se afastaram quando os árabes o fizeram, provando que a verdadeira solidariedade transcende fronteiras, fé e parentesco, baseando-se apenas na humanidade compartilhada.

Ela se lembrará dos heróis das flotilhas que enfrentaram ondas de ódio e cerco para levar mensagens de compaixão; dos voluntários anônimos que deixaram a segurança de seus países para curar os feridos e alimentar os famintos; dos estudantes americanos que transformaram campi em acampamentos de resistência; os artistas, atores e músicos que arriscaram suas carreiras por justiça; os funcionários que perderam seus empregos protestando contra a cumplicidade do Google, Microsoft e outras gigantes da tecnologia nos crimes de Israel.

Gaza não esquecerá aqueles que a traíram

A Palestina será eternamente grata àqueles que ousaram dizer a verdade quando era perigoso, que marcharam quando era proibido, que sofreram quando era fora de moda.

A Palestina se lembrará. A história se lembrará. A justiça se lembrará.

Por quase dois anos, Gaza sofreu um genocídio tão implacável que desafia qualquer linguagem descritiva. A máquina de guerra de Israel transformou hospitais em necrotérios, escolas da ONU em valas comuns e campos de refugiados em crateras. No entanto, Gaza recusa-se a morrer.

Cada vez que é bombardeada “de volta à Idade da Pedra”, ela se ergue — como a fênix — para reconstruir não apenas suas estruturas, mas também sua vontade indomável. Nesse desafio reside o maior medo do ocupante: a memória.

Israel pode destruir edifícios, mas não apagar a memória. O cerco pode matar de fome o corpo de Gaza, mas nutre a alma coletiva da Palestina.

As crianças de Gaza crescerão com memórias que nenhuma criança deveria carregar. Mas também herdarão algo indestrutível: dignidade. Em cada lar demolido e em cada família despedaçada vive uma história que se recusa a ser enterrada.

A memória de Gaza não se apagará. Pois a mente, ao contrário da pedra, não pode ser ocupada. É o arquivo eterno da resiliência de um povo, passado de uma geração para a outra, tecendo a tapeçaria indelével da Palestina atual.

As ruínas de Gaza são não apenas um testemunho do genocídio de Israel, mas também do colapso moral daqueles que o possibilitaram.

Gaza se erguerá novamente, tijolo por tijolo.

Mas o que jamais será ressuscitado é a mentira israelense, que, por oito décadas, encobriu o projeto sionista sob a forma de vitimismo, ocupando narrativas ocidentais e fabricando consentimento.

Gaza se erguerá — e o mito israelense permanecerá enterrado sob seus escombros, para sempre.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.