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A política de Trump para Gaza e o silêncio do Vaticano: Uma questão de consistência moral

29 de setembro de 2025, às 05h29

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e sua neta, Kai Trump, caminham pelo gramado sul da Casa Branca após chegarem a bordo do Marine One em Washington, D.C., em 26 de setembro de 2025, em Washington, D.C., Estados Unidos. [Yasin Öztürk/ Agência Anadolu]

A reeleição do presidente Trump confirmou os piores temores dos analistas sobre sua política para Gaza e os direitos palestinos. Apesar das promessas de campanha de interromper a guerra de Gaza em poucos dias, suas políticas têm sistematicamente prolongado o conflito e incentivado a escalada israelense.

Quebra de promessas, escalada da violência

A mudança de política de Trump começou no momento em que ele assumiu a Casa Branca. Ele não apenas abandonou seu compromisso com uma paz rápida, como chegou ao ponto de minar as restrições de seu antecessor, vendendo a Israel armas avançadas proibidas. Mais preocupante ainda, ele encorajou abertamente Netanyahu a intensificar as ações militares com o aparente objetivo de expurgar os 2,2 milhões de habitantes de Gaza — acompanhado pelo conceito absurdo de transformar a região em um resort de férias de luxo.

A retórica confusa do presidente proporcionou a Netanyahu repetidas oportunidades e tempo adicional para ampliar as operações, em vez de exercer pressão adequada para obter acesso humanitário à sofrida população de Gaza. A recente coletiva de imprensa conjunta com o primeiro-ministro britânico Keir Starmer, em Londres, revelou a dura realidade de sua posição.

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A abordagem centrada nos reféns

Quando questionado sobre Gaza, Trump se irritou visivelmente, chamando os ataques do Hamas de 7 de outubro de “crimes hediondos e imperdoáveis ​​sem precedentes na história da humanidade”. Ele enfatizou que a principal prioridade agora deve ser libertar todos os reféns, vivos e mortos, “o mais rápido possível”. Questionado se a libertação dos reféns interromperia a guerra, sua resposta direta foi simplesmente: “Talvez”.

Essa troca expôs uma matemática assustadora: Trump valoriza a vida de 24 reféns israelenses muito mais do que a vida de mais de dois milhões de palestinos sob bombardeio constante que mata de 70 a 100 pessoas todos os dias com munições fornecidas pelos EUA. Sua total dedicação à transferência de populações, rejeitando a resistência palestina a deixar sua terra natal com um “Eles deixarão; não temos pressa”, coloca em evidência as reais motivações do governo.

Isolamento diplomático

A posição de Trump ficou clara quando os EUA usaram seu sexto veto desde 2003 em uma resolução do Conselho de Segurança da ONU pedindo um cessar-fogo imediato, a libertação de prisioneiros e o acesso à assistência humanitária em Gaza. A resolução recebeu o voto unânime de todos os outros membros permanentes (Grã-Bretanha, França, Rússia e China) e membros não permanentes, deixando os Estados Unidos isolados no bloqueio.

O deputado americano Morgan Ortagus justificou o veto com argumentos obsoletos do “direito à autodefesa” de Israel e afirma que a resolução “equipara Israel ao Hamas”. Essas desculpas vazias ressoaram de forma especialmente insensível quando o representante da Dinamarca falou de mães fervendo folhas para alimentar seus filhos e pais vasculhando escombros em busca de comida.

O delegado da Argélia, Amar Ben Jamaa, proferiu as palavras possivelmente mais contundentes, recitando uma lista de desculpas aos palestinos: pela inação do Conselho em evitar a morte de mais de 18.000 crianças, o assassinato de 12.000 mulheres, o massacre de 4.000 idosos, a perda de 1.400 profissionais de saúde, o assassinato de 250 jornalistas e a morte de 500 profissionais de ajuda humanitária. Ele articulou a falha moral da comunidade internacional: “Israel mata e deixa um povo inteiro faminto diariamente, e ninguém faz nada a respeito.”

O silêncio alarmante do Vaticano

O apoio consistente dos Estados Unidos a Israel é uma tradição que remonta à época de Lyndon Johnson, enquanto a posição do Vaticano representa um afastamento alarmante da doutrina social católica. Em sua recente entrevista, o Papa Leão XIV revelou uma correspondência enigmática com a política dos EUA, em desacordo com a clareza moral de seu antecessor.

Ao expressar “grande preocupação” com Gaza, o Papa rejeitou as acusações de genocídio, alegando que “há uma definição muito técnica sobre o que pode ser genocídio” e considerando que a Santa Sé “não está pronta” para caracterizar a operação israelense como genocida. Essa alegação contradiz, em termos diretos, o apelo do Papa Francisco sobre as investigações de genocídio de novembro de 2024 e anulou um relatório do Conselho de Direitos Humanos da ONU de 16 de setembro que documentava o genocídio israelense em Gaza.

A retirada do Vaticano da liderança moral levanta questões preocupantes sobre a influência externa na política católica. Terá a Igreja cedido seu mandato humanitário a considerações políticas, seja sob pressão americana ou por lobbies sionistas internos?

O alinhamento da influência política americana e da influência moral do Vaticano na causa da impunidade israelense é um profundo fracasso das instituições globais. Quando a maior democracia do mundo e a instituição moral mais antiga do mundo abandonam vidas palestinas para salvaguardar os interesses israelenses, todo o edifício dos direitos humanos e do direito global desmorona.

A presidência de Trump revelou que a assistência americana a Israel é mais do que apenas um interesse estratégico — é uma lealdade ideológica para a qual algumas vidas importam mais do que outras. A cumplicidade do Vaticano é evidência de que essa hierarquia moral se estendeu até mesmo a instituições que professam acreditar na dignidade humana universal.

À medida que o sofrimento em Gaza continua com a aprovação das superpotências e o silêncio papal, o mundo testemunha não apenas a tragédia palestina, mas também a desconstrução dos fundamentos morais sobre os quais a ordem global se baseia.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.