Com base em seu primeiro mandato, muitos analistas projetaram que o retorno de Donald Trump à Casa Branca seria um mau presságio para o mundo árabe em geral e para os palestinos em particular. Eles não se decepcionaram com o novo presidente. Ele não apenas quebrou sua promessa de encerrar a guerra em Gaza em poucos dias, como também tomou decisões que a prolongaram: fornecer a Israel bombas poderosas que seu antecessor havia proibido e encorajar Netanyahu a intensificar a guerra para expulsar os moradores de Gaza, em consonância com sua ideia absurda de limpar Gaza de seus mais de dois milhões de habitantes para transformá-la em uma Riviera sete estrelas.
Ao empregar uma retórica confusa e sem sentido, Trump deu a Netanyahu oportunidade após oportunidade, prazo após prazo, para assassinar milhares de palestinos, em vez de pressioná-lo a permitir o fornecimento de ajuda humanitária tão necessária à população sitiada de Gaza.
Se ignorarmos sua recente reação ao traiçoeiro ataque israelense ao Catar e sua alegação de que não foi informado sobre o assunto, as palavras do presidente Trump durante a coletiva de imprensa conjunta com o primeiro-ministro britânico Keir Starmer, em Londres, em 18 de setembro, fornecem um exemplo claro de sua visão ou estratégia em relação a Gaza. Primeiro, ele declarou que discordava de Starmer sobre a intenção do Reino Unido de tomar a decisão simbólica de reconhecer o Estado da Palestina. Esta posição não é nova, visto que ele já havia criticado duramente a França e ameaçado o Canadá e qualquer Estado que tivesse a mesma intenção. No entanto, quando questionado sobre a guerra em Gaza, ele respondeu com uma expressão severa, carrancuda e irada, dizendo: “O que o Hamas fez em 7 de outubro é um ‘crime hediondo e imperdoável’ sem precedentes na história da humanidade”, acrescentando que o foco deve ser principalmente a libertação de todos os reféns, vivos e mortos, o mais rápido possível. Em seguida, em resposta à pergunta de um jornalista sobre se a libertação dos prisioneiros ajudaria a interromper a guerra, ele respondeu: “Talvez”. Essa resposta significa que ele não tem intenção de tentar impedir a guerra.
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Analisando suas palavras de outra perspectiva, o presidente Trump forneceu evidências claras de que as vidas de 24 prisioneiros ou reféns israelenses mantidos pelo Hamas são muito mais importantes para ele do que as vidas de mais de dois milhões de palestinos submetidos a assassinatos diários, a uma taxa de 70 a 100 pessoas, por soldados israelenses armados com armas americanas letais. Vale ressaltar também que ele nunca recuou de sua proposta de evacuar toda a população de Gaza e, sempre que lhe dizem que os palestinos não deixarão suas terras, ele diz: “Eles deixarão; não temos pressa”. No entanto, sua reação à agressão ao Catar indicou que a segurança e a estabilidade de um aliado dos EUA, lar da maior base militar americana na região e de centenas de bilhões de dólares em investimentos, são inúteis em comparação com o apoio contínuo e ilimitado a Israel. Quem precisa de mais evidências da posição do governo americano em relação à Palestina e a todos os árabes?
Essa posição clara e explícita foi confirmada no mesmo dia em que os EUA vetaram, pela sexta vez desde 2023, um projeto de resolução apresentado pelos dez membros não permanentes do Conselho de Segurança, pedindo a cessação imediata das hostilidades, a libertação de prisioneiros e a entrada de grandes quantidades de ajuda humanitária em Gaza. A resolução foi aprovada por todos os outros membros permanentes (Grã-Bretanha, França, Rússia e China) e pelos membros não permanentes, com exceção dos Estados Unidos. Antes da votação, a representante dos EUA no Conselho (a infame Morgan Ortagus, conhecida por suas declarações notórias em Beirute) afirmou que a rejeição da proposta não deveria surpreender ninguém, repetindo as mesmas alegações de sempre, como “a resolução não mencionou o direito de Israel de se defender”, “equiparou Israel ao Hamas” e “dá falsa legitimidade a narrativas falsas que beneficiam o Hamas e que, infelizmente, encontraram aceitação no Conselho… a resolução também se recusa a reconhecer um sistema falido que permitiu ao Hamas enriquecer à custa de civis e ao qual busca retornar”.
O veto dos EUA levou o delegado dinamarquês a relembrar a gravidade da fome que Israel insiste em impor, que obrigou mães a ferver folhas para alimentar seus filhos e pais a vasculhar os escombros em busca de sustento. Mais expressivas foram as palavras do representante da Argélia no Conselho, Sr. Amar Ben Jamaa. Com palavras carregadas de dor, ele disse: “Irmãos e irmãs na Palestina, perdoem-nos, especialmente vocês que estão em Gaza, onde o fogo os consome e os escombros os sufocam. Perdoem-nos porque este Conselho não conseguiu salvar suas crianças, das quais mais de 18.000 foram mortas por Israel.
Perdoem-nos porque este Conselho não conseguiu proteger suas mulheres, das quais mais de 12.000 foram mortas por Israel. Perdoem-nos porque o Conselho não conseguiu proteger os idosos, dos quais mais de 4.000 foram mortos por Israel.
Perdoem-nos porque este Conselho não conseguiu defender seus médicos, enfermeiros e paramédicos, dos quais mais de 1.400 foram mortos por Israel. Perdoem-nos porque não conseguimos defender seus jornalistas, dos quais mais de 250 foram mortos por Israel.
Perdoem-nos porque não conseguimos proteger seus trabalhadores humanitários, dos quais mais de 500 foram mortos por Israel. Perdoem-nos porque a fome está se espalhando entre vocês, e este Conselho não foi capaz de impedir isso, ou impedir o seu deslocamento forçado, ou impedir que a ajuda humanitária se transformasse em uma arma contra vocês.
Perdoem-nos porque o Conselho não conseguiu romper o cerco a Gaza. Perdoem-nos porque o mundo que fala de direitos os nega a vocês, os palestinos. Perdoem-nos porque nossos esforços sinceros encontram o muro da rejeição contínua neste Conselho.
Perdoem-nos porque não conseguimos ajudá-los porque Israel está protegido e porque escapa impune, não por causa do direito internacional, mas por causa do preconceito em nosso sistema internacional. Israel mata e deixa um povo inteiro passar fome diariamente, e ninguém faz nada a respeito. Israel bombardeia hospitais, escolas e abrigos, e nada acontece. Israel ataca o mediador negociador e espezinha as normas diplomáticas, e ninguém faz nada a respeito. Que vergonha da nossa impotência, que vergonha do genocídio que se desenrola diante de nossos olhos enquanto permanecemos em silêncio.
Embora a posição atual do governo dos EUA não seja surpreendente, dada a atitude pró-Israel dentro do diferentes administrações tem aumentado desde que o presidente Lyndon Johnson assumiu o cargo em 1963, até atingir o ponto de apoio incondicional e irrestrito, a decisão do Vaticano de aderir a essa política tendenciosa foi realmente surpreendente.
A Igreja Católica é conhecida há muito tempo por defender os direitos humanos de todos e se preocupar com a matança e a fome de civis inocentes, mas o atual Papa Leão XIV decidiu mudar essa tradição. Em uma entrevista (18 de setembro), o Papa declarou que, embora tenha “grande preocupação” com a situação em Gaza, sentiu que a palavra “genocídio” está sendo usada cada vez mais antes de declarar: “A Santa Sé não está pronta para declarar a campanha de Israel em Gaza um genocídio… Há uma definição muito técnica sobre o que genocídio pode ser.”
Além de sua declaração contradizer a de seu antecessor, o Papa Francisco, que, em novembro de 2024, pediu a investigação da acusação de genocídio e não demonstrou real compreensão do sofrimento dos palestinos, essa declaração não deu atenção ao relatório emitido pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU (dois dias antes, 16 de setembro), afirmando que Israel cometeu genocídio na Faixa de Gaza e apelando à comunidade internacional para que o impeça e tome medidas contra os responsáveis. A questão é: a atitude do Papa está em consonância com as políticas dos EUA ou é resultado da influência sionista dentro do Vaticano?
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