O ataque israelense aos líderes do Hamas em Doha neste mês traz mensagens e alertas significativos à capital egípcia, Cairo, que frequentemente recebe delegações do movimento e, juntamente com o Catar e os Estados Unidos, administra a mediação entre as facções palestinas e Israel.
As questões levantadas pelos egípcios nos últimos dias têm se concentrado em até onde Israel estaria disposto a ir em sua imprudência ao realizar um ataque semelhante no Cairo, como o Egito responderia se líderes do movimento fossem assassinados em seu território e o que tal escalada significaria para o futuro do acordo de paz entre os dois países.
Uma mudança estratégica
O bombardeio israelense de Doha marcou uma mudança estratégica e uma reviravolta perigosa no cenário político e militar da região, pois atingiu pela primeira vez um Estado do Golfo — um que não é apenas um mediador, mas também abriga a maior base aérea dos EUA no exterior.
Esses acontecimentos enviaram ao Egito uma mensagem forte e inequívoca sobre a possibilidade de o mesmo cenário se repetir. Também ressaltaram que a capital egípcia não está fora do alcance de Israel caso decida atacar líderes do Hamas que viajam regularmente ao Cairo para negociações sobre o cessar-fogo proposto e a futura governança de Gaza após o fim da guerra.
O Cairo atualmente abriga vários líderes de facções palestinas, juntamente com ex-prisioneiros libertados ou deportados sob o mais recente acordo de troca de prisioneiros. Isso representa um pesado fardo de segurança e inteligência para o Egito, em termos de monitoramento, proteção e garantia de sua segurança.
Era natural que o Cairo sentisse profunda preocupação com o que aconteceu no Catar e visse sua confiança nos Estados Unidos como parceiro de segurança diminuir. Isso o levou a enviar rapidamente uma mensagem de alerta a Washington e Tel Aviv de que “qualquer tentativa israelense de operar em solo egípcio, como os ataques que tiveram como alvo Doha, teria consequências terríveis”, segundo a CNN.
Uma repetição do ataque de Doha, de uma forma ou de outra, em território egípcio seria, na opinião de observadores, considerada pelo Cairo como um ataque direto à soberania egípcia e uma grave violação do tratado de paz de 1979 entre os dois países. Também prejudicaria a imagem do Egito como mediador eficaz nas negociações e poderia desencadear tensões internas, colocando o regime em uma situação difícil que o obrigaria a responder para salvar a face.
Cenários de escalada
Os círculos de segurança e inteligência do Egito descartam a possibilidade de líderes do Hamas serem alvos em seu território com um ataque aéreo semelhante ao ataque de Doha. No entanto, eles consideram vários outros cenários para uma escalada israelense mais prováveis: plantar um dispositivo explosivo, usar um carro-bomba, envenenar comida ou bebida em um hotel ou residência, empregar agentes secretos em terra ou ativar um agente secreto dentro do movimento, de acordo com uma fonte de segurança egípcia e um analista político.
A fonte, que pediu anonimato, acrescentou que Israel tem planos de assassinato em terra difíceis de rastrear após a execução. No entanto, a situação é diferente com o Egito, que é altamente sensível a quaisquer operações de inteligência em seu território, tem vasta experiência em proteger seus hóspedes e possui uma influência que dificulta a interferência de Tel Aviv ou o risco de perder o Egito como parceiro de paz de quase cinco décadas.
Tel Aviv pode tentar replicar o ataque de pagers que visou membros do Hezbollah em setembro do ano passado, passando dispositivos com armadilhas explosivas para quadros palestinos sem deixar impressões digitais diretas, a fim de evitar uma crise com o Egito. No entanto, de acordo com o analista político egípcio Mohamed Anan, o Hamas emprega métodos de segurança extremamente rigorosos, que não divulga publicamente, e seu sistema de proteção não depende de outros Estados.
Mantendo sua política de não colocar todos os ovos na mesma cesta, o movimento adota uma abordagem rigorosa e descentralizada para dispersar seus líderes e quadros pelo maior número possível de capitais do mundo — particularmente em países árabes, islâmicos e asiáticos. Entre elas estão Cairo, Doha, Damasco, Beirute, Argel, Ancara, Teerã e Kuala Lumpur.
O movimento provavelmente reforçará suas medidas de segurança e alterará seus protocolos de proteção de líderes, à luz dos alertas recebidos de diversas capitais sobre a possibilidade de tentativas de assassinato — especialmente depois que o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, prometeu lançar novos ataques contra líderes do Hamas “onde quer que estejam”.
O número de líderes palestinos no exterior, bem como suas identidades, localizações e funções específicas, permanece desconhecido. Como resultado, de tempos em tempos, as facções redistribuem sua liderança entre diferentes locais, em coordenação com capitais árabes e regionais, de acordo com as crescentes considerações de segurança e inteligência.
Mensagens contundentes
Agindo rapidamente em diversas frentes, o Cairo tem trabalhado para bloquear qualquer potencial conspiração para assassinar membros de delegações palestinas em seu território. Isso envolveu o envio de severos avisos aos círculos de segurança e inteligência em Washington e Tel Aviv sobre as consequências de tais ações, o reforço das medidas de proteção em torno de líderes palestinos atualmente no Cairo e a redução da coordenação de segurança com Israel.
O presidente egípcio, Abdel Fattah El-Sisi, proferiu uma mensagem rara e marcante na Cúpula de Doha, há alguns dias, referindo-se incisivamente a Israel como um “inimigo” — uma clara indicação de uma escalada sem precedentes nas relações entre Egito e Israel.
A mídia egípcia adotou um tom abertamente hostil em relação a Israel, com comentaristas e especialistas militares alertando que qualquer ataque israelense em solo egípcio teria uma resposta equivalente e que aviões decolando de Israel em direção ao Egito não teriam para onde retornar.
A mensagem mais clara veio com o anúncio de que Egito e Turquia retomarão seus exercícios navais conjuntos no Mar da Amizade de 22 a 26 de setembro, após um hiato de 13 anos. A medida carrega significado militar e fortes conotações políticas, refletindo um relacionamento mais próximo entre Cairo e Ancara, que pode, em última análise, levar a um acordo de defesa mútua — semelhante ao pacto assinado na quarta-feira passada entre Arábia Saudita e Paquistão.
Outra possível medida — se confirmada — seria verdadeiramente notável. De acordo com uma fonte sênior de segurança egípcia citada pelo Middle East Eye, um sistema de defesa aérea chinês foi implantado na Península do Sinai, ao longo da fronteira com Israel.
Parece que o Egito ainda tem mais surpresas reservadas. De acordo com a Axio, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, entregou recentemente ao secretário de Estado americano, Marco Rubio, uma lista de atividades militares egípcias no Sinai. Essas atividades incluem, segundo informações, a construção de infraestrutura militar, a expansão de pistas de pouso e a construção de instalações subterrâneas que, segundo a inteligência israelense, poderiam ser usadas para armazenar mísseis.
O Serviço de Informação do Estado egípcio não negou explicitamente as alegações de Israel em um comunicado divulgado no último domingo. Em vez disso, enfatizou que as forças estacionadas no Sinai têm como principal missão proteger as fronteiras egípcias contra todas as ameaças, incluindo terrorismo e contrabando. A agência também enfatizou o firme compromisso do Cairo com a manutenção do tratado de paz, observando que o Egito nunca violou um tratado ou acordo em sua história.
Fortalecimento da dissuasão
O analista político Hamdi al-Masri disse ao Middle East Monitor que as recentes ações do Egito visam dissuadir Netanyahu de atacar líderes palestinos envolvidos em negociações de cessar-fogo. Ele enfatizou que a realização de uma operação semelhante ao ataque de 9 de setembro em Doha destruiria a capacidade do Egito de atuar como mediador nas negociações de trégua e poderia ser vista pela liderança militar egípcia como uma humilhação que minaria o prestígio do país na região — aumentando a possibilidade de um confronto forçado com o que o Cairo considera a principal ameaça à segurança nacional egípcia e árabe.
De acordo com al-Masri, Israel já cruzou as linhas vermelhas e inverteu as regras do jogo ao mirar tanto o negociador (Hamas) quanto o mediador (Catar). Isso coloca o Egito diante de um desafio que o obriga a revisar suas estratégias e preparar um pacote de medidas diplomáticas, de segurança e militares para dissuadir Tel Aviv.
Em conclusão, o Egito também pode reavaliar sua relação com o Hamas, vendo a sobrevivência e a resiliência do grupo como uma carta na manga que enfraquece Israel. Ao mesmo tempo, o Cairo poderia expandir sua presença militar no Sinai, desenvolver bases secretas e sistemas de defesa aérea ao longo da fronteira com Gaza e reavivar alianças regionais e árabes para reforçar seu poder de dissuasão e evitar uma repetição do cenário de Doha.
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