‘Super Esparta’: Megalomania de Netanyahu atinge novo ápice

Abed Abou Shhadeh
2 meses ago

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Primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, acompanha operações policiais em Jerusalém ocupada, em 8 de setembro de 2025 [Mostafa Alkharouf/Agência Anadolu]

Enquanto chefes de Estado se reuniam em Doha para uma cúpula de emergência árabe-islâmica, para discutir a resposta ao recente ataque de Israel a negociadores do Hamas, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu resolveu discursar em um fórum econômico em Jerusalém ocupada, onde deixou claro intenções de uma guerra sem fim.

Em seu discurso de “Super Esparta”, Netanyahu buscou sinalizar a árabes e muçulmanos que, apesar de notas de repúdio e apelos por comedimento de Israel, contra a expulsão dos palestinos de Gaza, seu regime continuará com as ações militares e, com a ajuda dos Estados Unidos, não hesitará em seguir com seus planos de limpeza étnica, não importa os custos econômicos ou diplomáticos.

Então, da noite para o dia, o exército israelense deu início a sua ofensiva por terra contra a Cidade de Gaza, após ondas e mais ondas de bombardeios intensos.

Netanyahu foi honesto afinal sobre a situação de Israel, ao reconhecer um movimento de boicote na Europa Ocidental, incluindo cultural, esportes e academia. Contudo, atribuiu tais avanços à migração árabe-islâmica aos países europeus, ao sugerir uma influência que essas comunidades de fato não têm. Seu racismo serve tanto para ecoar a retórica de extrema-direita que avança no Ocidente como para minimizar os crescentes esforços de solidariedade internacional pelo fim do genocídio.

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Netanyahu chegou a acusar Catar e China de disseminar suposta propaganda contra seu país, ao insistir que a pletora de relatórios e investigações das Nações Unidas e de outras agências que corroboram crimes de guerra e contra a humanidade, incluindo genocídio, seriam “infundadas” — uma interpretação, no mínimo, orwelliana da realidade.

Como se não bastasse, afirmou que Israel precisa se tornar uma “Super Esparta”, através do massivo desenvolvimento de sua já agigantada indústria militar. Para Netanyahu, Israel deve produzir suas próprias armas em vez de depender de Estados estrangeiros, ao deixar sua economia de livre mercado rumo a um mercado fechado, autossuficiente. Isso, disse, exigiria cortes drásticos em burocracia e gastos públicos.

Mais poder, menos fiscalização

Tais declarações não se voltam somente a países árabes e islâmicos; voltam-se também para dentro, à própria sociedade israelense.

No futuro próximo, Israel se prepara para se tornar um Estado pária, engajado em guerras sem fim, ao requerer de toda sua população que se comprometa com a escalada militar, ao ponto de remover quaisquer contrapesos às ações do premiê.

Os comentários de Netanyahu sucederam em poucos dias a publicação de um relatório interino da Comissão de Inquérito de seu país sobre o chamado assunto dos submarinos, que revelou como o primeiro-ministro omitiu de oficiais de defesa a venda de submarinos da Alemanha ao Egito, em um dos maiores escândalos de segurança do país.

Na realidade descrita por Netanyahu, contudo, ele reúne mais e mais poder para si, com cada vez menos fiscalização, enquanto explora a guerra para preservar seu cargo e evitar enfrentar seus processos penais, em curso na Justiça israelense.

Tudo isso ocorre enquanto o exército israelense mantém seus bombardeios implacáveis à Cidade de Gaza, ao promover a ocupação total do enclave o deslocamento compulsório dos dois milhões de habitantes a campos cada vez menores e inabitáveis.

A tentativa de assassinar membros do Hamas no Catar não alvejou somente a equipe de negociação, mas sim a própria ideia de negociar um cessar-fogo. A decisão de Netanyahu de bombardear um Estado mediador, que recebia conversas de paz em tempos de guerra, não tem qualquer precedente global.

Apesar da guerra contra o Talibã no Afeganistão, os Estados Unidos manteve negociações no Catar. Mesmo durante a invasão russa na Ucrânia, ambos se engajaram em conversas na Turquia, em uma tradição de séculos e séculos abandonada por Israel.

Embora Israel seja, hoje, frequentemente retratado como um agente irracional, as falas de Netanyahu não surgem no vácuo. Na verdade, nascem da recusa dos regimes árabes em traçar claramente limites intransponíveis, bom como da ciência israelense sobre o apoio incondicional de Washington a suas ações no Oriente Médio.

Ainda mais absurdas foram as reações de comentaristas israelenses. Após os ataques a Doha, a maioria do debate público se concentrou no relativo êxito ou fracasso da ação, ao ignorar a insanidade que é bombardear o Catar. A opinião pública, em maioria, expressou apoio à operação.

Aceitação pública

A alegação de Netanyahu de que Israel está fadado a ser tornar uma “Super Esparta” vem, portanto, desta ciência de que a grande maioria de sua população está disposta a aceitar suas ações, apesar de impactos crescentes psicológicos e societários dentre a sociedade israelense, incluindo reservistas que se negam a servir.

No mesmo dia de seu discurso de “Super Esparta” da cúpula árabe-islâmica, a imprensa israelense asseverou a seus cidadãos que os ecos e explosões que ouviam não passavam dos estrondos decorrentes da campanha em Gaza.

Apesar de os líderes árabes e muçulmanos em Doha pedirem “o retorno a um caminho de paz”, Israel claramente decidiu não ter interesse, ao agir por uma nova realidade, imposta à força, em todo o Oriente Médio. A cúpula, ainda assim, teve sua importância, por conta da localidade e do poderio potencial desses Estados — sobretudo após arrefecimento do “eixo da resistência”, incluindo os atritos com Irã. Além disso, revelou receios genuínos de Estados árabes, especialmente no Golfo, que podem se ver diante de finalmente agir em nome de seus próprios interesses de segurança nacional.

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Um cenário em que Israel impõe aos países árabes a aceitação de milhões de refugiados palestinos, contra a vontade de seus respectivos regimes, ao anexar Gaza e Cisjordânia, toma forma no horizonte. Mesmo ameaças e ações, embora tardias, de Estados europeus — seja por embargo militar, demoção de status diplomático e suspensão de acordos de comércio — não parece dissuadir Israel de sua limpeza étnica.

Israel está apostando tudo que tem, e Netanyahu é arrogante o bastante, megalomaníaco o bastante para crer que consolidará sua visão. O caminho adiante, todavia, será custoso aos Estados árabes, que devem perceber, antes tarde do que nunca, que Israel não é um perigo apenas ao povo palestina, mas a cada um dos países na região.

Agora é a vez deles: agirão devidamente ou lavarão as mãos?

Publicado originalmente em inglês pela rede Middle East Eye, em 18 de setembro de 2025

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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