Genocídio em Gaza, o canal Ben-Gurion e a política de reconstrução – apagamento intencional

Ranjan Solomon
3 meses ago

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Fumaça sobe de Gaza após os ataques do exército israelense, vista da área de fronteira com Israel em 14 de setembro de 2025. (Mostafa Alkharouf/ Agência Anadolu)

“Cada plano, cada esquema, cada iniciativa apresentada por Israel significou, na prática, uma maior desapropriação significou, na prática, uma maior desapropriação do povo palestino.”

A violência em Gaza não é simplesmente um massacre episódico; é uma campanha planejada de apagamento — de vidas, meios de subsistência, memória e geografia. A Comissão Independente de Inquérito da ONU concluiu em junho de 2024 que o padrão de assassinatos, a negação de serviços essenciais à vida e a retórica de algumas autoridades israelenses beiram o genocídio. Para entender o que está sendo perdido, precisamos acompanhar não apenas as bombas, mas também os canais: como a água, a terra e o mar estão sendo transformados em armas e como grandes fantasias de infraestrutura — sobretudo a ideia de um canal Ben-Gurion — estão sendo implantadas para normalizar a desapropriação.

Apagamento pela água e infraestrutura básica

Em toda a Faixa de Gaza, sistemas de água, estações de tratamento de esgoto e instalações de dessalinização foram repetidamente destruídos ou inoperantes. A Human Rights Watch documentou como as ações de Israel deixaram quase todos os moradores sem água potável, chamando-a de tática deliberada com consequências letais. O Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) confirmou que crianças fazem filas por horas para obter água salobra, enquanto o esgoto inunda as ruas e doenças se espalham em acampamentos superlotados. O que parece um dano colateral é, na verdade, uma estratégia: sem água limpa, saneamento, escolas e hospitais, uma sociedade não consegue se reproduzir — e a memória se torna mais difícil de ancorar.

O canal Ben-Gurion: um canal de desapropriação

O canal Ben-Gurion não é uma mera curiosidade técnica. Imaginado pela primeira vez na década de 1960 como uma alternativa israelense ao Suez, o projeto foi reativado nos últimos anos, com planejadores e promotores promovendo soluções “visionárias” para o comércio regional. As propostas sugerem ligar o Mar Vermelho, perto de Eilat, ao Mediterrâneo, criando um novo corredor marítimo que contorne o Suez e corte o Negev e o sul do Levante.

À primeira vista, o canal promete empregos, portos e “revitalização”. Na prática, ele expõe como a reconstrução está sendo transformada em arma. Construir um canal dessa escala exigiria vasta aquisição de terras, demolição e perturbação ambiental. Se for traçado ao longo ou através do litoral de Gaza — como algumas variantes sugerem —, torna-se um instrumento explícito de reengenharia territorial: criando acesso marítimo, desapropriando comunidades e incorporando um corredor securitizado sob controle israelense ou estrangeiro.

Quem se beneficia — e quem paga?

O projeto Ben-Gurion é atraente para investidores: uma rota comercial alternativa que poderia desviar o tráfego do Suez, remodelar a logística regional e abrir contratos lucrativos. Analistas alertam que tal canal enfraqueceria a influência egípcia sobre o transporte marítimo global e daria a Israel e seus aliados uma nova vantagem estratégica. Mas, para os palestinos, corre o risco de exclusão permanente de sua costa e recursos.

O custo ecológico também seria imenso: cavar um megacanal através de paisagens áridas e aquíferos costeiros corre o risco de salinização das águas subterrâneas, destruição de ecossistemas frágeis e perdas agrícolas irreversíveis. Estes não são simplesmente efeitos colaterais ambientais; são uma forma de apagamento em si — obliterando meios de subsistência e conhecimento baseados em localidades.

Reconstrução como cobertura para securitização

A retórica da reconstrução — “nós reconstruiremos” — pode ser uma faca de dois gumes. Planos diretores emitidos em nome da revitalização frequentemente servem como cobertura política para apropriações de terras e integração econômica em termos definidos por potências externas. As avaliações de danos do Banco Mundial em Gaza reconhecem a necessidade de restauração do patrimônio e da infraestrutura, mas também revelam como doadores externos ditam estruturas sem a soberania palestina. Um projeto de canal exigiria infraestrutura de segurança permanente — portos, postos de controle, patrulhas e talvez até bases navais. Quem controla isso? Essa resposta determina não apenas o comércio, mas a própria geografia política da região. A reconstrução se torna mais uma camada de desapropriação.

Apagamento cultural e roubo da memória

Enquanto os planejadores mapeiam os canais, a UNESCO e especialistas locais contabilizam mesquitas, cemitérios, bibliotecas e sítios arqueológicos destruídos. A UNESCO constatou a destruição generalizada do patrimônio cultural de Gaza, classificando as perdas como “irreparáveis”. Cada ataque a uma escola, mesquita ou cemitério não é apenas destruição física, mas também um ataque à continuidade e à memória.

O duplo padrão da Europa e o apoio dos EUA

Aqueles que aplaudem a reconstrução à distância não são neutros. A UE frequentemente equilibra a retórica de preocupação com a continuidade dos laços econômicos e militares. Um relatório de 2024 de ONGs europeias mostrou que vários Estados da UE autorizaram a venda de armas a Israel, mesmo em meio ao genocídio de Gaza. Enquanto isso, os Estados Unidos continuam sendo o principal motor da capacidade israelense, fornecendo mais de US$ 158 bilhões em ajuda militar acumulada desde 1948. Essa combinação de duplicidade europeia e cumplicidade americana garante que projetos como o canal Ben-Gurion sejam isentos de responsabilização.

A política de permanência e os limites da força

As ocupações sobrevivem apenas enquanto podem reproduzir legitimidade e viabilidade. O canal Ben-Gurion não é apenas infraestrutura; Trata-se de um projeto político para reestruturar a região. Mas a história alerta que projetos enraizados no apagamento carregam as sementes do seu próprio colapso. O “desenvolvimento” militarizado gera resistência e instabilidade a longo prazo.

Conclusão: nomeie o projeto, exponha o desígnio

Chamar este momento de genocídio não é um excesso retórico, mas sim clareza política. O canal Ben-Gurion não é um plano de engenharia neutro; é um instrumento de desapropriação. Nomeá-lo e criticá-lo é urgente: ele une a negação de água, a destruição cultural e a “reconstrução” securitizada. O mundo deve rejeitar os esquemas de reconstrução que cimentam o apagamento e, em vez disso, insistir na soberania palestina, na proteção do patrimônio e na responsabilização. Qualquer coisa menos do que isso é cumplicidade com o genocídio.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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