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Todo dia é 11 de setembro em Gaza

11 de setembro de 2025, às 10h29

Bombardeiro à Harmony Tower na área oeste da Cidade de Gaza, pelas forças israelenses, em 10 de setembro de 2025. [Saeed M. M. T. Jaras/Agência Anadolu]

O mundo não esquece o 11 de setembro de 2001. As imagens dos aviões colidindo contra as Torres Gêmeas de Nova Iorque, a fumaça, o queda dos prédios e as milhares de vidas perdidas em um único dia marcaram para sempre a memória coletiva. 

A tragédia foi imediata, brutal e televisionada ao vivo, chocando consciências em todos os continentes. Desde então, tornou-se uma referência universal do horror, da violência política e da vulnerabilidade humana diante da guerra e do terrorismo. 

No entanto, enquanto esse único dia de destruição tornou-se símbolo de um trauma global, na Faixa de Gaza o mesmo horror se repete diariamente com transmissões ao vivo, não como um evento isolado, mas como uma realidade prolongada que já soma mais de 706 dias de massacres, bombardeios, do usa da fome como arma de guerra e deslocamento forçado.

Desde 7 de outubro de 2023, quando Israel iniciou sua ofensiva militar em resposta aos ataques heroicos da operação Dilúvio de Al-Aqsa comandada pelo Hamas, a Faixa de Gaza foi transformada em um cenário de devastação e mortes sem precedentes. 

O que começou como uma campanha de retaliação converteu-se em uma guerra de extermínio contra uma população civil de mais de dois milhões de pessoas confinadas em apenas 365 km², sem rotas de fuga, sob bloqueio aéreo, marítimo e terrestre. 

Hoje, mais de 200 mil palestinos foram mortos por “israel”, segundo a renomada revista científica The Lancet (https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(24)01169-3/fulltext), a maioria mulheres e crianças, e dezenas de milhares permanecem desaparecidos sob os escombros, enquanto os hospitais ainda existentes colapsam e com valas comuns substituindo cemitérios, por conta de tantos corpos.

O 11 de setembro de 2001 tornou-se o pretexto para uma nova ordem de perseguições, com comunidades inteiras sendo vigiadas, criminalizadas e tratadas como suspeitas, alimentando um ciclo de islamofobia e demonização cultural que até hoje legitima guerras, ocupações e violações de direitos humanos.

Os ataques a Nova Iorque foram instrumentalizados para justificar a invasão e destruição do Afeganistão e do Iraque, sob a retórica da “guerra ao terror”, que acabou se transformando em uma guerra contra os povos árabes e muçulmanos. 

A comparação com Gaza é inevitável. Se no 11 de setembro os Estados Unidos perderam cerca de três mil vidas em poucas horas, “israel” está fazendo isso diariamente com exacerbados e visível crueldade, sem que as potências ocidentais tomem qualquer iniciativa além da retórica, para estancar o genocídio e garantir o respeito ao direito internacional humanitário.

A cada novo bombardeio contra escolas, campo de refugiados, hospitais ou mesquitas e igrejas, repetem-se imagens de crianças ensanguentadas, famílias soterradas e sobreviventes caminhando entre ruínas. O que para o Ocidente foi uma exceção trágica e irrepetível, para os palestinos tornou-se rotina.

A tragédia de Gaza, porém, não se limita aos eventos sinistros desde 7 de outubro de 2023. Ela se insere em um processo histórico mais longo, que já dura 77 anos, desde a Nakba de 1948, quando centenas de milhares de palestinos foram expulsos de suas terras para a criação da entidade sionista que deram o nome de “Estado de Israel”. 

Desde então, gerações inteiras de palestinos nasceram e morreram em campos de refugiados, submetidas a ocupação militar, bloqueios econômicos, confiscos de terra e operações bélicas periódicas que destroem o pouco que se reconstrói. O atual genocídio é a face mais brutal da política israelense de limpeza étnica que nunca cessou.

Diante desse quadro, a pergunta que ecoa é: por que o 11 de setembro foi imediatamente reconhecido como um crime contra a humanidade, um ataque à ordem internacional, enquanto Gaza não merece o mesmo rechaço global? 

Por que a dor de milhares de palestinos não mobiliza governos, tribunais e organizações na mesma intensidade que a dor dos americanos em 2001? 

A resposta está na seletividade moral da política internacional. Quando as vítimas são palestinas, a indignação se dilui em justificativas estratégicas, cálculos geopolíticos e a retórica da “guerra ao terror” que legitima o inaceitável.

Todo dia é 11 de setembro em Gaza. Essa afirmação não é retórica, mas constatação. O que foi exceção no nos Estados Unidos é rotina na Palestina. Cada manhã traz novos lutos, cada noite termina em novos escombros. 

A diferença é que, ao contrário do atentado em Nova Iorque, Gaza não gera uma resposta global de solidariedade, mas um silêncio cúmplice. É como se a humanidade tivesse naturalizado o genocídio palestino, permitindo que mais de 706 dias de horror se somem a 77 anos de ocupação sem que se reconheça plenamente o caráter criminoso desse processo. 

Enquanto isso, a cada bomba americana lançada por “israel” sobre Gaza, a ferida aberta na consciência humana se aprofunda, nos lembrando de que o valor da vida, para muitos governos, ainda depende do passaporte e da identidade étnica de quem a perde.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.