Em agosto, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, voltou a apoiar abertamente o projeto de “Grande Israel”, ao sugerir em entrevista “uma missão histórica e espiritual” de conquista territorial.
Essa visão maximalista vai além do “Grande Israel” já existente e seu controle colonial de assentamentos em Jerusalém Oriental, Golã, Cisjordânia e Gaza — onde o regime israelense espera logo se reestabelecer, após o genocídio. Tel Aviv busca expandir seus colonatos ilegais por toda a Palestina histórica, bem como vizinhos árabes, incluindo Líbano, Jordânia, Egito e Sírio, ao insistir no mito de que a região seria lar dos hebreus antigos, além de “Terra Prometida”.
O apoio a essa ideologia ganhou nova tração com o genocídio em curso em Gaza. Imagens de soldados com o mapa desse “Grande Israel” — ainda maior — costurado em seus uniformes viralizaram online.
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O governo israelense age rapidamente para entrincheirar sua soberania sobre as terras. Em agosto, anunciou sucessivos avais a um plano para tomar a Cidade de Gaza e consolidar seu projeto de assentamentos E1, ao isolar a Cisjordânia de Jerusalém Oriental e deslocar os beduínos nativos e, segundo lideranças israelenses, “enterrar de uma vez por todas a ideia de um Estado palestino”.
E mesmo enquanto Israel ostenta seu brutal expansionismo — incluindo assassinato e fome de massa contra a totalidade da população de Gaza —, seus correligionários seguem na ofensiva, ao insistir na tese de “autodefesa” em vez do ápice de décadas de apartheid e colonialismo. Organizações sionistas lançaram uma campanha de propaganda para pôr do avesso a realidade, ao retratar os israelenses — colonos hostis, majoritariamente europeus — não somente como “vítimas”, mas “nativos”, que buscam reaver sua terra “judaica” de supostos “conquistadores” árabes.
Para que essa narrativa chegue a algum lugar, precisam apagar as próprias fundações coloniais do sionismo — a base da opressão implacável contra os palestinos.
A princípio, o movimento sionista e o regime subsequente não hesitaram em caracterizar seus esforços como “colonização”, mesmo ao nomear instituições, como o Truste Colonial Judaico e a Associação de Colonização Judaica da Palestina. Porém, quando os termos se tornaram sinônimo de beligerância e imperialismo, seus ideólogos ativamente buscaram distanciamento.
Da década de 1930 em diante, mudaram a linguagem, ao descartar a palavra enquanto suas ações se tornavam mais e mais agressivas.
O mito do retorno
Embora essa ofensiva ideológica preceda em muito o genocídio em curso, seus proponentes pisaram fundo no acelerador ao justificar as sucessivas chacinas em Gaza.
Em 2024, o Comitê Judaico Americano emitiu um folheto intitulado “Respondendo às falsas alegações sobre Israel”, ao afirmar que a expressão “colonialismo de assentamento” não poderia ser usada para descrever as ações de Israel contra os palestinos. Neste viés, confirmou que o vernáculo “aludiria a uma tentativa de uma força ou potência imperial para substituir uma população nativa da terra, com uma nova sociedade de colonos”.
“Não pode descrever, no entanto, uma realidade na qual um grupo nacional [sic], agindo em seu próprio interesse, em vez de um poder externo, retorne [sic] a sua terra para conquistar sua autodeterminação enquanto, simultaneamente, apoia [sic] o estabelecimento de um Estado-nação para um outro grupo nacional”, acrescentou.
Deixe-nos examinar brevemente dois pontos.
Os projetos coloniais da Europa muita vezes evocaram uma noção de “retorno”. Franceses alegavam “retornar” a terras do Império Romano, de quem se consideravam herdeiros, ao ocuparem a Argélia e rotular os árabe-argelinos como supostos conquistadores. Italianos disseram o mesmo sobre a Líbia.
Mesmo nazistas alemães justificaram seus avanços contra a Rússia e o leste da Europa como “retorno”. Adolf Hitler era explícito neste ponto: “Meus objetivos não são desmedidos. Essas são áreas em que alemães já estiveram assentados. O povo alemão está crescendo nesses territórios”. O mesmo bradava sobre terras do antigo Sacro-Império Romano-Germânico, ou Primeiro Reich, desde a Polônia a Ucrânia, Rússia, Bielorrússia, Balcãs e outros.
Para os sionistas, a colonização da Palestina histórica seria o “retorno” de judeus europeus a uma “terra ancestral” — o que se encaixa perfeitamente no padrão histórico do colonialismo e supremacismo europeu.
O mito da conquista
O subterfúgio relacionado sobre o apoio ao “estabelecimento de um Estado-nação para um outro grupo nacional” tampouco se sustenta.
O regime supremacista branco da África do Sul apelou precisamente a isso ao criar dez bantustões “independentes” para a maioria negra nativa. Fizeram o mesmo com a população da Namíbia, para manter seu controle durante o período de ocupação ilegal sul-africana no país.
Como franceses, italianos e alemães, sionistas conjecturam que os palestinos nativos, seriam os verdadeiros colonos e conquistadores da “terra ancestral” dos judeus europeus. Isso se dá ao retratar os palestinos não como uma população com identidade própria, e presença contínua de quatro mil anos, mas descendentes dos árabes muçulmanos que chegaram a Síria e Palestina no século VII.
A conquista árabe, no entanto, tampouco foi colonialista, mas sim uma expansão missionária e territorial. A maioria das comunidades nativas da região, então sob a alçada do Império Bizantino, permaneceu maioria após a conquista dos árabes muçulmanos, incluindo os cristãos gassânidas falantes do árabe, na Síria. Demorou cinco séculos — na Palestina e na Síria, e mais ainda no Egito — para se converterem ao Islã, apesar de a arabização e a adoção da língua precederem a fé, mesmo nas igrejas cristãs.
Pouquíssimos árabes emigraram dos territórios conquistados e aqueles que o fizeram se assentaram, predominantemente, nas cidades.
Quando os cruzados tomaram a Palestina — podemos dizer, os primeiros sionistas —, no século XI, os habitantes eram em maioria nativos cristãos falantes do árabe, com uma minoria de nativos muçulmanos falantes do mesmo idioma.
Precedentes coloniais
Em 1919, mesmo David Ben-Gurion e Yitzhak Ben-Zvi — pais-fundadores da colônia de assentamentos judaica na Palestina histórica — sugeriram em seu livro, escrito conjuntamente, que a maioria dos palestinos nativos seria de fato descendentes dos antigos hebreus, que se converteram primeiro à Cristandade, então ao Islã.
Ao confundir a identidade árabe como uma categoria racial, em vez de linguística e cultural, as potências europeias racializadas buscaram seccionar a região, ao argumentar que egípcios, iraquianos, norte-africanos, maronitas e outros não seriam verdadeiramente árabes, mas povos conquistados. O nacionalismo árabe, entretanto, asseverou que árabes seriam aqueles cuja língua materna é o árabe, sem cair na armadilha de etnia, religião ou racialização.
Outro argumento dos colonizadores sionistas é que o Reino Unido não seria sua “pátria-mãe” ou mesmo “metrópole”, dado que não seriam cidadãos britânicos, mas sim advindos de outros países da Europa — um argumento igualmente falho.
A colonização da Palestina foi, de fato, típica de projetos europeus. O patronato britânico sobre os colonatos sionistas não foi único, como é o caso da Irlanda, com seus assentamentos ingleses, alemães e franco-huguenotes. Holandeses colonizaram o sul da África; franceses, o norte, sobretudo com seus próprios cidadãos, mas também com hispânicos, italianos, suíços, malteses e russos.
A Rússia czarista repetiu o padrão ao tomar os territórios otomanos no final do século XVIII e assentá-los com judeus poloneses, búlgaros, italianos, alemães, gregos, romenos e outros. Mais de um século depois, em 1897, o assentamento de Odessa ainda compreendia uma maioria de judeus, gregos, ucranianos, polacos e alemães, com russos em menos de 49%.
Diante desses precedentes, o apoio de Londres aos sionistas — alguns deles britânicos — não foi excepcional, mas meramente uma hipérbole das práticas.
Falso excepcionalismo
Há ainda aqueles que pensam ser espertos e moderados ao pregar que o sionismo seria “mais complicado” do que outros movimentos coloniais, por buscar a “autodeterminação” e a “libertação nacional” dos judeus — isto é, mais um engodo retórico para fins coloniais.
Colonialistas brancos na América do Norte lutaram por independência, contra a Grã-Bretanha. Colonos no que se tornou a América Latina confrontaram a Espanha. Os bôeres holandeses na África do Sul travaram batalhas por “autodeterminação” contra os britânicos, assim como os sionistas na década de 1940 por sua “independência”. Franceses na Argélia chegaram ao ponto de tentarem um golpe contra Paris para manter a colônia, assim como outros ao redor do mundo, como os brancos da Rodésia.
Não é absolutamente nada na busca sionista por seu Estado colonial permanente de assentamentos ilegais que os difira destes casos.
O mito da indigeneidade
Mais crucial ao público cristão europeu e americano é a alegação sionista de “indigeneidade” na Palestina, com base em narrativas bíblicas e, mais recentemente, em laços “genéticos” — cuja ciência é duvidosa. Esses supostos “vínculos históricos e bíblicos com a terra” constituem os pressupostos da reivindicação sionista por um Estado à parte, ao insistir que o “povo judeu” teria habitado, sozinho, a Palestina histórica dois milênios atrás.
Há dois mil anos, é verdade, alguns dos habitantes da Palestina eram hebreus — e não o “povo judeu”, um conceito muito mais abrangente —, mas que certamente jamais residiram sozinhos naquelas terras. A própria Bíblia, no Livro de Josué, nota que os hebreus não eram nativos, mas conquistadores da “Terra Prometida”, então Canaã, das mãos dos canaanitas. Abraão, narram as escrituras, nascera em Ur, hoje Iraque.
A verdadeira ficção, não obstante, repousa na concepção de que os judeus contemporâneos seriam, sabe-se lá como, descendentes únicos e diretos dos antigos hebreus. Essa ideia se consolidou de fato pela própria teologia cristã, incluindo a perseguição histórica da Igreja Católica contra os judeus europeus, ao associá-los aos hebreus como “assassinos de Cristo”, e então pelas ambições dos reformistas protestantes, que apelaram à expulsão dos judeus à Palestina para acelerar o Segundo Advento de Jesus Cristo. Com efeito, os cristãos europeus passaram a identificar conterrâneos judeus como uma “nação” à parte apenas no século XVIII.
Que muitos judeus fundamentalistas creiam ter raízes na Palestina equivale a pensar que muçulmanos da Índia, China, Indonésia, Nigéria ou Malásia decidam conquistar a Península Arábica somente porque sua religião nasceu em Meca. Diriam eles ter direito “incontestável” sobre Meca por uma “presença inquebrantável” de uma minoria de peregrinos, que se sentiram acolhidos e decidiram permanecer na região?
Sionistas rechaçam tais analogias, ao pregar que o judaísmo jamais foi uma fé missionária. Também inverdade. Acadêmicos mostram como movimentos proselitistas ativamente exploraram o judaísmo, com conversões de massa que seguiram ao menos até o século XIX.
Mesmo se aceitarmos a noção de “conexão histórica”, qualquer que seja, entre os judeus europeus e a Palestina, mesmo que não assumamos que sejam descendentes de europeus convertidos, abusar desse pressuposto como “direito” para ocupar e colonizar violentamente a Palestina não tem base moral, muito menos legal.
Brancos americanos, australianos, neozelandeses e sul-africanos, todos têm ancestralidade factual na Europa, todavia, dificilmente seria aceito seu suposto direito de recolonizá-la. O domínio romano sobre os bretões não parece dar aos italianos modernos o direito de ocupar as ilhas.
Ficções coloniais
A apropriação sionista da história dos hebreus palestinos como ancestrais dos judeus europeus busca apartar os palestinos nativos de sua ancestralidade hebraica.
Enquanto egípcios, jordanianos, libaneses e iraquianos narram, incontestes, sua longínqua história nacional, desde os faraós, nabateus, fenícios e babilônicos, palestinos são tolhidos até mesmo de assim se identificarem, com seu passado milenar na Palestina, pelo fato de que colonialistas europeus decidiram expropriá-lo, como se fosse seu, ao excluir os nativos de uma rica equação historiográfica.
Enquanto palestinos podem clamar descendência dos antigos cananeus, não sem controvérsia, no que diz respeito aos sionistas, seguem proibidos, portanto, de reivindicar os hebreus da Palestina — como a terra era chamada — como seus ancestrais.
O sionismo sempre apelou a argumentos incoerentes e insustentáveis, frente à memória antediluviana daqueles colonizados. Os palestinos os desmentem há mais de um século e meio, mas sua razoabilidade jamais cativou os patronos imperialistas de Israel.
O que tornam as falácias sionistas de algum modo persuasivas é o compromisso cristão europeu em reformar mitos bíblicos e critérios racializados — a mesma lógica que justificou não apenas os assentamentos sionistas na Palestina, como a brutal conquista das Américas, a escravidão da África e a hegemonia ocidental global.
Não há uma única premissa posta pelos sionistas distante dos colonizadores europeus.
É por isso que Israel contemporâneo abraça o sonho de “Grande Israel”, não como suposta ruptura de sua história nacional, mas sim apoteose: o estágio mais despudorado de um violento projeto colonial de assentamentos que há décadas repisa mitos de retorno, indigeneidade e promessas divinas.
Publicado originalmente em inglês pela rede Middle East Eye, em 31 de agosto de 2025
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