Em 29 de janeiro de 2023, o mundo ouviu o aterrador apelo final de Hind Rajab, de apenas seis anos de idade, antes que fosse morta por tropas israelenses em Gaza. Presa em um carro, cercada de corpos de seus parentes, Hind clamou socorro enquanto um tanque de guerra se aproximava. Horas depois, dois paramédicos então autorizados a resgatá-la — Yousef Zeino e Ahmed al-Madhoun — foram também mortos quando sua ambulância foi bombardeada.
Hind Rajab não mais uma vítima da guerra. É a Anne Frank de Gaza — uma criança cujos momentos derradeiros servem de testemunho da brutalidade de nosso tempo. Da mesma forma que o diário de Anne Frank prestou depoimento sobre os crimes do nazismo, a voz de Hind Rajab — silenciada — é um pertinaz documento sobre as atrocidades cometidas sob a flâmula do sionismo.
Hoje, as ações de Israel em Gaza constituem um genocídio moderno, executado a sangue frio de forma inédita em nosso século. A hora chegou de reconhecer o sionismo pelo que é: uma ideologia supremacista com paralelos assustadores com o nazismo.
As raízes do sionismo
O sionismo, criado no fim do século XIX pelo nacionalista secular Theodor Herzl, emergiu como um projeto político em vez de puramente religioso. Envolto em uma linguagem de autodeterminação judaica, logo assumiu traços de uma ideologia colonial e exclusivista, marcada por racismo, expropriação e, mais tarde, apartheid desde suas fundações.
Em 1948, quando se estabeleceu o Estado de Israel, milícias sionistas deflagraram uma série de campanhas de terror que expulsaram cerca de 800 mil palestinos de suas terras ancestrais — evento relembrado como Nakba, ou “catástrofe”. Aldeias foram chacinadas, casas destruídas, famílias forçadas ao exílio. Para pôr em perspectiva: em 1917, árabes eram 90% da população da Palestina histórica, enquanto judeus representavam 10% com posse sobre apenas 2% das terras.
A criação de Israel jamais se embasou em qualquer legalidade internacional. O mandato da Liga Árabe sobre a Palestina tampouco antevia soberania a um único grupo religioso ou étnico em detrimento de outro. Contudo, o conceito de “terra de Israel” — exclusivamente branca e judaica — tomou corpo na realidade contemporânea. Árabe-palestinos e mesmo judeus negros, do Norte da África, passaram a ser tratados, em Israel, como cidadãos de segunda classe. Enquanto judeus de todo o mundo usufruem do “direito de retorno” e da plena cidadania israelense, esta é negado a árabe-israelenses — os palestinos nativos —, bem como a imigrantes judeus etíopes, cujas mulheres, por vezes, chegam a ser forçadas a esterilização.
Supremacismo sionista
O sionismo funciona hoje como uma ideologia de supremacia racial. Seus proponentes costumam insistir que se opor ao sionismo equivale a antissemitismo. Isso, contudo, não se sustenta sob um olhar ligeiramente atencioso. Há mais de cinco mil grupos étnicos no mundo e apenas 193 Estados reconhecidos. Poucos conquistaram exclusividade em sua soberania nacional e a maioria dos movimentos étnicos se integraram a formas amplas e cívicas de participação nacionalista.
Para os palestinos, no entanto, até mesmo o direito mais básico de autodeterminação se vê diante de negativa sistemática. Ao contrário, o sionismo formou raízes em um sistema de expropriação, assentamentos ilegais e ocupação militar. Embora se apresente como uma democracia liberal, de fato opera como regime colonial de assentamento sustentado por violência, repressão e exclusão.
Gaza e a desumanidade contemporânea
Desde outubro de 2023, a agressão israelense contra Gaza revelou, ao vivo e em cores, a verdadeira natureza do regime sionista. Sob o pretexto de “autodefesa”, meticulosamente devastou o território: quase 63 mil palestinos mortos, incluindo 18.500 crianças; duas mil e duzentas famílias inteiras aniquiladas; toda da infraestrutura civil reduzida a ruínas.
Israel lançou bombas de uma tonelada sobre campos de refugiados superlotados, impôs a fome como arma de guerra a dois milhões de pessoas e alvejou comboios humanitários internacionais — seja de ongs, como a World Central Kitchen, seja do Programa Alimentar Mundial, agência da ONU. Três médicos americanos voluntários em Gaza descreveram o padrão sinistro de lesões a bala, por franco-atiradores, nas cabeças e torso de crianças, menores de 12 anos de idade. O ataque deliberado a crianças não é, tampouco pode ser tratado como dano colateral, mas sim política sistêmica.
Quase toda organização relevante — Anistia Internacional, Human Rights Watch, Médicos Sem Fronteiras, Unicef, Oxfam, Christian Aid, e mesmo o Tribunal Internacional de Justiça — condenam a ofensiva de Israel como uma violação grosseira da internacional, quando não crime de genocídio. Israel, no entanto, segue ignorando toda e qualquer cláusula do Estatuto de Roma e das Convenções de Genebra, até então, com impunidade.
Vitimismo como estratégia
Israel é, quem sabe, o único ocupante colonial na história a se posicionar com obstinação como ele próprio a vítima. O padrão é absolutamente previsível: ataca primeira, alega ser vítima e repete uma e outra vez. Seja diante do assassinato em massa de palestinos ou da execução sumária de cientistas iranianos, Israel recorre a uma máquina de propaganda e alianças diplomáticas para projetar agressão como autopreservação.
Na verdade, o sionismo permanece vivo, como último projeto colonial de assentamento, ainda ativo, da era moderna, construído sobre a pedra fundamental da desumanização e do extermínio.
O Holocausto, um dos maiores crimes da história, deveria servir de alerta universal contra o genocídio. Em vez disso, sua memória e seus traumas são cotidianamente evocados e distorcidos para sanitizar a perseguição israelense contra o povo palestino, ao insistir na tese de que quaisquer condenações ou críticas às ações de Israel devem ser descartadas como antissemitismo.
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Que sejamos claros: o antissemitismo, em todas as suas formas, deve ser condenado. No entanto, vincular o antissionismo ao antissemitismo não passa de propaganda facciosa, para proteger Israel de qualquer responsabilização. Neste momento histórico, Israel não demanda, certamente, vacilação e indulgência — demanda franca condenação.
Conclusão: Nome aos bois
Não há como fugir da comparação. O assassinato sistemático de crianças, o uso da fome como arma de guerra, o apagamento de famílias e comunidades inteiras — todos esses atos nos fazem recordar dos capítulos mais obscuros do século XX e além. O nazismo, de fato, reencarnou, na forma do sionismo — uma ideologia que espelha sua lógica racista e suas implicações genocidas.
Sionistas devem ser identificados — e constrangidos — da mesma forma que apoiadores do apartheid e do nazismo foram no passado. Somente uma sociedade que se recusa a normalizar tais ideologias atrozes — quando confrontadas com indignação coletiva — de fato poderá derrotar seu poder destrutivo.
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