Ao beber da filosofia e literatura, Hamid Dabashi expõe as raízes da selvageria colonial do Ocidente e sua manifestação plena em Israel, como projeto colonial ocidental engajado, hoje, em exterminar os palestinos via genocídio.
O morticínio em Gaza não ocorre em um vácuo. After Savagery: Gaza, Genocide and the Illusion of Western Civilisation — em tradução livre, Após a selvageria: Gaza, genocídio e a ilusão de civilização ocidental —, publicado pela Haymarket Books (2025), traz à luz como se reimaginou o Holocausto nazista como “referência genocida europeia”, ao associá-lo a outros apagamentos coloniais por todo o globo.
“Ao testemunhar a barbárie em Gaza”, escreve Dabashi, “podemos ver com clareza laços entre os holocaustos judeu e palestino, ao compreender o sionismo genocida como uma extensão colonial lógica do próprio fascismo europeu”.
Dabashi não hesita. Sua obra contrasta firmemente com o noticiário ocidental sobre Gaza e traz as atrocidades do colonialismo ao primeiro plano. “Israel não é um país, não é uma pátria, não é uma cultura com raízes profundas. Israel é uma colônia de assentamento, é uma depravação moral e ética criada pelo Ocidente, avalizada e munida de poderes pelo Ocidente. Desde sua concepção, Israel é a síntese do Ocidente, materializada e posta em um sinistro pedestal”, argumenta Dabashi.
Diante disso, a Palestina é hoje a medida de toda violência colonial imposta aos povos do mundo. Embora não seja, certamente, a primeira a vivenciar o apagamento colonial, nota o autor, “a história do mundo tem sido refletida na Palestina”.
Dabashi avança ao debater as implicações da Palestina e de ser palestino em um mundo que, neste momento, parece repensar sua postura, após Israel expor alicerces formados de atrocidades coloniais ocidentais, as quais representa. Como interpretar as palavras de ordem “Palestina livre, do rio ao mar”? Ou então os cantos de “somos todos palestinos”? Quais as implicações das multitudes de narrativas palestinas como resultado do exílio e da diáspora? Onde é que fica o lar e como configurá-lo? Qual é a essência do país e como o mundo mutila essa essência em campos de refugiados e bantustões, hoje, a epítome de identidade e resistência?
Ainda assim, questiona Dabashi, onde é que se encaixam os palestinos, na política, arte e literatura global? Será o conceito de mundo estreito demais para incluir os palestinos, ao vermos que se resume, fatalmente, ao ponto de vista ocidental?
Ainda além, Dabashi indaga se a literatura palestina pode ser classificada como literatura nacional — “quando a própria formação nacional palestina se vê violentamente obstruída por projetos imperiais e coloniais que, eles próprios, a princípio, teorizaram as noções de ‘literatura mundial’”. Há espaço, de verdade, para a Palestina nas artes globais, dado que seu apagamento foi planejado pelo colonialismo e segue em curso?
A obra então se concentra em demonstrar como Israel e o Ocidente são intercambiáveis e introduz um conceito de “Estado de guarnição”, a ser debatido ao longo do livro. Segundo o autor, a brutalidade de Israel em Gaza é, de fato, “sintoma de um mal delirante chamado ‘Ocidente’”. Dabashi reitera que o Holocausto contra os palestinos exigirá tanta memória, em seu esforço ativo, quanto o Holocausto contra os judeus: “Ambas as atrocidades são interligadas, dois lados de uma mesma moeda de práticas genocidas europeias”.
À medida que progredimos na leitura, fica fácil decifrar os vínculos históricos de Dabashi, em contraste com a ruptura imposta pelo Ocidente com suas narrativas fabricadas sobre a Palestina. A extensão da violência colonial é, portanto, nítida na Palestina, e podemos rastreá-la a outras práticas genocidas coloniais na África, Ásia e América Latina.
Entretecendo as obras de diversos autores e filósofos ocidentais a sua pesquisa, Dabashi expõe as partes ausentes da narrativa, sua ofuscação e, por vezes, os vieses sionistas do pensamento político e filosófico ocidental. Não-europeus, explica Dabashi, “meramente não existem no imaginário filosófico europeu, de Kant a Hegel e Levinas, e o resto de sua linhagem”. A literatura, as artes, a filosofia, portanto, orbitam apenas o Ocidente, ao levar à dúvida se povos não-europeus sequer podem reivindicar filosofia, dada sua exclusão e exclusividade. Outras obras sobre o colonialismo de assentamento, destaca Dabashi, no entanto, “não apartam Israel, geográfica ou historicamente”.
Este “Estado de guarnição”, mencionado por Dabashi, explica a forma como se concentra o debate. O genocídio em Gaza revela duas realidades: “Israel é um Estado de guarnição pesadamente armado; a Palestina é uma constelação de campos de refugiados à mercê da violência sistêmica israelense desde a Nakba” — ou catástrofe de 1948. Este “Estado de guarnição” estende seus tentáculos à vivência palestina, dentro e fora dos campos. Ao teorizá-lo, Dabashi ressalta que a literatura pré-1970 buscou excluir o caráter colonial, ao conferir legitimidade moral tão necessária a Estados incipientes — “com um poder brutal absoluto sobre numerosas populações”.
As reflexões de Dabashi se interseccionam com as atualizações do genocídio perpetrado por Israel em Gaza, ao ecoarem urgência em dar fim à obliteração dos palestinos, assim como demanda por compreender o que significa, verdadeiramente, Israel e o sionismo, o que refletem e incorporam — isto é, o espectro ocidental em sua totalidade de violência colonial. “Os Estados Unidos e a Europa (o Ocidente) não somente auxiliam e incentivam Israel, ao longo do genocídio, mas sim é Israel que encabeça os esforços do Ocidente, ao conduzir seu genocídio”.
Não obstante, conclui Dabashi, o genocídio de Israel em Gaza alterou sua percepção e o escrutínio, como culminação da trajetória da violência colonial europeia-ocidental, agora exposta aos olhos do mundo.









