Guerra à verdade: Por que jornalistas palestinos são mortos sistematicamente?

Ramzy Baroud
3 meses ago

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Parentes e colegas de jornalistas mortos por Israel, incluindo Anas al-Sharif, da Al Jazeera, na Cidade de Gaza, em 11 de agosto de 2025 [Yousef Al Zanoon/Agência Anadolu]

O assassinato de sete jornalistas e cinegrafistas em Gaza, em 10 de agosto, levou a uma série de condenações verbais, no entanto, pouco inspirou ações substantivas. Trata-se de uma trajetória previsivelmente hedionda da comunidade internacional, em resposta aos crimes genocidas de Israel.

Ao exterminar jornalistas palestinas como Anas al-Sharif e Mohammed Qraiqeh, o regime israelense ecoa promessas sinistras de que o genocídio não poupará ninguém. Segundo o website de monitoramento Shireen.ps, Israel matou quase 270 jornalistas desde outubro de 2023.

Mais e mais jornalistas devem morrer ao cobrir seu próprio genocídio, no futuro próximo, dado que Israel confeccionou uma narrativa conveniente de que todo repórter palestino seria um “terrorista”. Trata-se da mesma lógica cruel de punição coletiva copiosamente empregue por lideranças israelenses, como o presidente Isaac Herzog, que declarou que “toda uma nação” seria “responsável” por supostamente não se rebelar contra o Hamas, ao insistir que não haveria, portanto, inocentes em Gaza.

Este discurso israelense, que desumaniza toda uma população com base em uma lógica atroz, repete-se com regularidade por oficiais sem o menor medo de prestar contas. Até mesmo diplomatas israelenses, cujo trabalho, em tese, é melhorar a imagem do país no mundo, costumam se engajar neste ritual desumano. Em comentários de janeiro de 2024, Tzipi Hotovely, embaixadora de Israel no Reino Unido, argumentou, sem pudor algum, que “toda escola, toda mesquita, toda casa tem acesso a túneis”, ao sugerir como alvo válido toda e qualquer estrutura na Faixa de Gaza.

Tamanha perversidade linguística seria facilmente descartada como mera retórica, caso Israel não tivesse, de fato, destruído ao menos 70% da infraestrutura de Gaza, de acordo com dados do Monitor Euromediterrâneo de Direitos Humanos.

Embora linguagem extremista seja lugar comum entre políticos contemporâneos de todo planeta, é ainda raro que reflita, com precisão eloquente, as ações em campo. É o que torna a retórica israelense um fenômeno unicamente perigoso.

Não pode haver justificativa militar para a aniquilação absoluta de toda uma região. Ainda assim, israelenses não se constrangem em expressar um discurso político que demonstra dolo e busca legitimar uma devastação sem precedentes. Moshe Feighlin, ex-membro do Knesset (parlamento), preconizou em maio: “Toda criança, todo bebê é inimigo … nenhum único palestino sobrará na região”.

No entanto, para que a destruição sistêmica de uma nação obtenha êxito, é crucial alvejar cientistas, médicos, intelectuais, jornalistas, artistas e poetas. Embora crianças sejam as principais vítimas, muitos daqueles assassinados deliberadamente parecem se converter em alvos com o intuito específico de desorientar a sociedade palestina, privá-la de seus líderes e impossibilitar a eventual reconstrução de Gaza.

Alguns números ilustram a ideia: segundo relatório do Escritório das Nações Unidas para Coordenação de Assuntos Humanitários, com base em registros por satélite, compilados em julho, cerca de 97% das instalações de ensino em Gaza foram impactadas, com 91% carentes de reparos substanciais ou mesmo reconstrução do zero. Além disso, centenas de professores e milhares de estudantes foram mortos.

Mas por que Israel é tão afoito em matar aqueles responsáveis pela produção intelectual? A resposta é dupla: primeiro, a Gaza; então para a natureza única do sionismo, ideologia fundacional de Israel.

Sobre Gaza, desde a Nakba de 1948, a comunidade palestina local investiu pesadamente em educação, como ferramenta crucial para sua libertação e autodeterminação. Imagens mostram salas de aulas em tendas e espaços abertos, como testamento da resiliência de um povo em busca de conhecimento, apesar de pouquíssimos recursos institucionais. A campanha de destruição israelense é um esforço aberto para apagar tamanha conquista geracional, prática conhecida como escolasticídio, e Gaza é o exemplo mais deliberado deste crime medonho.

Segundo, sobre o sionismo: por anos e anos, fomos levados a crer que o sionismo vencia uma guerra intelectual devido ao refinamento e à argúcia da propaganda de Israel — ou hasbara. A narrativa prevalente, sobretudo no mundo árabe, é de que árabes e palestinos não seriam páreos à máquina de relações públicas sionista, especialmente na imprensa ocidental. Isso criou um sentimento de inferioridade intelectual, ao mascarar a razão por trás de tamanho desequilíbrio.

Israel foi capaz de “vencer” o discurso da grande imprensa, devido a uma marginalização ou demonização intencional de vozes palestinas e pró-Palestina. Estas parecem não ter chance de responder por não terem vazão ou serem difamadas, quase de imediato, como “simpatizantes do terrorismo” e coisas assim. Mesmo Edward Said, filósofo palestino de renome mundial, foi chamado de “nazista” pela Liga de Defesa Judaica, órgão extremista, hoje banido, ao ponto de coagir sua universidade a demiti-lo.

Gaza, contudo, permanece um problema. Com a imprensa estrangeira proibida de operar no enclave, sob ordens israelenses, a inteligência local assumiu o encargo e, ao curso de dois anos, conseguiu reverter ganhos sionistas de quase um século. Foi isso que impeliu Israel a uma corrida contra o tempo para remover de cena, tanto quanto possível, toda e qualquer voz palestina, incluindo jornalistas, acadêmicos e personalidades online.

A lógica israelense, contudo, está fadada ao fracasso, dado que as ideias não dependem de indivíduos, e que a resiliência e a resistência são uma cultura, não um título na carteira de trabalho. Gaza emergirá mais uma vez, não apenas como centro próspero de cultura, como sempre foi, mas alicerce de um novo discurso por libertação, a inspirar o mundo no que diz respeito ao poder do intelecto, da luta pelo que é certo e da vida com propósito de ser — uma causa maior.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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