A imprensa precisa aprender a chamar genocidio pelo nome, diz pesquisador Ahmad Alzoubi em conferências no Chile

Rita Freire
4 meses ago

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Ahmad Alzoud fala no Chile sobre situacao dos jornalistas em Gaza e da necessidade do posicionamento e solidariedade dos colegas para que pare o genocídio e o silenciamento da mídia.

Em uma programação de 11 dias por universidades chilenas, o autor de Diáspora Palestina na América Latina – Estudos de Mídia e Identidade,  Ahmad Alzoubi, discutiu com jornalistas, acadêmicos e estudantes o efeito nocivo da cobertura superficial da imprensa sobre os acontecimentos na Palestina. Sem o interesse na fonte direta palestina, os jornais divulgam o que chamam de “guerra” e reforçam, explica ele, um discurso que normaliza o genocídio. “A mídia tradicional latino-americana foge dessa palavra, seguindo a linha das agências dos EUA e Europa, que obedecem aos lobbies sionistas”, diz Alzoubi.

A relação da diáspora com a informação que chega da Palestina é objeto do livro do pesquisador e tema do seu doutorado. Ele constata que as gerações atuais de descendentes de imigrantes que chegaram no século passado ainda preferem buscar notícias das mídias árabes do que confiar no que diz a grande imprensa do continente. O livro, lançado este ano em português pela Editora MEMO,  despertou interesse no Chile, que foi um dos países pesquisados, ao lado de Brasil, Argentina, El Salvador e Honduras. Apesar de ser o país com maior presença palestina no continente, com pessoas bem inseridas na vida política, econômica, cultural e esportiva, o fenômeno se repete. A mídia local ainda não conseguiu ganhar a confiança desse importante segmento da população atual quando se trata de informar sobre a ação de Israel sobre a Palestina, explica Alzoubi. Ainda que a prática de genocídio, com requintes de crueldade na matança de crianças, esteja explicita nas redes sociais e nas mídias da região, a imprensa latino-americana ainda precisa aprender a usar as palavras corretas. Não se trata de conflito ou guerra, mas de um ocupante disposto à limpeza étnica e à eliminação da população nativa.

A visita do pesquisador foi motivo de atenção da imprensa local. Em entrevista ao canal Hoy en La Voz, que procura fazer frente à narrativa hegemônica pró-Israel, Ahmad defendeu o direito à resistência – popular, midiática, acadêmica e também armada – de um povo quando atacado. Ao jornalista do La Tercera, questionou a percepção de que os israelenses estão protestando contra os ataques à Gaza. Infelizmente, diz ele, só a questão dos reféns os mobiliza.

Debates nas universidades: nossos colegas estão morrendo

Ahmad Alzoubi participou de palestras com o diretor do Centro de Estudos Árabes “Eugenio Chahuán” da Universidade do Chile, professor Kamal Cumsille, o diretor da Faculdade de Comunicação da Universidade Finis Terrae,  Alberto Rojas, o diretor da Faculdade de Comunicação da Universidade do Chile, Patrício Jara, e a representante municipal,  Alejandra Valle, seguidas de debates com estudantes de jornalismo que abordaram a situação da imprensa local em Gaza.

O visitante lembrou dos jornalistas que estão sendo assassinados em Gaza e dos que continuam cobrindo os ataques e a luta palestina por sobrevivência, apesar dos riscos, e precisam do apoio dos colegas de fora – para defendê-los e para propagar seu esforço de cobertura. Outra forma de apoio, lembrou ele, é o boicote acadêmico, com estudantes em vários lugares do mundo pedindo o rompimento de laços de suas universidades com instituições israelenses.  “Impedir o genocídio não pode se limitar apenas aos palestinos, já que Israel recebe apoio de governos ocidentais e dos Estados Unidos. Nós, jornalistas e pesquisadores, devemos apoiar nossos colegas de profissão.”

A palestra foi ilustrada com vídeos sobre a situação em Gaza e um apelo para que as coberturas internacionais não sejam feitas apenas pelo foco das agências americanas e europeias. Para o palestrante, falta o olhar e a sensibilidade latino-americana para entender o que passa um povo sob agressão colonial. Quando há correspondentes latino-americanos, estão em Tel Aviv, mas não na Palestina, na Cisjordânia. “Esse viés da mídia é ilógico e faz parte do colonialismo”, afirmou, incentivando os alunos a incluir a Palestina em seus projetos de pesquisa e treinamentos de campo, por exemplo, nos campos de refugiados palestinos na Síria, Líbano e Jordânia.

Em busca da memória da diáspora – uma pesquisa da história oral

Mesmo na diáspora, muitos imigrantes que foram expulsos de sua terra pelas gangues sionistas à Palestina ou pela  instalação violenta do Estado de Israel em 1948 continuaram afirmando-se como palestinos com direito de retorno  assegurado em resoluções da ONU. Existe, portanto, uma grande Palestina espalhada pelo mundo e, em particular, na América Latina, para onde muitos vieram. Em busca da memória  contida na história oral, Alzoubi dedicou parte da estadia

no Chile para a continuidade de suas pesquisas, entrevistando  chilenos-palestinos sobre a história dos antepassados imigrantes, a integração com a sociedade chilena, e o pensamento que se formou à distância sobre a Palestina hoje.

Nessa leva de entrevistas, o pesquisador diz ter encontrado uma comunidade palestina que não se caracteriza por um recorte ideológico de direita ou esquerda, porque há diversas posições políticas no seu interior, mas por um denominador comum que está na preocupação  e na solidariedade com o povo palestino. Se a mídia incorporasse mais as práticas do jornalismo humanitário, priorizando o efeito das políticas sobre as vidas humanas,  poderia, afirma ele, refletir  essas  preocupações. “Quando são os lobbies e o poder econômico que determinam a linha editorial, é natural que as pessoas afetadas deixem de confiar nas suas narrativas.”

Primeiros passos para um seminário internacional em 2026: foco na Palestina

Naturalizado brasileiro e atuando na chegada o Middle East Monitor ao Brasil (hoje com o portal em português Monitor do Oriente Médio) e na construção do Fórum Latino Palestino, antes de assumir seu trabalho como professor na Universidade Lusail do Catar, Ahmad Alzoubi tem contribuído para a organização de debates internacionais que aproximam pesquisadores e jornalistas da América Latina e do Oriente Médio, com foco na questão Palestina. A Universidade de São Paulo (USP) sediou uma grande conferência em 2018,  da qual participou o ex-diretor-geral da rede internacional Al Jazeera, Wadah Khanfar. A  abertura do MEMO no Brasil foi seguida de um seminário com jornalistas latino-americanos e a presença do pesquisador Daud Abdullah, diretor do MEMO internacional.

Deputado chileno Hernan Palma (foto). Também houve encontro com senador Sergio Salazar, e com embaixadores de Palestina na Algeria e anteriormente na Jordânia.

No Chile, foi realizada a primeira reunião entre o MEMO, o Fórum Latino Palestino e o chefe do Centro de Estudos Árabes “Eugenio Chahuán” da Universidade do Chile, professor Kamal Cumsille, voltada à organização de um próximo grande encontro sobre a Palestina, um seminário previsto para abril ou maio de 2026 na capital Santiago.

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