O novo governo da Síria, sob o presidente interino Ahmed al-Sharaa, lançou uma iniciativa para desmantelar o império de captagon por trás da ditadura deposta de Bashar al-Assad, que converteu o país em um dos maiores narcoestados do mundo.
O tráfico de drogas, estimado em US$5 bilhões anualmente, tornou-se corda de salvação a Assad ao longo da guerra civil, entre 2011 e 2025, à medida que sanções internacionais atingiam sua economia.
“Hoje, a Síria está sendo limpa disso tudo, pela graça de Deus”, afirmou al-Shara ao jornal britânico Financial Times.
De acordo com agentes policiais, pesquisadores e autoridades regionais, a produção e o tráfico caíram até 80% desde dezembro, quando o governo chegou ao poder.
O captagon, uma anfetamina estimulante, foi desenvolvido originalmente nos anos 1960, por uma farmacêutica alemã. Proibido em todo o mundo, prosperou no Oriente Médio a partir do Golfo, entre festas, trabalhadores semiescravos e soldados.
Na Síria, o uso da droga se tornou cotidiana entre as forças do regime. Relatos remetem a comandantes pondo captagon nas rações de seus soldados, para suprimir a exaustão e a fome e impulsioná-los no campo de batalha.
Sob Assad, a infraestrutura farmacêutica, o acesso a portos mediterrâneos e a proteção a redes de contrabando permitiu que o narcotráfico florescesse.
Maher al-Assad, seu irmão e chefe da Quarta Divisão do exército, era central ao mercado, segundo informações, ao conferir imunidade militar a traficantes e converter instalações do Estado, como a base da aeronáutica Mezzeh, em centros de produção.
Um ex-soldado, radicado em Damasco, recordou dos efeitos do captagon: “Uma explosão de energia, de que precisava para caminhar horas a fio para chegar em casa. Também me deu coragem, ou a ilusão, na verdade, de que poderíamos lutar com todos os rebeldes, se precisássemos”.
A campanha do governo, no entanto, está longe de concluir seus objetivos. Pílulas baratas seguem amplamente disponíveis na capital, a 30 centavos cada, com versões de luxo 30 vezes mais caras na Jordânia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.
Analistas advertem que o comércio ilícito é resiliente, com redes de contrabando logo se adaptando e oficiais corruptos minando esforços.
“Após a queda de Assad, houve expectativa, entre alguns, mesmo declarações, de que o comércio de captagon seria uma coisa do passado”, comentou Caroline Rose do Instituto New Lines ao Financial Times. “Mas a droga está longe, muito longe de acabar”.
Autoridades divulgam incursões policiais espetaculosas, com depósitos encontrados em balneários do regime e prisão de mafiosos. Em junho, uma operação dramática capturou Wassim al-Assad, primo de Bashar, após ele voltar do Líbano para resgatar recursos.
Nas regiões de fronteira, oficiais jordanianos notam violência. Um oficial do Ministério do Interior em Amã ressaltou: “Para cada usina da captagon que encontramos, encontramos muitas, muitas armas”.
Domesticamente, o impacto social já emerge às ruas. Com apenas quatro centros para o tratamento de vício no país, serviços permanecem carentes.
“Não está nem perto do que precisamos para lidar com a gravidade do problema na Síria”, destacou o dr. Ghamdi Faral, diretor do Hospital Ibn Rushd em Damasco.
A carência de captagon, contudo, sem cuidados de adição, também começa a mobilizar substitutos ainda mais perigosos, como a metanfetamina.
“A mensagem é clara”, concluiu um ex-traficante ao Financial Times, “não haverá, na Síria, qualquer tolerância para o comércio de drogas. Mas, depois de tudo que passamos, não bastará para nos impedir”.
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