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Novo governo na Síria lança iniciativa para desmantelar narcoestado de Assad

20 de agosto de 2025, às 15h48

Policial inspeciona pílulas de captagon em Douma, na Síria, em 16 de dezembro de 2024 [Raghed Waked/Middle East Images/AFP via Getty Images]

O novo governo da Síria, sob o presidente interino Ahmed al-Sharaa, lançou uma iniciativa para desmantelar o império de captagon por trás da ditadura deposta de Bashar al-Assad, que converteu o país em um dos maiores narcoestados do mundo.

O tráfico de drogas, estimado em US$5 bilhões anualmente, tornou-se corda de salvação a Assad ao longo da guerra civil, entre 2011 e 2025, à medida que sanções internacionais atingiam sua economia.

“Hoje, a Síria está sendo limpa disso tudo, pela graça de Deus”, afirmou al-Shara ao jornal britânico Financial Times.

De acordo com agentes policiais, pesquisadores e autoridades regionais, a produção e o tráfico caíram até 80% desde dezembro, quando o governo chegou ao poder.

O captagon, uma anfetamina estimulante, foi desenvolvido originalmente nos anos 1960, por uma farmacêutica alemã. Proibido em todo o mundo, prosperou no Oriente Médio a partir do Golfo, entre festas, trabalhadores semiescravos e soldados.

Na Síria, o uso da droga se tornou cotidiana entre as forças do regime. Relatos remetem a comandantes pondo captagon nas rações de seus soldados, para suprimir a exaustão e a fome e impulsioná-los no campo de batalha.

Sob Assad, a infraestrutura farmacêutica, o acesso a portos mediterrâneos e a proteção a redes de contrabando permitiu que o narcotráfico florescesse.

Maher al-Assad, seu irmão e chefe da Quarta Divisão do exército, era central ao mercado, segundo informações, ao conferir imunidade militar a traficantes e converter instalações do Estado, como a base da aeronáutica Mezzeh, em centros de produção.

Um ex-soldado, radicado em Damasco, recordou dos efeitos do captagon: “Uma explosão de energia, de que precisava para caminhar horas a fio para chegar em casa. Também me deu coragem, ou a ilusão, na verdade, de que poderíamos lutar com todos os rebeldes, se precisássemos”.

A campanha do governo, no entanto, está longe de concluir seus objetivos. Pílulas baratas seguem amplamente disponíveis na capital, a 30 centavos cada, com versões de luxo 30 vezes mais caras na Jordânia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.

Analistas advertem que o comércio ilícito é resiliente, com redes de contrabando logo se adaptando e oficiais corruptos minando esforços.

“Após a queda de Assad, houve expectativa, entre alguns, mesmo declarações, de que o comércio de captagon seria uma coisa do passado”, comentou Caroline Rose do Instituto New Lines ao Financial Times. “Mas a droga está longe, muito longe de acabar”.

Autoridades divulgam incursões policiais espetaculosas, com depósitos encontrados em balneários do regime e prisão de mafiosos. Em junho, uma operação dramática capturou Wassim al-Assad, primo de Bashar, após ele voltar do Líbano para resgatar recursos.

Nas regiões de fronteira, oficiais jordanianos notam violência. Um oficial do Ministério do Interior em Amã ressaltou: “Para cada usina da captagon que encontramos, encontramos muitas, muitas armas”.

Domesticamente, o impacto social já emerge às ruas. Com apenas quatro centros para o tratamento de vício no país, serviços permanecem carentes.

“Não está nem perto do que precisamos para lidar com a gravidade do problema na Síria”, destacou o dr. Ghamdi Faral, diretor do Hospital Ibn Rushd em Damasco.

A carência de captagon, contudo, sem cuidados de adição, também começa a mobilizar substitutos ainda mais perigosos, como a metanfetamina.

“A mensagem é clara”, concluiu um ex-traficante ao Financial Times, “não haverá, na Síria, qualquer tolerância para o comércio de drogas. Mas, depois de tudo que passamos, não bastará para nos impedir”.

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