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Livro de colorir ‘Do rio ao mar’ incita fúria da extrema-direita francesa

Uma livraria queer em Paris, cuja vitrine expôs o livro infantil, com informações formativas sobre a Palestina e sua história, sofreu ameaças e vandalismo

18 de agosto de 2025, às 07h27

Livro infantil From the River to the Sea, do autor e ilustrador sul-africano Nathi Ngubane, na vitrine da livraria Violette & Co., em Paris, na França [Reprodução/Redes sociais]

Um livro infantil de colorir, sobre a história e cultura da Palestina, tornou-se epicentro de um debate sobre a representação do povo palestino e sua causa na França. Originalmente em inglês, From the River to Sea Do rio ao mar —, do autor e ilustrador sul-africano Nathi Ngubane ganhou as vitrines da livraria Violette & Co. de Paris, ao lado de títulos importantes sobre racismo e colonialismo.

A obra, no entanto, incitou uma campanha que a livraria — feminista e queer — caracterizou como “intimidação, assédio, perseguição online, vandalismo e ameaças de grupos de extrema-direita”.

Em postagem de segunda-feira (11), em sua página do Instagram, a Violette & Co. denunciou pichações “odiosas, homofóbicas, sexistas e racistas” em sua fachada, com dizeres como “cúmplices dos islamitas” e “estupradores do Hamas”.

“Um grupo de cinco pessoas veio à nossa loja para nos intimidar”, prosseguiu o comunicado, ao ressaltar que redes reacionárias no país lançaram uma “campanha de desinformação” sobre a livraria.

From the River to the Sea foi escolhido a dedo pela mídia corporativa, políticos demagogos e extremistas online. A emissora francesa CNews acusou a obra de “ensinar as crianças a odiarem Israel”; a rede Europe 1 descreveu o título — a despeito da conotação historiográfica — de “slogan do Hamas”.

O título se baseia em um canto de décadas por libertação do povo palestino, em suas terras nativas na Palestina histórica, do rio Jordão ao mar Mediterrâneo. Sionistas insistem, no entanto, na falácia de que se trata de um chamado à destruição não apenas do regime colonial, como do “povo judeu”.

O deputado Aurelien Veron fez coro à mentira, ao rechaçar o título como “apelo à destruição de Israel”, e suas colegas de partido (Republicanos), Nelly Garnier e Isabelle Nizard — vice-prefeita do 16º arrondissement de Paris — reivindicaram do governo revogação de todos os subsídios culturais concedidos à Violette & Co.

Em meio à controvérsia, alguns oficiais eleitos expressaram, entretanto, sua solidariedade à tradicional livraria. O vice-prefeito de Paris, Jean-Luc Romero-Michel, compartilhou na rede social X (Twitter): “Pleno apoio à livraria Violette & Co., que enfrenta, hoje, uma campanha de intimidação e assédio por expor em sua vitrine um livro de colorir sobre a Palestina”.

Usuários online defenderam tanto a loja, quanto a obra, ao notarem tentativas de “censura”. Muitos ressaltaram que a indignação conservador e liberal estariam voltadas ao lugar errado, e que deveriam se concentrar no genocídio em Gaza.

Marion Beauvalet, por exemplo, destacou apoio à livraria, “sob ameaças há dias, junto de uma enxurrada de abuso lesbofóbico nas redes sociais … O fato de que esses preconceituosos e reacionários estão mais indignados com um livro do que um genocídio não é nada menos que repugnante”.

Para a historiadora turco-israelo-francesa Esther Benbassa, solidária à Violette & Co., “certas lutas, sobretudo a causa palestina, infelizmente expõem numerosas agressões e esforços de censura”.

A polêmica, contudo, amplificou o público, ao levar a obra a uma multidão de curiosos. “A única coisa boa desse ódio todo é que faz você descobrir novidades e pessoas interessantes”, tuitou a jornalista Sihame Assbague.

“Se irrita os sionistas, compre este livro”, acrescentou um usuário.

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Reação histérica

A Violette & Co. reitera disseminar narrativas anticoloniais que contrapõem um discurso tradicionalmente impositivo na esquerda francesa, caracterizado como “homonacionalista e femonacionalista”.

Ngubane saudou a livraria por “elevar as narrativas palestinas e manter resiliência”.

A editora, Social Bandit Media, enfatizou: “A reação histérica da direita francesa expõe o sionismo pelo que ele é: uma ideologia baseada em intimidação e supremacia”.

O livro cobre momentos históricos como a Nakba — a limpeza étnica de aproximadamente 800 mil palestinos nativos de suas terras, para criação de Israel, em 1948 —, até a ocupação corrente e as ações de resistência, legítimas sob a lei internacional.

Não é a primeira vez, no entanto, que From the River to the Sea sofre ataques de entidades e militantes sionistas.

Em junho de 2024, a maior rede de livrarias da África do Sul interrompeu as vendas, apesar de protestos online. Mais tarde, devolveu a obra a suas estantes. Neste ano, o livro esteve entre um dos oito títulos confiscados pela polícia israelense durante uma incursão hostil à Livraria Educacional de Jerusalém Oriental ocupada.

Publicado originalmente em inglês pela rede Middle East Eye, em 13 de agosto de 2025

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.