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À medida que naufraga Israel, estão seus aliados abandonando o barco?

18 de agosto de 2025, às 09h55

Protesto pró-Palestina em frente à sede do governo britânico, em Londres, em 9 de agosto de 2025 [Rasid Necati Aslim/Agência Anadolu]

Um pânico repentino tomou conta dos apoiadores de Israel em todo o mundo. Regimes neocoloniais ocidentais — incluindo as colônias brancas de assentamento na Nova Zelândia, Austrália e Canadá — estão mais ansiosos do que nunca diante do destino da última colônia de assentamento europeia no continente asiático.

Mesmo organizações judaico-sionistas na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos se juntaram a um coro virtualmente inédito.

Embora defendam os crimes de Israel antes e depois de 7 de outubro de 2023, acólitos ocidentais subitamente desenvolveram apreensões morais diante da fase final do genocídio em curso, em que os bombardeios generalizados e o holocausto em Gaza se somam à fome de massa imposta aos palestinos sobreviventes.

Diferente de grupos judaicos antissionistas, que protestam contra o genocídio desde seus primórdios, organizações judaico-sionistas, em maioria, mantiveram-se absolutamente favoráveis à ocupação ao longo da crise.

Algo mudou, porém, nas últimas semanas, em um movimento aparentemente coordenado de declarações concomitantes de preocupação sobre a fome em Gaza.

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Imagens chocantes de crianças esqueléticas, multidões desesperadas sob a mira dos fuzis nas rotas assistenciais e corpos famintos chacinados em busca de alimento tornaram insustentável que regimes e instituições ocidentais pró-Israel permanecessem ignorando ou justificando a escala dos crimes.

Fora seu principal patrocinador, os Estados Unidos, torna-se cada vez mais claro que os poucos aliados restantes de Israel estão dispostos a dar um passo além para impedir a reocupação de Gaza e o subsequente extermínio. Alguns parecem até mesmo ter planos para abandonar o barco.

Ansiedade tardia

Preocupados com o destino de Israel, seus defensores recentemente silenciaram o júbilo com acenos simbólicos ao humanitarismo, a fim de asseverar que sua campanha genocida siga desimpedida em meio à indignação global.

Em 27 de julho, o Comitê Judaico Americano (AJC) — organização de lobby sionista — emitiu um comunicado de apoio à “guerra justificada [de Israel] para eliminar a ameaça do Hamas e garantir a soltura dos reféns restantes”; no entanto, expressou “imenso pesar pelas graves baixas da guerra sobre o povo palestino”, bem como “apreensão sobre a piora da insegurança alimentar em Gaza”.

Agradeceu também “o anúncio israelense de uma série de ações adicionais significativas para ampliar o fluxo e a distribuição de assistência”. Neste sentido, instou “Israel, a Fundação Humanitária de Gaza, as Nações Unidas e todas as partes relevantes a aumentarem sua cooperação e coordenação para assegurar que o socorro humanitário chegue aos civis palestinos de Gaza”.

O AJC não está sozinho em sua apreensão extemporânea pelos palestinos. Na mesma semana, a Assembleia Rabínica, radicada em Nova York, que representa uma congregação conservadora do judaísmo, declarou “apreensão sobre a piora da crise humanitária em Gaza”, ao pedir “ações urgentes para aliviar o sofrimento dos civis e garantir a entrega humanitária”.

A Assembleia reivindicou então “um futuro embasado na justiça, dignidade e segurança tanto para israelenses quanto palestinos” e requereu de Israel que “faça tudo em seu poder para garantir que a ajuda humanitária chegue àqueles que precisam”. Ao recorrer aos ensinamentos religiosos, disse: “A tradição judaica pede a nós assegurarmos a provisão de alimento, água e suprimentos médicos como prioridade máxima”.

Seguiu-se a União para o Judaísmo Reformista, maior denominação judaica na América do Norte, que se opunha veementemente ao sionismo até a década de 1940. Em nota de 27 de julho, destacou: “Nem a escalada da pressão militar nem as restrições à ajuda humanitária aproximaram Israel de um acordo para os reféns ou do fim da guerra … Israel não pode sacrificar sua própria moralidade. Matar civis de fome não levará Israel a sua vitória total contra o Hamas, tampouco pode se justificar pelos valores judaicos ou pelas leis humanitárias”.

Dias depois, uma carta assinada por mil rabinos de várias denominações internacionais clamaram “não poder compactuar com mortes em massa de civis, incluindo muitíssimas mulheres, crianças e idosos, ou com o uso da fome como arma de guerra”. Escreveram: “Em nome da reputação moral não apenas de Israel, como do próprio judaísmo — do judaísmo ao qual devotamos nossas vidas”.

Controle de danos

Declarações de consternação sobre a conduta israelense foram muito além dos Estados Unidos. Em 29 de julho, o Conselho de Representantes dos Judeus Britânicos, solicitou “um aumento rápido, constante e desobstruído em ajuda humanitário, mediante todos os canais disponíveis”.

O apelo se deu apenas um mês após a organização — a maior no Reino Unido —repreender membros que ousaram criticar os crimes da ocupação.

De fato, no mesmo dia, um grupo de 31 personalidades israelenses urgiram a comunidade internacional a adotar “sanções rigorosas” a Israel pela fome imposta aos palestinos. Um dia antes, duas ongs israelenses de caráter progressista — Médicos por Direitos Humanos e B’Tselem — ecoaram o restante do mundo em identificar a campanha israelense como “genocídio”.

Mesmo o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, segundo rumores, gritou com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, para que este deixasse de negar as condições de fome.

Mas se imaginarmos tratar-se de um sentimento universal, estaremos tragicamente enganados. Uma pesquisa recente confirmou que cerca de 79% dos judeus israelenses “estão pouco ou nada preocupados” com os registros de fome endêmica e sofrimento generalizado na Faixa de Gaza.

Objeções a políticos israelenses advieram sobretudo de regimes ocidentais, após estes corroborarem seu plano para reocupar Gaza. Mesmo vozes no jornal tradicionalmente pró-Israel The Guardian entraram em pânico, ao alertarem que tais ações seriam prejudiciais à parte agressora — em vez das vítimas —, por “não assegurarem uma vitória militar” e “intensificarem sua guerra com o Hamas sem um caminho para encerrá-la”.

Apoiadores ocidentais — Reino Unido, Alemanha, França, Austrália, Nova Zelândia, Canadá e outros — juntaram-se em se opor à reocupação. Seus protestos prosseguiram apesar das mentiras de Netanyahu de que seu objetivo seria “libertar Gaza do Hamas e permitir que um governo pacífico se estabeleça ali”.

O governo da Alemanha, fanaticamente sionista, que apoia cada passo da ocupação desde outubro de 2023, e mesmo antes, chegou a proibir, embora em parte, a exportação de armamentos ao Estado genocida, que possam porventura ser usados no holocausto contra o povo palestino.

Tudo isso é concomitante com a mais recente artimanha dos regimes ocidentais, em prometer reconhecer um fantasmático Estado palestino nas Nações Unidas, em setembro, como uma tentativa desesperada de salvar a colônia europeia de assentamentos de si mesma e mascarar seu apoio ativo ao genocídio.

Ditaduras árabes patrocinadas pelo Ocidente tampouco hesitaram em apoiar materialmente — senão expressamente — as ações de Israel desde o início, mas que agora reiteram seu apoio aos mais recentes paliativos europeus.

Um navio que naufraga

Diante do reconhecimento do genocídio por associações de direitos humanos e relatores independentes das Nações Unidas — e mesmo figuras e ongs israelenses —, tornou-se mais e mais difícil aos governos ocidentais e à imprensa corporativa justificar ou obscurecer a escala da destruição e do morticínio em Gaza, à medida que seu negacionismo se tornou insustentável com o passar dos meses.

Além disso, o fracasso acachapante de Israel em vencer sua guerra contra o movimento Hamas — muito menos contra o Irã — e um senso de que sua capacidade militar seja eficaz apenas para matar civis, sem jamais subjugar seus inimigos, incitou alarde entre o establishment e segurança ocidental.

Sem apoio diário de armas, inteligência, recursos financeiros e diplomacia ocidentais, o regime israelense não conseguiria conduzir seu genocídio ou se defender da retaliação daqueles que agride há várias e várias décadas. Que o governo Netanyahu, com apoio da ampla maioria do eleitorado judaico no país, tenha avançado em políticas lesivas a suas relações públicas no Ocidente apenas piorou as coisas.

Exceto por Washington — sua mãe adotiva —, os revezes recentes de Israel persuadiram muitos de seus aliados a correr aos botes salva-vidas, para evitar as chances de afundarem juntos.

Na fase derradeira da guerra por libertação na Argélia, entre as décadas de 1950 e 1960, franceses se mostraram fartos da barbárie contra os argelinos. Muitos buscaram alternativas, ora para salvar sua colônia, ora para escapar da responsabilidade.

Vemos hoje uma tendência semelhante no caso de Israel. Pesquisas em todo o Ocidente comprovam que a maioria do público rechaça as atrocidades cometidas pela ocupação — tanto à esquerda quanto à direita.

Mesmo nos Estados Unidos, não somente uma incipiente esquerda progressista como reacionários trumpistas abandonaram a colônia, ao expressarem objeção aos persistentes investimentos da Casa Branca.

O receio entre os obstinados apoiadores de Israel no chamado mundo ocidental é que a história da Argélia em breve se repita. Que o próprio Netanyahu ecoe temores, há mais de uma década, de que Israel não alcance seu centenário dá credibilidade ao fato de que a colônia, em vez de impedir, acelera agora sua implosão.

Publicado originalmente em inglês pela rede Middle East Eye, em 14 de agosto de 2025

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.