As contas oficiais de Israel, bem como usuários sionistas, deflagraram na última semana uma campanha nas redes sociais para negar a existência da fome em Gaza, enquanto palestinos documentam sua própria morte por inanição, sob cerco militar.
A página oficial do Estado de Israel na rede social X (Twitter) compartilhou diversas postagens sugerindo que as imagens de crianças famintas e desnutridas mostradas ao mundo seriam fabricadas, ao alegar outras doenças, como “fibrose cística”.
Nas últimas semanas, múltiplas organizações internacionais, assim como o Ministério da Saúde palestino, advertiram para a catástrofe de fome em Gaza. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), toda a população do território palestino — mais de 2.4 milhões de pessoas — enfrenta insegurança alimentar grave.
“Uma em cada três pessoas não come há dias, e 80% de todas as mortes por inanição são crianças”, ressaltou o alerta.
Enquanto o número de mortos em Gaza já ultrapassa 60 mil, ao menos 154 pessoas morreram devido à desnutrição.
Em maio, a Organização Mundial da Saúde (OMS) confirmou que toda a população de Gaza vive sob escassez prolongada de alimentos, com quase meio milhão de pessoas em situação catastrófica, sob desnutrição aguda, inanição, doenças e risco morte.
“Trata-se de uma das piores crises de fome do mundo, ocorrendo em tempo real”, acrescentou.
Mesmo o mais firme aliado de Israel, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reconheceu “fome real” na Faixa de Gaza sitiada.
No entanto, apesar das evidências, a campanha israelense insiste em negar que a crise no enclave. As contas oficiais de Israel compartilharam postagens descrevendo a fome como uma “mentira que viralizou”, ao insistir que a “doença de uma criança” fora “distorcida como propaganda”.
Em outra postagem, Israel reproduziu um vídeo de Mohammad al-Hasanat, de 41 anos, que supostamente sofria de diabetes quando faleceu.
No entanto, diversos médicos que trabalharam em hospitais de Gaza reportaram incontáveis vezes como doenças pré-existentes se tornam extremamente difíceis de tratar precisamente pela desnutrição, bem como acesso a cuidados de saúde adequados — ambos gravemente limitados pelo cerco contínuo de Israel ao território.
A organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) registrou um aumento acentuado na desnutrição infantil em Gaza, com casos em crianças menores de cinco anos triplicando nas últimas semanas, em meio à crise humanitária.
Mesmo médicos relataram que estão ficando fracos demais sequer para cuidar dos doentes, devido à falta de alimentação adequada.
Quase uma dúzia de profissionais de saúde em toda a região contaram ao The Guardian e à Arabic Reporters for Investigative Journalism sobre suas crescentes dificuldades para encontrar comida, além de sua degradação física causada pela fome.
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O New York Times divulgou uma reportagem sobre uma criança em Gaza identificada como Muhammad Zakariya Ayyoub al-Matouq, diagnosticada com desnutrição grave. Diante da campanha israelense, divulgou uma errata: “Após a publicação, o Times soube que [Muhammad] também tinha problemas de saúde pré-existentes”, ao sugerir que a fome poderia não ser a causa de sua morte.
Muhammad Zakariya Ayyoub al-Matouq, um menino palestino de uma ano e meio sofre de desnutrição grave e corre risco de vida devido ao brutral bloqueio de Israel. Apesar das negações israelenses de que a criança sofre de fome, fontes médicas confirmaram que Muhammad sofre de desnutrição aguda. O estado debilitado da criança atraiu a atenção global, simbolizando a grave crise humanitária que afeta mais de 2 milhões de palestinos em meio ao bloqueio e aos ataques contínuos de Israel. [Anas Zeyad Fteha/Agência Anadolu]
We have appended an Editors’ Note to a story about Mohammed Zakaria al-Mutawaq, a child in Gaza who was diagnosed with severe malnutrition. After publication, The Times learned that he also had pre-existing health problems. Read more below. pic.twitter.com/KGxP3b3Q2B
— NYTimes Communications (@NYTimesPR) July 29, 2025
Várias vozes pró-Israel se aproveitaram do recuo americano para disseminar que o caso de Muhammad comprovaria que a fome seria “uma mentira”, ao reforçar a campanha online.
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Todavia, em entrevista à rede britânica Middle East Eye, Yasin Fatine, pediatra radicado em Londres, confirmou que as fotos de Muhammad e de outras crianças são consistentes com inanição — e não com quaisquer deficiências de longo prazo.
Muhammad Zakariya Ayyoub al-Matouq, um menino palestino de uma ano e meio sofre de desnutrição grave e corre risco de vida devido ao brutral bloqueio de Israel. Apesar das negações israelenses de que a criança sofre de fome, fontes médicas confirmaram que Muhammad sofre de desnutrição aguda. O estado debilitado da criança atraiu a atenção global, simbolizando a grave crise humanitária que afeta mais de 2 milhões de palestinos em meio ao bloqueio e aos ataques contínuos de Israel. [Anas Zeyad Fteha/Agência Anadolu]
154 Palestinians have officially died of hunger in the Gaza Strip. Israelis are busy explaining that we don’t starve; we simply block the entry of medicine and formula into the Gaza Strip and if sick children die, it is all on Hamas. Israel has willfully detached itself from the…
— Ori Goldberg (@ori_goldberg) July 30, 2025
Enquanto isso, palestinos continuam compartilhando provas abundantes de pessoas gravemente afetadas ou mortas por desnutrição.
Abu Majdi is the latest victim of Israel’s deliberate famine in Gaza
Children are 1st to starve to death b/c they have low fat storages
When healthy adults die by hunger, it means we’re deep in famine territory
1kg of body fat = 7,700 calories, which burns over 9 days (in… pic.twitter.com/egnx6gcNwJ
— Muhammad Shehada (@muhammadshehad2) July 28, 2025
Organizações internacionais, incluindo a maior entidade judaica no Reino Unido, denunciam o uso da fome como arma de guerra por Israel em Gaza, ao reivindicar “um fluxo massivo e sustentado de assistência”.
Ammar Ammar, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), observou ao Middle East Eye:
“A desnutrição debilita rapidamente o sistema imunológico, ao tornar doenças comuns, como diarreia e pneumonia, muito mais letais”.
Embora todas as opiniões especializadas indiquem que, mesmo que haja doenças pré-existentes que tenham porventura contribuído para as mortes, a campanha negacionista de Israel permanece desconectada não apenas com a realidade, como com o ponto de vista expressado por cada vez mais usuários nas redes sociais.
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Artigo publicado originalmente em inglês pela rede Middle East Eye, em 30 de julho de 2025
