Descontente em tentar renomear um corpo d’água, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, parece buscar rebatizar ainda outro. Pouco depois de mudar unilateralmente o nome do Golfo do México para Golfo da América, Trump voltou-se a uma disputa toponímica no Oriente Médio: Mar Persa ou Mar Árabe?
Em maio, Trump disse à imprensa que tomaria uma decisão durante viagem a Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Catar. Suas declarações sucederam relatos de oficiais de que Washington poderia passar a utilizar Golfo da Arábia ou Golfo Árabe em vez da nomenclatura geralmente aceita de Golfo Persa.
Trump, porém, não seria o primeiro: todos os países do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) — Bahrein, Kuwait, Omã, Catar, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos — empregam o termo Golfo Árabe.
Mas o nome reconhecido mundialmente, usado pela Organização Hidrográfica Internacional, órgão de navegação, bem como a Organização das Nações Unidas (ONU), é Golfo Persa.
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O debate em torno do nome é fonte de tensão geopolítica entre Irã e seus vizinhos há seis décadas. Veja, a seguir, uma breve história da disputa.
‘Golfo Persa’: Toponímico milenar
O corpo d’água entre o Irã e a Península Arábica, que conecta o Golfo de Omã e o delta do Rio Shatt al-Arab, usufruiu de diversos nomes ao longo da história. A mais antigo e recorrente é Golfo Persa — ou alguma iteração deste.
Em abril de 2006, um comitê de especialistas da ONU se reuniu para discutir o toponímico Golfo Persa, ao produzir um documento de oito páginas.
Descobriu-se que, durante o Império Persa Aquemênida, entre 559 e 330 a.C., o nome Mar Pars foi comumente adotado em textos escritos, ao denotar influência persa. Neste período, ambos os termos aparecem nos manuscritos. Todavia, Golfo Árabe parece aludir sobretudo a uma área equivalente ao Mar Vermelho.
Os mapas-múndi dos historiadores e geógrafos gregos Hecateu (472—509 a.C.) e Heródoto (425—484 a.C.) se referem ao Mar Vermelho como Golfo Árabe. Muito embora não existam manuscritos sobreviventes da Cosmografia de Ptolomeu, reconstruções do atlas, a partir do século XIII, mencionam consistentemente o Sinus Persicus — em grego, Golfo Persa.
Após a disseminação do Islã pela região, no século VII, muitas comunidades falantes do árabe migraram dos litorais do Mar Vermelho ao planalto iraniano. Em meio a este movimento, geógrafos árabes continuaram a aludir ao Golfo Persa.
Os especialistas das Nações Unidas analisaram mais de 30 livros de geógrafos, acadêmicos e cientistas muçulmanos, com unanimidade no termo Golfo Persa. Entre as fontes, obras de Ibn Khordadbeh, Estakhri, al-Tabari, Mohammad Ibn Omar e dezenas de outros.
Na Era de Ouro do Islã, eruditos como al-Masudi e Ibn Khaldun adotam a expressão em árabe Khalij Fars (Golfo Persa) — e quando não, como no caso de Estakhri e al-Muqaddasi, a expressão Bahr Fars (Mar Persa).
‘Mar Britânico’ não pega
No século XVI, Portugal ocupou brevemente a ilha de Hormuz no Golfo Persa. Nesta época, cartas e mapas portugueses registram menções ao Mare de Persia. Persico Sinus, mar Persiano, Persischer Golf e outras iterações idiomáticas são consistentes.
O grupo de trabalho da ONU confirmou que, de um total de seis mil mapas históricos desde 1890, somente um punhado aludia ao corpo d’água como Golfo de Basra, Golfo de Qatif ou Golfo Árabe. Os primeiros dois nomes, respectivamente, referem-se à cidade iraquiana e à província na atual Arábia Saudita.
“É óbvio que o uso promocional pelos árabes desses três mapas supracitados, cuja identidade e origem não está clara, em comparação com seis mil mapas e os mais de 200 livros de turismo e história de Heródoto a Estakhri e Ibn Houghal — os quais, todos, denominaram este corpo d’água de Golfo Persa — carece de qualquer valor”, concluíram os especialistas.
Nos séculos XVIII e XIX, quando o Reino Unido expandiu sua influência e dominância global sobre o Oceano Índico, também adotou Mar Persa. O grupo de trabalho corroborou que ao menos 16 mapas oficiais britânicos de então recorreram ao termo. No fim da década de 1830, o Reino Unido tentou assumir controle deste corpo d’água. Em 1940, em sua lógica colonial, o jornal London Times tentou renomear a região como “Mar Britânico” — termo que, no entanto, jamais pegou.
Após a nacionalização pelo Irã da companhia de petróleo anglo-persa — de propriedade do Reino Unido —, em 1950, relações entre os países logo declinaram. Neste entremeio, fontes britânicas tentaram outra vez rebatizar a região. Em 1955, o oficial britânico Charles Belgrave, publicou o primeiro livro a adotar o termo “Golfo Árabe”.
Na década de 1960, laços entre Egito e Irã colapsaram diante do apoio do xá a Israel e da disseminação dos sentimentos panárabes em toda a região. Foi apenas então que círculos árabes migraram de terminologia.
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Após a Revolução Islâmica no Irã, em 1979, e o dissenso crescente entre o país e seus vizinhos, tensões sobre a nomenclatura se intensificaram.
Irã busca banir ‘Golfo Árabe’
Desde a virada do milênio, o Irã luta fortemente contra esforços para consolidar toponímicos alternativos.
Em 2004, o National Geographic instigou repúdio iraniano ao imprimir o vernáculo “Golfo Árabe” entre parênteses, sob o nome Golfo Persa. A revista e suas equipes foram subsequentemente banidas por Teerã. Dois anos depois, foi a vez do The Econonist, após abreviar e disseminar na imprensa a expressão “O Golfo”.
A disputa foi de mão dupla: a edição de 2010 dos Jogos Solidários Islâmicos, organizados pela Arábia Saudita, com sede no Irã, foi cancelada por logotipos e medalhas comemorativas que exprimiam o termo “Golfo Persa”.
No mesmo ano, após um comissário de bordo grego ser deportado do Irã por discutir com passageiros sobre o uso da expressão “Golfo Árabe”, o regime iraniano advertiu que companhias aéreas estrangeiras que ignorassem a terminologia não poderiam mais cruzar seu espaço aéreo.
Em 2012, o Google Maps decidiu sequer nomear o corpo d’água, ao deixar o espaço em branco. Teerã ameaçou processo. Hoje, o aplicativo usa ambos os termos.
Para ressaltar a questão, o Irã estabeleceu o Dia Nacional do Golfo Persa, comemorado anualmente entre 29 e 30 de abril, com eventos nas cidades costeiras. A data foi escolhida para recordar o aniversário de Abbas, o Grande — o quinto xá safávida, responsável pela expulsão portugueses do estreito de Hormuz, em 1622.
Este artigo foi publicado originalmente em inglês pela rede Middle East Eye, em 8 de maio de 2025
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