“Deus quer que nosso trabalho seja limpar a terra”, declarou um operador de tratores militares do exército israelense em entrevista ao jornal Haaretz, nesta semana, em um comentário que sugere encapsular o zelo ideológico que motiva a destruição sem igual imposta à Faixa de Gaza sitiada.
Imagens de satélite do Sistema de Informações Geográficas da Universidade Hebraica confirmaram que cerca de 70% dos prédios em Gaza foram demolidos ou gravemente danificados. Em Rafah, no extremo sul do enclave, índices chegam a 89%, frente a 84% no norte e 78% na Cidade de Gaza.
O autor do estudo, Adi Ben-Nun, alertou: “Os residentes de Gaza não têm para onde ir. O mundo e o cotidiano que conheciam simplesmente não existem mais”.
Seu mapeamento corrobora uma política deliberada de devastação absoluta: bairros e prédios residenciais, instituições públicas, escolas e universidades, abrigos, hospitais e terras agrárias sistematicamente aniquilados.
O método de destruição mudou, no entanto, desde a fase inicial do genocídio de Israel, que recorria a bombardeio aéreo indiscriminado — o chamado carpet bombing. Hoje, forças coloniais adotam demolição mecânica, muitas vezes executada por empreiteiras privadas, sob escolta militar.
As empresas, segundo relatos, lucram em torno de 5 mil shekels (US$1.500) por prédio destruído, ao pressionarem líderes e comandantes a expandirem ainda mais o escopo de suas operações de demolição.
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Entre os agentes desses crimes, está o reservista e rabino Avraham Zarbiv, operador de tratores D9. Zarbiv se vangloriou do extermínio: “Rafah está sendo limpa. Rafah já não existe mais. O norte de Gaza está quase aplainado. A seguir vem Khan Younis, que será também varrida do mapa”.
“Deus quer que nosso trabalho seja limpar a terra”, acrescentou, ao somar um tom de fundamentalismo ao genocídio israelense, de caráter supremacista e colonial.
O estudo da Universidade Hebraica calculou que 160 mil edifícios foram destruídos ou estão inabitáveis — aproximadamente 70% da infraestrutura civil da Faixa de Gaza. Os índices superam dados das Nações Unidas de abril, com 50%, mas permanecem aquém das estimativas oficiais palestinas, em torno de 88% de devastação.
Um dossiê estatístico do governo de Gaza, divulgado nesta sexta-feira (18), no 650º dia de genocídio, estimou ainda 125 mil toneladas de explosivos lançadas por Israel contra o enclave, com US$62 bilhões em perdas.
O relatório relatou dois milhões de civis desabrigados e 67.880 mortos e desaparecidos — provavelmente mortos sob os escombros. Dentre as vítimas fatais, ao menos 19 mil eram crianças, incluindo 953 bebês de colo, além de 68 crianças mortas pela fome e 17 pelo frio nos acampamentos sitiados.
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O Centro de Satélites da Organização das Nações Unidas (ONU) mensura 50 milhões de toneladas de escombros produzidos pela campanha israelense, isto é, cerca de 137 kg por metro quadrado.
O Programa Ambiental das Nações Unidas tem advertido que o volume de detritos de construção em Gaza supera em 14 vezes aquele gerado por todos os conflitos armados desde 2008, em todo o planeta. Limpar os destroços, previu a agência, tomaria 21 anos e US$1.2 bilhão.
A política deliberada de destruição e extermínio segue às claras. O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu — sob mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional (TPI) —, comemorou ao parlamento (Knesset): “Estamos destruindo mais e mais casas. Não têm para onde voltar. O resultado esperado é que emigrem de Gaza”.
O Estado israelense, com base nas ações e declarações de Netanyahu, junto de outras lideranças coloniais, é réu por genocídio no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), com sede em Haia, sob denúncia sul-africana deferida em janeiro de 2024.
O Artigo II(c) da Convenção de Genocídio determina como crime “infringir de maneira deliberada condições de vida a um grupo, calculadas para culminar em sua destruição, no todo ou em parte”. A destruição de cidades inteiras, incluindo deslocamento à força e negativa de abrigos e serviços, é vista neste contexto.
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