Prédios antigos guardam segredos: os fantasmas e as histórias daqueles que os precederam repousam entre suas paredes.
Apesar das tentativas de apagar o passado, vestígios perduram. Qualquer um que já realizou reformas pode atestar: cartazes desbotados, papéis de parede, tinta lascada. Objetos tão imutáveis podem testemunhar tempos esquecidos.
Neste relato meditativo de viagens, o casal Raja Shehadeh e Penny Johnson — ambos em sua oitava década de vida — contempla a geografia e a história oculta da Palestina histórica, território hoje considerado Israel, bem como dos territórios ocupados da Cisjordânia, Jerusalém Oriental e Faixa de Gaza.
Um lugar onde “até a arqueologia é politizada”.
Sua intenção foi revelar histórias perdidas, negligenciadas ou apagadas deliberadamente, que entrecruzam e sustentam a terra. Em prosa serena, sua jornada ilustra como um rico patrimônio cultural se perdeu e como monumentos e memoriais esquecidos revelam um passado comum e um futuro possível.
O livro, cuja semente germinou durante uma caminhada na pandemia por uma estrada deserta, perto do muro que separa a Cisjordânia ocupada dos assentamentos de Israel, e da casual descoberta de uma pedra memorial esquecida de três soldados egípcios mortos em 1967, divide-se em cinco seções.
Os autores cobrem o passado e o presente conturbados da Palestina; os tempos otomanos; as marcas da Nakba, a catástrofe palestina de 1948, com o estabelecimento do Estado colonial de Israel, via limpeza étnica; os presságios de mortalidade — incluindo visitas a túmulos de antigos amigos, como o poeta Mahmoud Darwish —; as ruínas de Ramallah e o futuro de nossos passados.
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Sob a orientação desses guias improvisados, o tempo desacelera para sorvemos o conhecimento. Cientes do peso dos detalhes, Raja e Penny descamam delicadamente as camadas para revelar narrativas fascinantes por trás dos lugares que visitam.
Muitos passados
Sua jornada não transcorre sem obstáculos. Os autores são forçados a negociar sua passagem em checkpoints, barreiras nas estradas e desvios para alcançar seus destinos, cuja geografia foi propositalmente fragmentada.
O casal viaja a Nablus, uma cidade que “carrega o peso de muitos passados”, deixando Ramallah pela movimentada Rodovia 60.
As memórias da antiga estrada — “suas colinas quase intocadas e paisagens agrícolas” — tornam-se um eco cada vez mais distante, à medida que escavadeiras militares de Israel devastam as terras ao redor da cidade de Hawara, para construir uma rodovia de quatro pistas de uso exclusivo aos colonos, que conecte os assentamentos ilegais a oeste com aqueles a leste.
Em Nablus, deparam-se com um tríptico, estranhamente reminiscente dos “quadros religiosos de três painéis que adornavam altares em igrejas bizantinas ou renascentistas”, exceto pelo fato de que este memorial está gravado em tijolos de pedra branca pura, protegido por uma cerca preta.
Nas paredes, há pôsteres desbotados de jovens homens organizados como uma trindade: mártires que pereceram durante a Primeira e Segunda Intifadas, condenados para sempre a serem jovens.
O casal recorda a história da Cidade Velha — o “olho do furacão” na Segunda Intifada, em meados de 2002, e como tanto civis quanto combatentes foram mortos durante um toque de recolher de dez dias, com casas e edifícios históricos, incluindo um palácio da era otomana, sofrendo “danos colaterais”.
Por vezes, sequer restam vestígios.
Em busca de um memorial da Nakba, Raja e Penny viajam a Kfar Kanna, cidade perto de Nazaré onde, conforme os cristãos, Jesus transformou a água em vinho. Em uma praça circular, repleta de cadeiras de plástico, encontram um único monumento singelo — um pilar retangular encimado por uma urna com plantas murchas. Mais de perto, no muro detrás da pedra, registram-se os mortos de ao menos oito décadas, entre 1930 e os anos 2000.
O monumento, inaugurado em setembro de 2000, antecedeu em dias a Segunda Intifada. O tráfego ruge a seu redor — o casal inspira o peso do silêncio.
Reivindicando narrativas
Os vazios da memória muitas vezes se preenchem pela arte. No museu do kibutz israelense de Ein Harod, uma retrospectiva exibe os vibrantes quadros de cactos em vasos pintados pelo artista palestino Asim Abu Shakra.
O artista, que morreu tragicamente de câncer em 1990 aos 28 anos, retratou repetidamente essas plantas resistentes em cores vivas para reivindicar a narrativa que as envolve.
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Para os israelenses, o cacto foi apropriado como um símbolo nacional, muito embora a planta também carregue um sentido profundo para o povo palestino: seus espinhos provêm proteção; seu fruto, sustento. Abu Shakra se inspirou expressamente em sua “capacidade extraordinária de florescer mesmo na morte”. Como notam os autores, sua obra traz “beleza frente à Nakba e suas consequências”.
O apagamento é um tema constante.
Raja e Penny visitam também o Parque Charles Clore, um resort à beira-mar construído sobre as ruínas de Manshiya, cidade costeira conhecida pelos palestinos nativos como “a noiva do mar”.
A história por trás da criação do parque — batizado em homenagem ao bilionário britânico que financiou as obras — e a obliteração de uma cidade de 12 mil habitantes ressoam de forma sombria as ideias do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump de converter Gaza em uma “Riviera do Oriente Médio”.
Os autores reiteram que se trata de uma tragédia histórica ainda em curso: impossibilitados de entrar em Gaza, notam que o apagamento de seu patrimônio cultural busca levar ao desenraizamento de seu povo.
No final do livro, Penny avista uma anêmona vermelha brotando entre os escombros nas colinas de Ramallah. Resta a esperança. Não é possível apagar o passado absolutamente. Pistam seguem vivas para quem olhar com a atenção.
Esta pequena joia literária se revela um chamado para preservar o passado e assegurar um futuro. Sua prosa poética e melancólica segue conosco, muito depois da última página.
Forgotten: Searching for Palestine’s Hidden Places and Lost Memorials (2025), de Raja Shehadeh e Penny Johnson, foi publicado em inglês pela Profile Books.
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Artigo publicado originalmente em inglês na rede Middle East Eye, em 19 de junho de 2025
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