Desde a deflagração do genocídio em Gaza, em outubro de 2023, Israel intensificou o uso deliberado da fome como método de tortura contra prisioneiros em seus campos de detenção, reportou a agência Anadolu, ao conversar com palestinos libertados via recente acordo de cessar-fogo no enclave.
“Após 7 de outubro, as condições nas cadeias mudaram de forma drástica”, comentou Sami Jaradat, de 57 anos, libertado na última semana. “Carcereiros se transformaram completamente em monstros nazistas”.
Jaradat, preso em 2003 e condenado a múltiplas penas perpétuas, notou que seu pior período foi nos últimos 15 meses, quando perdeu cerca de 30 kg, devido às condições abusivas impostas por Israel.
No sábado (1º), o Monitor de Direitos Humanos Euromediterrâneo confirmou que a maioria dos palestinos libertados foram diagnosticados com graves problemas de saúde, incluindo relacionados a negligência médica e perda de peso, o que indica política deliberada de punição coletiva.
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“Israel converteu suas cadeias em instalações institucionalizadas de tortura”, destacou a organização sediada em Genebra.
Humiliação e terror
Jaradat enumerou casos de abuso físico e moral, incluindo fome, ameaças e espancamento.
Palestinos previamente libertados observaram, em contato com a rede Anadolu, que as porções distribuídas, durante as refeições, pelas autoridades carcerárias de Israel foram reduzidas a níveis insuficientes “até mesmo para uma criança de dois anos”.
Sucessivos pedidos de Jaradat — que tem um catéter implantado em seu abdômen — e seus representantes legais, para que o ex-prisioneiro fosse transferido a um hospital, foram negados sistematicamente pelo Serviço Penitenciário de Israel.
“O serviço carcerário não quer que reste nenhum prisioneiro vivo, então nos nega deliberadamente qualquer tratamento médico”, observou.
Em uma das ocasiões, recordou Jaradat, após uma cirurgia malsucedida, um médico assegurou aos carcereiros que o paciente estava estável. No entanto, recebeu como resposta: “Deixa ele morrer. A gente não liga”.
Para o ex-prisioneiro, os guardas israelenses “são desumanos e não têm consciência”.
Destino desconhecido
Jaradat reiterou que as condições dos palestinos de Gaza em custódia de Israel são “extremamente duras [e] trágicas”.
“Não sabemos nada deles, mas ouvimos notícias de que são tratados de maneira ainda pior”, disse o ex-prisioneiro, ao corroborar relatos de palestinos sequestrados em Gaza pendurados de ponta-cabeça, enquanto soldados israelenses feriam seus pés.
O número de prisioneiros do enclave é desconhecido, salvo imagens de multidões de homens e meninos enfileirados, algemados e vendados por tropas israelenses; então carregados em caminhões, em cenas reminiscentes do Holocausto nazista.

Homens palestinos foram presos e despidos pelas forças israelenses em Gaza, conforme um vídeo divulgado em 7 de dezembro de 2023 [Screengrab/X]
Jaradat, nativo de Jenin, no norte da Cisjordânia, foi deportado por Israel à Faixa de Gaza, imediatamente após sua soltura, medida que o impediu de se reunir com sua esposa, seus filhos e seus netos, após décadas de separação.
Marcas de agressão física podem ser ainda vistas no pescoço de Jaradat, que observou que ele e outros 19 palestinos haviam recebido a informação de que seriam mandados ao Egito, mas foram “atirados”, no entanto, nas fronteiras de Gaza.
Soldados israelenses jogaram os prisioneiros para fora do ônibus, enquanto ainda estavam algemados, e então nos agrediram, um por um.
Jaradat foi então forçado a caminhar três quilômetros, até chegar a seu destino.
Centenas de palestinos detidos sob juízo militar e processos políticos foram libertados desde 19 de janeiro, em troca de 18 prisioneiros de guerra israelenses, sob um acordo de cessar-fogo com o movimento palestino Hamas.
Conforme o jornal israelense Haaretz, representantes da Cruz Vermelha expressaram indignação pela forma com que Israel rendeu o último lote de prisioneiros palestinos, atirados nas vias ainda algemados, com as mãos para trás da cabeça.
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Diferente dos palestinos que deixaram as cadeias de Israel, todavia, cidadãos e cidadãs israelenses em custódia da resistência em Gaza foram libertados com boa saúde e sem quaisquer sinais de abuso, inclusive em cerimônias festivas realizadas no enclave.
O acordo de cessar-fogo suspendeu — ao menos por ora — o genocídio israelense em Gaza, com ao menos 47 mil mortos, 111 mil feridos e dois milhões de desabrigados. O enclave, no entanto, foi deixado em ruínas.
Em novembro, o Tribunal Penal Internacional (TPI), sediado em Haia, emitiu mandados de prisão contra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e o ex-ministro da Defesa, Yoav Gallant, por crimes de guerra e lesa-humanidade em Gaza.
O Estado israelense é também réu por genocídio no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), sob denúncia sul-africana deferida em janeiro de 2024.
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