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O porquê do silêncio das feministas no Ocidente

Mulher palestina em uma tenda na Cidade de Gaza, sob bombardeios israelenses há mais de seis meses, em 28 de março de 2024 [Dawoud Abo Alkas/Agência Anadolu]

As feministas ocidentais não estão preocupadas com as mulheres do Oriente, da Palestina, do Iraque, do Irã, do Afeganistão, da Índia, como não estão preocupadas com as mulheres negras ou indígenas daqui; nunca estiveram. Estas são as mulheres “homo sacer”, de Giorgio Agamben, submulheres ou mulheres inferiores, que valem menos que as outras. Suas vidas valem menos, suas existências valem menos, seus filhos valem menos, suas famílias valem menos. A morte delas em nada afeta, não mobiliza tua consciência, coração ou cotidiano, é um detalhe menor, não fará diferença, elas podem morrer, porque seu luto vale menos também.

Isso me lembra a discussão feita pela antropóloga americana Lila Abu-Lughod em 2012, no artigo “As mulheres muçulmanas precisam de salvação: reflexões antropológicas sobre o relativismo cultural e seus outros”, onde sugere que não existe uma essência ou uma natureza feminina, mas sim que somos socialmente construídas, assim como qualquer ser humano, e possuímos outros desejos, outras formas de ser mulher, de se vestir, de crer, de amar etc. E afirma: “Nós precisamos desenvolver uma séria avaliação das diferenças entre as mulheres no mundo — como produtos de histórias diferentes, expressões de diferentes circunstâncias e manifestações de desejos distintamente estruturados”. Portanto, mulheres que não vivem como nós, não pensam como nós, não creem como nós e que tem todo direito a isso. Mas o Ocidente prefere homogeneizar, padronizar, e ignora, inferioriza, quem não acata seus moldes e molduras.

LEIA: A morte de mulheres palestinas e o silêncio das feministas e da academia

Por sua vez, a questão de classe no movimento feminista é outra celeuma, silenciada inclusive. Com o que as feministas ocidentais estão efetivamente preocupadas? Historicamente foram mulheres da elite, que reivindicavam o direito ao voto, por exemplo, e agora, discutem o direito de se vestir, de mostrar ou não o corpo, essas são algumas das apreensões, enquanto as mulheres da classe trabalhadora sequer têm o que vestir. Em outras palavras, suas necessidades são outras, mais básicas, de cunho material e não ideológicas.

As feministas ocidentais estão preocupadas em tirar o véu das muçulmanas; não se preocupam com as suas condições de saúde, de educação, de emprego, de moradia, e outros direitos básicos, elementares para uma vida razoavelmente digna e com qualidade — direitos que são retirados pelo próprio Ocidente com suas guerras e intervenções militares de falso caráter salvacionista e civilizatório.

Toda essa situação é também atravessada pela questão da cor: o discurso das mulheres brancas em detrimento do discurso das mulheres marrons, que sequer têm direito à fala, que sequer são ouvidas. Assim como pela dicotomia, pela suposta oposição Ocidente–Oriente e nesse Ocidente, o chamado Sul Global. A dicotomia mulheres cristãs versus mulheres muçulmanas, a dicotomia mulheres livres ou libertas versus mulheres oprimidas ou subordinadas — enfim, inúmeras as dicotomias inventadas para nos separar. Temos muito a refletir, e muitos preconceitos a dirimir para superar estas distâncias e ajudar nossas irmãs com suas imensas dores e sofrimentos nos diferentes lugares desse mundo.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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