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Há uma grande diferença entre resistência legítima e terrorismo

O braço armado do Hamas, as Brigadas Izz ad-Din al-Qassam, destroem um tanque das forças israelenses na Cidade de Gaza, Gaza, em 7 de outubro de 2023 [Hani Alshaer/Anadolu Agency]
O braço armado do Hamas, as Brigadas Izz ad-Din al-Qassam, destroem um tanque das forças israelenses na Cidade de Gaza, Gaza, em 7 de outubro de 2023 [Hani Alshaer/Anadolu Agency]

Israel e alguns estados árabes têm considerado o Hamas consistentemente como estando na mesma liga que o ISIS/Daesh, apesar das grandes diferenças em sua composição. A posição do Movimento de Resistência Islâmica Palestina sobre o ISIS/Daesh é clara, assim como é em relação aos seguidores de outras organizações nominalmente islâmicas.

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, defende a alegação de que o Hamas e o ISIS/Daesh são “dois lados da mesma moeda”, como ficou evidente em seus discursos mais recentes na ONU, no Congresso dos EUA e na conferência da AIPAC, o grupo de interesse pró-Israel nos Estados Unidos.

Embora a tentativa de Israel de associar a resistência palestina legítima ao terrorismo global não seja nova, o que é notável é a expansão da propaganda israelense, tanto do governo quanto da mídia, para incluir os árabes e o Ocidente. Essa pode ser uma tentativa muito aberta de explorar a aversão global, árabe e islâmica ao deslize de algumas tendências no Oriente Médio em direção à militância e ao terrorismo justificados por textos que afirmam representar o Islã.

Netanyahu e o setor político israelense estão bem cientes de que o Hamas e o ISIS/Daesh não têm nada a ver um com o outro. Os regimes árabes que descrevem os movimentos islâmicos como “terroristas” também sabem disso.

De fato, o Hamas e o ISIS/Daesh são inimigos ferrenhos. Eles diferem em sua visão da jurisprudência islâmica, do conceito de Estado e das relações com seguidores de outras religiões e de nenhuma. Portanto, não é ingênuo tentar relacionar os dois.

Nesse contexto, é preciso observar que o ambiente político no território em que o Hamas está baseado é de ocupação militar pelo Estado sionista de Israel.

O ambiente em que o ISIS/Daesh opera, entretanto, é geralmente autoritário, com conflitos sectários e religiosos, o que é um terreno fértil para o surgimento de atos indiscriminados de violência motivados por ideias extremistas. A natureza autoritária do regime de ocupação de Israel na Cisjordânia está testemunhando atualmente um crescimento de visões extremistas que levam a essa violência, ironicamente, por colonos judeus israelenses, não por palestinos.

Apesar disso, a entidade sionista acredita que pode ser bem-sucedida regional e internacionalmente se investir tempo e recursos na tentativa de convencer o mundo de que o Hamas e o ISIS/Daesh pertencem ao mesmo grupo terrorista. O clima geral na região, como resultado do terrorismo do Daesh, tornou-se mais receptivo à ideia de designar todo e qualquer movimento islâmico como “terrorista”, adotando a narrativa israelense sem questionamentos, com credibilidade ou não.

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Além disso, a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) – que era um grupo terrorista designado até participar da farsa de Oslo – não demonstra nenhuma inclinação para defender o Hamas da calúnia de “terrorista” em fóruns internacionais. Isso se deve à divisão política entre o Fatah, que controla a OLP, e o Hamas, que não é membro da organização.

O Hamas é a ramificação palestina da Irmandade Muçulmana, que é vista como uma ameaça à sobrevivência dos regimes árabes autoritários. A Irmandade é geralmente listada como um grupo “terrorista” por esses regimes, com ligações quase inevitáveis com o ISIS/Daesh. No Egito, diz-se que os dois são a mesma coisa, o que é usado pela comunidade internacional para excluir o movimento da vida política.

Entretanto, o Hamas é uma parte importante da sociedade e da vida política palestinas. Excluí-lo, portanto, representa uma ameaça à estabilidade e é uma incubadora de militância, que afeta o Fatah e seus partidários tanto quanto o Hamas.

A distinção mais importante entre o Hamas e o ISIS/Daesh é a atitude em relação aos seguidores de outras religiões. Quando sua Carta de 1988 foi publicada em seus primórdios, o Hamas usou vocabulário religioso para descrever o conflito com o estado de ocupação. Desde então, isso tem sido usado como uma arma para atacar o movimento. Foram feitas emendas em uma versão de 2017, e o original não é usado como referência por ninguém, exceto, previsivelmente, pelos inimigos do Hamas, que ignoram o documento de 2017 e voltam à versão de 1988.

Tanto o Hamas quanto o ISIS/Daesh são designados como “entidades terroristas globais” por vários países, bem como pela UE e, especialmente, pelo principal benfeitor de Israel, os EUA; isso apesar do fato de o Hamas nunca ter realizado nenhuma atividade de resistência em nenhum outro lugar que não fosse a Palestina histórica ocupada pelo Estado sionista. O ISIS/Daesh, como sabemos, opera em vários locais e ataca qualquer um e todos. Parece, portanto, que a inclusão do Hamas nas “listas de terroristas” é mais uma decisão política do que qualquer coisa ligada a questões legais ou de segurança. Deve-se observar que o Hamas foi incluído nessas listas após o 11 de setembro, mas não teve nada a ver com os eventos daquele dia fatídico.

A natureza política da posição adotada contra o Hamas está refletida na decisão do Tribunal Geral da União Europeia, em 17 de dezembro de 2014, de retirá-lo da lista de terroristas. O Tribunal declarou que sua decisão de inclusão na lista em 2003 foi baseada em relatos da mídia e não em evidências sólidas. No entanto, o movimento continua na lista.

Os movimentos palestinos não devem permitir que suas diferenças políticas com o Hamas sejam usadas como justificativa para acusá-lo de prejudicar a causa palestina globalmente e de prejudicar as relações na arena doméstica. Os palestinos e os árabes devem estar cientes de que a tentativa de Israel de explorar o caos do Oriente Médio, ligando o movimento de resistência ao ISIS/Daesh, deve ser avaliada no contexto de seus esforços para fomentar as lutas internas palestinas e bloquear a unidade palestina. Essa tentativa do estado de ocupação deve ser rejeitada, pois o Hamas é ideológica, intelectual e politicamente um mundo à parte do ISIS/Daesh.

Israel não é uma vítima, como se autopromove, e os palestinos não são terroristas. Israel é um estado de ocupação baseado em limpeza étnica, apartheid e, agora, genocídio. O povo da Palestina ocupada tem todo o direito, segundo a lei internacional, de resistir a essa brutal ocupação militar de suas terras. Sua resistência não é terrorismo.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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