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Desafiando sanções, Rússia vai às urnas para reeleição certa de Vladimir Putin

Vista do Kremlin, em Moscou, em 3 de maio de 2023 [Sefa Karacan/Agência Anadolu]

Cidadãos russos vão às urnas entre esta sexta-feira e domingo (17) para o que parece uma reeleição certa do presidente Vladimir Putin, com mandato renovado até 2030.

Após a imposição de sanções ocidentais à Rússia, devido à invasão ilegal da Ucrânia, a gestão de Putin, no poder há duas décadas, pareceu brevemente ameaçada. Entretanto, seu governo desde então desafiou previsões de detratores.

As informações são da rede de notícias Al Jazeera.

Eleitores de toda a Rússia e das regiões ucranianas anexadas ilegalmente registram seus votos à Presidência da República neste fim de semana. Milhões de russos na diáspora votarão nas embaixadas, consulados ou por e-mail de seus países anfitriões.

A votação se estende por 11 fuso-horários distintos. É a primeira vez que eleitores de 29 regiões podem votar online. O voto antecipado em áreas remotas começou ainda em fevereiro.

Os resultados não devem demorar e o vitorioso será empossado oficialmente em maio. Para vencer a eleição, o candidato deve receber mais da metade dos votos; caso nenhum dos candidatos atinja a cota, haverá segundo turno daqui três semanas.

O pleito remete apenas ao poder executivo. Eleições ao parlamento nacional (Duma) estão marcadas para 2026.

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Uma pesquisa de fevereiro sugere vitória de Putin por 79% dos votos. Será seu quinto mandato como presidente. Os outros três candidatos são figuras amistosas ao Kremlin, avaliadas previamente pelo aparato do regime, incluindo em seu apoio à guerra.

Economia de guerra

No começo da guerra, o Fundo Monetário Internacional (FMI) previu uma recessão prolongada, com contração da economia em 8.5% em 2022 e 2.3% no ano seguinte — contra queda de apenas 1.2% no primeiro ano e crescimento oficial de 3.6% em 2023.

Segundo a plataforma de análise de riscos Castellum, a Rússia foi submetida a um total de 16.587 sanções desde fevereiro de 2022 — na maioria, contra indivíduos. Estima-se que US$300 bilhões em recursos russos tenham sido congelados.

Outras medidas envolvem o mercado de crédito e importações industriais, além de restrições a exportações de gás natural e imposição de teto no preço do petróleo russo.

“Não posso dizer que as sanções não me impactaram”, comentou Nikolai Zlatarev, residente de Moscou que trabalha no setor de educação. “Minhas compras do mês estão um pouco mais caras e tenho de comprar marcas nacionais. Mas duvido que beber Dobry Cola em vez de Coca Cola mude as eleições”.

Apesar da carestia de petróleo e da gastança militar, a Rússia conseguiu mitigar o impacto imediato das sanções internacionais. O resultado a médio e longo prazo, porém, é ainda incerto.

O orçamento militar subiu de 3.9% do produto interno bruto (PIB) a 6% em 2023 — maior número desde o colapso da União Soviética. Neste ano, espera-se que o custo do exército e de suas atividades chegue a quase um terço das despesas do governo.

Não obstante, um investimento considerável no setor de indústria e tecnologia bélica, junto a medidas previdenciárias a soldados mortos na guerra, levou a um aumento nos salários.

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O gigantesco setor de energia da Rússia foi responsável direto por manter o fluxo de capital nos cofres públicos, à medida que empresas locais realizavam esforços para substituir bens importados de países ocidentais.

Segundo Konstantin Sonin, economista político da Universidade de Chicago: “A Rússia continuou a vender quantidades enormes de combustíveis fósseis. Embora seja verdade que as exportações de petróleo e gás natural tenham caído por causa das sanções, os preços elevados mantiveram as receitas altas”.

“É importante lembrar o tamanho do setor russo de combustíveis fósseis”, acrescentou Sonin. “Domesticamente, os recursos de petróleo equivalem a quase um terço da receita fiscal e metade das exportações”.

De acordo com a Escola de Economia de Kiev, Moscou vendeu US$178 bilhões em petróleo no ano passado e pode chegar a US$200 bilhões neste ano — não muito longe do recorde de US$218 bilhões em 2022.

Em maio de 2022, pouco depois de eclodir a guerra, a União Europeia concordou em cortar 90% de todas as exportações de petróleo russo. Em dezembro, Austrália e países do G7 estabeleceram um teto de US$60 no preço de comercialização do barril de petróleo cru — muito abaixo do mercado.

O Kremlin reagiu às medidas, confirmou Mohammed Yagoub, executivo do mercado radicado na Suíça: “A Rússia construiu uma grande ‘frota clandestina’, cujos proprietários dos barcos são opacos e isentos de laços ocidentais em termos de finanças e seguros. Encontrou ainda compradores não-ocidentais com descontos especiais, como China e Índia”.

“No mês passado, a maior parte do petróleo russo foi vendido acima de US$60, apesar de países ocidentais buscarem conter a situação”, observou Yagoub, ao indicar medidas dos Estados Unidos para fiscalizar e reprimir empresas que violem as medidas.

“No último ano, Moscou teve sorte. Os países ocidentais não queriam fechar as torneiras porque isso levaria a uma inflação global. Então deixaram seguir como antes da guerra”.

A Rússia também descobriu formas de driblar as sanções ao utilizar países intermediários, seja para importação ou exportação.

Alguns observadores, no entanto, insistem em negar que a campanha contra Moscou saiu pela culatra. “As sanções estão funcionando”, disse Liam Peach, analista de mercado da Capital Economics, em conversa com a rede Al Jazeera.

Segundo Peach, a queda nas exportações levou à depreciação cambial e carestia nas importações. Para conter a inflação doméstica, o Banco da Rússia aumentou as taxas de juros a 8.5% em 2023, de modo a desacelerar o crescimento econômico.

Putin enfrenta ainda a falta de mão-de-obra por seus esforços de guerra. De acordo com o Ministério da Defesa do Reino Unido, entre mortos e feridos, cerca de 350 mil russos recrutados em massa deixaram de contribuir para o setor produtivo. Estimativas apontam que até um milhão de russos — ou 1% da mão-de-obra — emigraram desde a invasão.

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Peach reconhece, no entanto, que a desaceleração gradual da economia não será uma ameaça. “A Rússia enfrentou sua cota de crises nas décadas passadas. Enquanto a inflação e o rublo se mantiverem relativamente estáveis, será improvável a queda do governo”.

Para Zlatarev, em Moscou, as condições continuam melhores do que na década de 1990. “Comparado àquela época, está tudo bem. Mesmo que os custos do conflito sejam altos, Putin ainda é visto com bons olhos. Conheço muita gente que votará nele”.

Mão de ferro

  As eleições, todavia, não prescindem de controvérsias.

Realizadas também na Crimeia e nas regiões anexadas em 2022 — Luhansk, Donetsk, Zaporizhia e Kherson —, o pleito é condenado como fraude pela Ucrânia e países aliados.

Em dezembro, o ministério de Relações Exteriores da Ucrânia emitiu uma nota condenando a decisão russa de realizar eleições nos territórios ocupados, ao pedir medidas ocidentais. “Qualquer eleição na Rússia não tem a ver com democracia. Serve apenas como instrumento para manter o regime no poder”, declarou Kiev.

Nesta quarta-feira (13), Putin acusou as forças ucranianas de intensificarem seus ataques através da fronteira, com suposto intuito de interferir no pleito.

O mais conhecido opositor de Putin, Alexey Navalny — notório por declarações de cunho xenófobo, porém alinhado a políticos ocidentais — morreu subitamente na prisão no começo de março. Outros críticos ao regime foram aprisionados ou exilados.

O oposicionista Boris Nadezhdin, por exemplo, tentou concorrer contra Putin com uma campanha antiguerra, mas teve a candidatura cassada por supostas irregularidades encontradas pela Comissão Eleitoral Central (CEC). Nadezhdin capitulou há semanas.

Em janeiro, o Escritório de Instituições Democráticas e Direitos Humanos (ODIHR) — afiliado à Organização para Segurança e Cooperação da Europa (OSCE) — lamentou não ter sido convidado a monitorar as eleições realizadas na Rússia.

“É bastante inoportuno que o revés democrático chegou a tal ponto que não podemos estar em campo neste ano, mas continuaremos, é claro, a observar a situação”, declarou Pia Kauma, presidente da Assembleia Parlamentar da OSCE.

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