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Palestinos pagam preço pela cumplicidade colonial da ONU com Israel

Sede da Agência das Nações Unidas para Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA), destruída pelos ataques de Israel, na Cidade de Gaza, em 11 de fevereiro de 2024 [Karam Hassan/Agência Anadolu]
Sede da Agência das Nações Unidas para Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA), destruída pelos ataques de Israel, na Cidade de Gaza, em 11 de fevereiro de 2024 [Karam Hassan/Agência Anadolu]

A Agência das Nações Unidas para Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA) foi estabelecida em dezembro de 1949 e começou a operar em maio do ano seguinte, supostamente até que a Organização das Nações Unidas (ONU) chegasse a uma solução ao que descreveu como o “problema dos refugiados palestinos”. Naqueles primeiros anos de colonização israelense, a ONU teve uma oportunidade marcante de se opor à expropriação do país. Contudo, optou por restringir os palestinos a um quadro humanitário, enquanto a ocupação israelense construía suas ramificações sobre o território nativo.

Observemos três aspectos do assunto: a colonização ilegal israelense, a assistência humanitária e o direito legítimo de retorno do povo palestino. A assistência humanitária é incapaz de indenizar os refugiados palestinos pela expansão dos colonatos, tampouco lhes dá quaisquer prospectos ao direito de retorno.

A cumplicidade histórica entre Israel e a ONU não poderia, portanto, tornar-se mais clara do que nos últimos cinco meses de genocídio em Gaza.

Tome em consideração, por exemplo, as palavras recentes do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, ao Conselho de Direitos Humanos. Prevalece a narrativa israelense. “As operações militares de Israel em Gaza, após os ataques terroristas do Hamas, em 7 de outubro”, disse o secretário. Guterres lembrou a assembleia ter invocado o Artigo 99, medida sensacionalista e insignificante considerando que sua organização permitiu à ocupação israelense se manter acima da lei internacional até então. Em seguida, descreveu a assistência humanitária a Gaza como “insuficiente” — o que é verdade —, entretanto, sem sequer mencionar o agente por trás da fome — isto é, Israel.

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Guterres ecoa ainda um apelo insípido por “cessar-fogo humanitário e soltura imediata e incondicional de todos os reféns”. Novamente, sem jamais reconhecer genocídio, muito menos a cumplicidade da ONU com tamanho massacre.

Antes de se deflagrar a atual campanha genocida em Gaza, a ajuda humanitária aos palestinos locais já era “insuficiente”. A amnésia seletiva da ONU tem de ser retificada. Socorro humanitário deve ser um meio meramente temporário para aliviar a crise e não um projeto de décadas em franca coexistência com a expansão colonial de Israel. Para muito além da cumplicidade deliberada, ao garantir que os palestinos não tenham direitos básicos, incluindo os direitos à resistência e libertação, a população de Gaza é submetida a limitações humanitárias profundamente arbitrárias, privada de suas necessidades para subsistência.

Tudo isso antecede em muito 7 de outubro. Israel agora avançou em sua política de “pôr os palestinos em dieta” — como Dov Weissglas afirmou uma vez, tão descaradamente — a esforços evidentes para matá-los de fome. Franco-atiradores atacam caminhões humanitários; colonos obstruem as vias de fronteira; palestinos são mortos em massa enquanto tentam resgatar suprimentos escassos jogados do céu. As primeiras vítimas da grande fome imposta por Israel já foram anunciadas, mas tudo que Guterres é capaz de dizer é que a assistência encaminhada a Gaza é “insuficiente”.

Israel deixou nu o paradigma humanitário da ONU, ao atacar tanto os serviços assistenciais quanto os palestinos carentes por décadas a fio. Mesmo agora, com tamanha evidência de que a fome é utilizada como parte de um extenso maquinário de extermínio, Guterres teme somente uma “ofensiva aberta contra Raffah … como prego no caixão de nossos programas assistenciais”. Guterres, seu paradigma humanitário sempre esteve fadado ao fracasso. Como o senhor se sente ao ver sua fachada sucumbir, sem sequer alternativa senão aguardar que a ocupação israelense termine o trabalho — para usarmos seus termos hediondos? Os palestinos, no entanto, têm uma alternativa, que deveria ser prioridade desde o princípio: a descolonização. As Nações Unidas não têm para onde correr caso seu paradigma humanitário seja desmantelado, senão alinhar-se a Israel. Lamentavelmente, são os palestinos que continuam a pagar o preço por sua cumplicidade colonial.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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