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Hasna Ait Boulahcen: De menina de rua ao envolvimento com núcleos terroristas

Parisienses acendem velas em frente à casa de shows Bataclan, em memória das vítimas de um atentado terrorista do grupo Daesh (Estado Islâmico), em novembro de 2015 [Kiran Ridley/Getty Images]

Em 2015, Hasna Ait Boulahcen se tornou conhecida pela mídia como primeira mulher bomba da Europa, após morrer em uma explosão no subúrbio de Paris, três dias depois do atentado à casa de shows Bataclan, em novembro daquele ano. Posteriormente, entretanto, houve retratação, à medida que informações emergiram de que ela não fora responsável pela detonação. Hasna foi morta durante uma incursão de sete horas da polícia parisiense em um apartamento em Saint-Denis, após um indivíduo distinto realizar o ataque.

Ora ao rotulá-la como uma “menina festeira” ou “cowgirl francesa [que] nunca abriu o Alcorão”, a imprensa ocidental pareceu tropeçar em informações imprecisas sobre Hasna, muito embora se esforçasse para pintar um retrato sensacionalista sobre a personagem. A história de Hasna foi assim explorada pela mídia, em parte porque ela se comportava supostamente de uma maneira que meninas ou mulheres não deveriam.

Dezesseis anos antes, veríamos Hasna e sua irmã, Myriam, correndo pelas ruas parisienses com vestidos cor-de-rosa quase idênticos, dormindo nas proximidades da Torre Eiffel, após sua mãe — nascida no Marrocos — espancar ambas e expulsá-las de casa. É essa a história do novo filme de longa-metragem “You Resemble Me”, biografia ficcionalizada de Hasna, com coprodução dos célebres diretores americanos por Spike Lee e Spike Jonze, que promete enxergar o personagem e sua jornada com mais profundidade e nuance.

Com base em 320 horas de entrevistas com familiares e amigos de Hasna, “You Resemble Me” mostra o que acontece quando a sociedade falha em proteger uma criança. Após serem pegas furtando de uma feira, o conselho tutelar francês promete separar as irmãs, embora expressem desespero para permanecerem juntas. Em uma cena perturbadora, as meninas gritam ao serem levadas a localidades diferentes.

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Curiosamente, assisti “You Resemble Me” no mesmo dia da transmissão de um painel da rede BBC intitulado “Protecting Our Children”, que expõe os impactos devastadores da má gestão do Estado sobre crianças sob sua tutela, incluindo gêmeos separados, entre outros casos.

Não foi apenas a separação de sua irmã que traumatizou Hasna. Em sua nova casa, foi forçada a comer porco, contra suas raízes islâmicas, mesmo que se recusasse a fazê-lo. Enquanto crescia, Hasna foi relegada a drogas e prostituição, o que jamais deixou de assombrá-la, mesmo quando conseguiu um emprego em uma rede de fast-foods.

Traumatizada, abandonada e sozinha, ainda jovem, Hasna foi aliciada e manipulada online por seu primo Abdelhamid Abaaoud, então um militante extremista, que tentou persuadi-la a viajar para a Síria, em um exemplo clássico de exploração de pessoas vulneráveis Abdelhamid também foi morto pela operação, designado como chefe dos ataques em Paris e “homem mais odiado” da França.

“You Resemble Me” instiga um debate desconfortável sobre a eventual humanização de alguém como Hasna Ait Boulahcen, e sobre formas de compreender sua jornada. A cineasta Dina Amer comentou os ataques em Paris, ao reiterar que o filme não tem como intuito justificar as ações de Hasna, mas sim explicá-las para que as pessoas compreendam a importância de investir nos jovens, não apenas mediante esforços militares e de policiamento.

“You Resemble Me” faz um bom trabalho em explicar o caminho que pode arrastar as pessoas a uma espiral descendente uma vez privadas de sua família. Hasna não foi apartada somente de uma rede de apoio familiar, como mesmo de sua fé, o que a tornou suscetível ao abuso, tráfico humano e à exploração.

Como jovem francesa de raízes marroquinas, a história de Hasna parece ecoar Shamina Begum, também aliciada aos 15 anos de idade para juntar-se ao Estado Islâmico (Daesh), ao fugir com duas amigas da escola até a Síria.

Tanto Shamima quanto Hasna estiveram envolvidas em grupos que cometeram atrocidades, não podemos negar isso. Contudo, uma é cidadã da Inglaterra e outra da França e ambos os países deveriam assumir suas responsabilidades, sobretudo em salvaguardar a infância, para prevenir que outras meninas recorram ao mesmo caminho.

“You Remember Me” estreia em Nova York, no Festival de Cinema Human Rights Watch, em 20 de maio de 2024.

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