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Lula e o genocídio do povo palestino promovido pelo Estado sionista

Ato pró-Palestina em frente ao Consulado de Israel [Rovena Rosa/ Agência Brasil]
Ato pró-Palestina em frente ao Consulado de Israel [Rovena Rosa/ Agência Brasil]

Se algum desavisado ler portais da mídia brasileira vai chegar a uma conclusão equivocada: que estamos em uma crise diplomática sem precedentes entre o Brasil e o Estado sionista.

O suposto escândalo internacional teria sido iniciado após a declaração do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, em entrevista coletiva na cidade de Adis Abeba, capital da Etiópia, no retorno de sua viagem ao continente africano, onde participou como convidado da 37ª reunião de cúpula da União Africana. Lula respondeu a uma pergunta delicada comparando —apropriadamente — o holocausto promovido pela Alemanha nazista contra os judeus da Europa com o genocídio palestino perpetrado pelo apartheid sionista.

A mídia brasileira repercutiu bastante, quase como extensão das relações públicas de Tel Aviv, mas um levantamento realizado 24 horas após a fala do mandatário brasileiro comprova o oposto.

As corporações de mídia dos Estados Unidos, como CNN, NBC, MSNBC, Washington Post e New York Times, simplesmente não falaram sobre o assunto. Os veículos de comunicação mais respeitados da Europa, como France 24 (França), BBC (Reino Unido), RAI (Itália), Deutsche Welle (Alemanha) e RTVE (Espanha) tampouco falaram nada. Na imprensa sionista — produzida na Palestina ocupada —, o jornal Haaretz superou o tema já a partir da segunda-feira (19) e o Jerusalem Post publicou uma manchete de terceiro nível — no entanto, sem dar muito destaque. Mesmo a rede de notícias Al Jazeera, mais importante mídia árabe com publicação em língua inglesa, deu destaque de capa, contudo na subseção de América Latina. Apenas a versão em língua portuguesa da alemã da Deutsche Welle e a mídia portuguesa da RTP repercutiram o episódio como uma manchete secundária na capa de seus portais.

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Horas antes, o jornalista Leandro Demori publicava corroborava: “Neste momento: Quantidade de jornais pelo mundo que destacam a fala do Lula em suas capas (NY Times, Washington Post, La Repubblica, Guardian etc.): zero. Quantidade de líderes que apoiaram Netanyahu ou repreenderam a fala de Lula: zero. Esse é o tamanho da ‘crise diplomática’”.  Em seguida, o repórter e colunista do ICL e ex-Intercept Brasil afirmou algo notavelmente lúcido: “Lula chegou atrasado no assunto. O genocídio acontece há meses. Os métodos estão expostos há meses. A minha crítica ao Lula é justamente essa: o Brasil demorou para tomar uma postura mais firme e sem meias palavras.”

Na segunda-feira, 19 de fevereiro, diante da resposta israelense, o presidente Lula convocou de volta o embaixador brasileiro no território designado Israel — isto é, ocupado durante a Nakba ou “catástrofe” em 1948. A nota foi prontamente divulgada por diversos jornais brasileiros, entre os quais a seção da colunista Mônica Bergamo, na Folha de São Paulo.

No mesmo dia, a primeira-dama do país, Janja da Silva, com forte presença nas redes sociais, defendeu o presidente no antigo Twitter, ao reafirmar:

“Orgulho do meu marido que, desde o início desse conflito na Faixa de Gaza, tem defendido a paz e principalmente o direito à vida de mulheres e crianças, que são maioria das vítimas. Tenho certeza de que se o presidente Lula tivesse vivenciado o período da Segunda Guerra, ele teria da mesma forma defendido o direito à vida dos judeus. A fala se referiu ao governo genocida e não ao povo judeu. Sejamos honestos nas análises. Perguntei certa vez a uma jornalista por que a imprensa não divulga as imagens do massacre em Gaza, ao que ela me respondeu: ‘Porque são muito fortes, as imagens das crianças mortas’. Se isso não é esconder o genocídio, eu não sei o que é.”

A chamada “grande mídia”, conforme denuncia a própria Janja, trata a ofensiva militar iniciada como resposta da operação liderada pela resistência palestina em 7 de outubro de 2023 como se fosse uma “guerra”. Longe de ser verdade, o conflito é assimétrico e toma como refém a população da Palestina ocupada em 1967 através do financiamento dos Estados Unidos para o Estado sionista implantado nos territórios de 1948. Considerando que a superpotência teria enviado no mínimo, entre outubro e fevereiro de 2024, US$ 15 bilhões, fica claro que se trata de genocídio. A expulsão de toda a população — limpeza étnica, pogrom — para a Península do Sinai é a meta estratégica já anunciada pelo gabinete do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu.

Já a alegada “oposição moderada”, comandada pelo carniceiro de Gaza, o general da reserva Benny Gantz, pronunciou um ultimato ao Hamas e disse que a organização político-militar tem até o dia 10 de março, início do Ramadã, para libertar os prisioneiros de guerra. Caso contrário, conforme a ameaça, o Estado sionista irá aumentar os ataques, incluindo um avanço em Rafah, cidade que abriga 1.5 milhão de palestinos.

“O mundo deve saber, assim como os líderes do Hamas: se até o Ramadã nossos reféns não estiverem em casa, os combates continuarão em todo lado, incluindo em Rafah”, prometeu Gantz. Em companhia do próprio Netanyahu, a ameaça macabra não se constrangeu, em particular, debaixo dos aplausos de lobistas e financiadores, durante a chamada Conferência dos Presidentes das Principais Organizações Judaicas Americanas — um guarda-chuva de grupos sionistas que atuam nos Estados Unidos.

Gantz e Netanyahu competem para ver quem eleva mais o tom das ameaças, à medida que segue o embate diplomático. Neste entremeio, embaixador do Brasil nos territórios de 1948 foi convocado pelo chanceler de Netanyahu, Israel Katz, a uma reunião de reprimenda, realizada em pleno Museu do Holocausto. Na sequência, o ministro de Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, decidiu convocar o embaixador israelense em Brasília para uma conversa em tom combativo, além de retirar seu emissário nacional, Frederico Meyer, de Tel Aviv.

A agenda política brasileira pauta a mídia do país

A franquia da CNN Brasil, sob controle do empresário de construção civil Rubens Menin —presidente da MRV Engenharia e investidor do Clube Atlético Mineiro —, exagera na repercussão, ao insistir que o “improviso levou Lula a uma fala desastrosa”, reproduzindo comentários de supostos diplomatas. A organização de mídia, até recentemente simpática ao bolsonarismo, acrescentou comentários na base do fontismo: “Fontes diplomáticas israelenses ouvidas pela CNN pontuaram que Israel foi atacado por terroristas, que mataram pessoas e fizeram reféns, gerando uma reação que provocou a guerra em Gaza”.

Já a Bandeirantes, sob controle da família árabe-libanesa Saad, afirma que o mandatário brasileiro deve “diminuir o tom, mas não pedir desculpas”, corroborando Celso Amorim, ex-chanceler e assessor especial para assuntos internacionais. O portal de O Globo, G1 —sob controle da família Marinho — insistiu na classificação do presidente brasileiro como “persona non grata” vinda do apartheid sionista na Palestina ocupada. No domingo a TV Globo divulgou uma absurda gravação do ideólogo sionista André Lajst de dentro de um carro, normalizando a ocupação e a guerra de extermínio em Gaza e a limpeza étnica na Cisjordânia. O portal R7, cujo conglomerado está sob controle de Edir Macedo, líder neopentecostal da Igreja Universal e apoiador incondicional do sionismo, expôs a reunião do presidente brasileiro com assessores diretos, como forma de tentar controlar o embate diplomático com o Estado sionista.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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