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Perfil: Sheikh Ahmed Yassin, fundador do Hamas

Em 1948, junto de centenas de milhares de palestinos expulsos de suas terras pelos esforços de limpeza étnica do nascente Estado de Israel, incluindo sucessivos massacres, um menino chamado Ahmed Yassin e sua família foram forçados a fugir para a Faixa de Gaza, uma parte da Palestina histórica que se tornou sinônimo de refúgio, violência e resistência, nas décadas desde então. Sua aldeia natal de al-Jura, como centenas de comunidades nativas, foi varrida do mapa durante a Nakba ou “catástrofe”, por ações das milícias coloniais sionistas.

Quando tinha 12 anos de idade, Ahmed Yassin brincava com alguns amigos na costa de Gaza quando sofreu um estranho — e ainda misterioso — acidente, quebrando algumas vértebras de seu pescoço. O acidente o deixou no estado que passou a definir sua imagem porém não seu legado: um tetraplégico parcialmente paralisado, que dependia de uma cadeira de rodas e ajuda de terceiros para viver sua vida.

Após concluir sua educação secundária em Gaza, Yassin trabalhou como professor do idioma árabe e de estudos islâmicos até 1964, quando se matriculou no Departamento de Inglês da Universidade Ain Shams, no Cairo. Ali, passou somente um ano, em meio a crises de saúde e dificuldades financeiras. Alguns relatos, no entanto, apontam para a repressão das forças do governo egípcio, que o detiveram brevemente em 1965, como razão para sua saída.

Hamas cria raízes

Não importa a razão, o jovem Yassin não teve opção senão voltar a Gaza — na época, ainda sob controle do Egito. Apesar das circunstâncias de seu retorno, Yassin regressou a sua casa com uma profunda influência das ideias então revolucionárias da Irmandade Muçulmana e passou a trabalhar para seu ramo palestino.

Yassin conquistou pouco a pouco a reputação de um dos mais respeitados oradores de Gaza, dando sermões eloquentes nas orações de sexta-feira e ganhando seguidores. Na década de 1970, Yassin trabalhou sobretudo com esforços humanitários, via sua organização Mujama al-Islamiya, ao construir instalações e promover serviços — incluindo centros comunitários, clínicas, locais de lazer, refeitórios públicos e até mesmo bancos de sangue.

Israel, a princípio, pareceu aprovar seu trabalho beneficente, como suposta alternativa para táticas então mais militantes da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), de Yasser Arafat. No entanto, em 1984, as forças da ocupação israelense detiveram Yassin ao acusá-lo de coletar e distribuir armas para supostos atentados. Condenado a 13 anos de prisão, não obstante, Yassin foi libertado em 1985, como parte do chamado Acordo de Jibril, uma troca de prisioneiros entre Israel e a Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), na qual mais de 1.500 reféns palestinos foram libertados.

Em 1987, vinte anos depois da ocupação de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental, durante a Primeira Intifada, o sheikh Ahmed Yassin reuniu-se com outros ativistas e combatentes da liberdade para criar o Hamas, acrônimo em árabe para Movimento de Resistência Islâmica.

Luta e legado

Cofundador do Hamas, Yassin voltou a ser preso em 1989, sentenciado a 40 anos de prisão, dessa vez, acusado de incitar a violência e ordenar o assassinato de um soldado israelense. Dois de seus filhos, no entanto, se voluntariaram para acompanhar Yassin ao cárcere, devido à deficiência do pai. Foram oito anos atrás das grades, até serem liberados em 1997, sob um acordo firmado pelo então rei Hussein da Jordânia, após agentes do serviço de espionagem israelense Mossad tentarem assassinar o líder político do Hamas, Khaled Meshaal, em Amã, sendo capturados pela polícia local.

Os anos na prisão pesaram sobre os ombros de Yassin, agravando seus problemas de saúde, deixando-o cego do olho direito, quase surdo e com graves problemas respiratórios.

Israel jamais teve a intenção de permitir ao homem que se tornou líder espiritual do Hamas que continuasse ativo e, nos anos seguintes, passou a conspirar para executá-lo e aniquilar, portanto, sua influência. No início dos anos 2000, o governo israelense, sob o então premiê Ariel Sharon começou a prenunciar abertamente o assassinato de Yassin. Em 6 de setembro de 2003, um jato militar F-16 disparou mísseis a um prédio na Cidade de Gaza onde estava o líder palestino, mas conseguiu apenas feri-lo.

Foi apenas em 22 de março de 2004 que os israelenses conseguiram assassiná-lo, apesar de uma enorme dificuldade, dado que Yassin tinha o costume de habilmente mudar ou omitir sua agenda. Nove pessoas morreram, quando helicópteros da ocupação investiram contra o sheikh, de cadeira de rodas, quando este deixava uma mesquita após as primeiras preces da manhã. O assassinato gerou repúdio internacional, tanto por apoiadores da causa palestina, quanto por apologistas israelenses que advertiram para um erro tático, causando prejuízo ao “processo de paz” promovido por Washington.

Dezenove anos após seu assassinato, cerca de 85 anos após seu nascimento, Ahmed Yassin continua uma figura celebrada por seus concidadãos, mas condenada como “terrorista” por detratores e ideólogos coloniais, acusado de ordenar atentados que tomaram a vida de civis e soldados israelenses. As forças ocupantes insistem até hoje que, caso não neutralizassem o debilidade orador, novas mortes ocorreriam.

Aqueles próximos a Yassin costumam exaltá-lo por seu um líder resiliente e disciplinado que, apesar de passar sua vida em uma cadeira de rodas, criou um perseverante movimento de resistência nacional que toma as manchetes globais até os dias de hoje. Os correligionários de Yassin costumam citá-lo como uma figura íntegra, que contrapôs a corrupção crescente da Autoridade Palestina após a morte de seu conterrâneo Yasser Arafat — em particular, ao denunciar a coordenação de segurança junto a Israel, em favor das promessas do “processo de paz”.

Não importa nossa opinião pessoal sobre Ahmed Yassin, não resta dúvida de que seu legado junto ao Hamas é mais relevante hoje do que nunca. Após a operação conduzida pelas forças militares do Hamas em 7 de outubro, o governo de extrema-direita deflagrou uma nova fase de seus esforços de genocídio contra o povo palestino, tanto na Cisjordânia quanto em Gaza, sob o pretexto de destruir a dissidência.

O Hamas, ao menos como conhecemos, pode estar perto de seu ocaso; ou quem sabe pode ter êxito em responder à implacável ofensiva israelense com novas táticas de guerrilha. Sua liderança pode ser forçada a deixar Gaza, mas sua influência no exílio não deve minguar. Seja qual for o destino do Hamas, muitos continuam a saudá-lo como força de resistência contra a colonização e ocupação israelense da Palestina histórica, ao insistir na luta armada apesar dos esforços de criminalização e difamação pela propaganda de guerra do imperialismo no Ocidente. A resiliência do Hamas certamente é resultado dos ensinamentos e da postura do sheikh Ahmed Yassin.

LEIA: Das páginas da história palestina – Sheikh Ahmed Yassin

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