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Sumud: Nascimento, história oral e perseverança na Palestina

Autor do livro(s) :Livia Wick
Data de publicação :Janeiro de 2023
Editora :Universidade de Siracusa
Número de páginas do Livro :200 páginas
ISBN-13 :9780815637882

“Narrativas orais sempre suscitam a questão de quais vidas e formas culturais são realmente isoladas, apagadas e marginalizadas, ao trazer sua narrativa ao primeiro plano”, escreve Livia Wick na introdução de seu novo livro, Sumud: Birth, Oral History and Persistence in Palestine  (Sumud: Nascimento, história oral e perseverança na Palestina, 2023). A pesquisa de Wick se desenvolve em meio a um quadro histórico no qual a história oral palestina embarcou em diferentes trajetórias da Nakba em diante, ao passar por uma inflexão marcante em 1967, rumo ao nacionalismo e contribuições de gênero e classe, sobretudo à forte participação das mulheres nas ações e narrativas nacionais.

Reitera Wick: “A história oral nos territórios ocupados hoje tem natureza de gênero e classe, em seu modelo de observação da Palestina, comumente co-produzida por mulheres jovens, refugiadas, trabalhadoras ou campesinas”. O enfoque do livro ao ato de dar à luz nas terras ancestrais da Palestina reúne uma série de narrativas de mulheres e profissionais de saúde, à medida que navegam por suas vidas pessoais, ideologias e ações de militância no contexto de colonialismo e ocupação militar de Israel.

O estudo demonstra ainda que muitas das profissionais de saúde e parteiras vêem seu papel como um esforço pragmático e cotidiano e não necessariamente como parte da resistência, ao contrário de muitas mães palestinas entrevistadas pela autora. Não obstante, a ocupação israelense está amplamente presente nas narrativas orais sobre o nascimento, à medida que mães e parteiras recordam o impacto dos bloqueios militares, assim como as restrições ao exercício da medicina em todas as suas formas. “As narrativas de mães de primeira viagem são predominantemente despolitizadas e desnacionalizadas”, explica Wick, ao destacar, no entanto, que a ocupação está nas raízes e no âmago de muitos dos temores das mulheres em termos de relacionamento e estrutura familiar. O nascimento, como argumenta a autora, se associa também a histórias de perda e mudanças drásticas na estrutura familiar devido a ocupação, colonização e apartheid. Portanto, embora a noção de sumud esteja vinculada a atos de resistência nacional não-violenta, ainda assim cobra seu preço na vida cotidiana dos palestinos.

O livro observa que a memória não segue uma trajetória linear e que a história oral também emprega diversas formas de linguagem. Narrativas orais de parteiras, por exemplo, falam da pobreza, da luta e da incerteza de um futuro. O conceito de sumud é descrito como o mero ato de permanecer na Palestina, apesar dos graves problemas referentes a trabalho e salário oriundos do Mandato Britânico e da ocupação israelense. As parteiras relacionam educação e emprego à independência financeira. “São comuns narrativas na história oral de mulheres com um senso forte de identidade, por vezes desligadas de parentes masculinos”. De fato, suas narrativas despolitizadas, embora fortemente identitárias, contrastam com aquelas dos médicos a serviço nas instituições de Estado, que associam seu trabalho a uma arrojada luta por sobrevivência sob ocupação.

Médicos costumam recorrer ao conceito de sumud para contextualizar suas atividades em termos de resistência à colonização, com referência marcante aos incidentes de 1967 e à Primeira Intifada. O hospital de Makassed, por exemplo, é cenário comum na promoção do sumud pela Organização para a Libertação da Palestina (OLP), com recursos de doadores – em particular, governos árabes – como parte dos esforços para ajudar os palestinos a sobreviver, em meio a outros atos voltados a dar fim à ocupação israelense. Observa Wick: “Makassed, portanto, não apenas tem o apoio de financiamento contínuo, como também de um ideário enraizado que mobiliza recursos e atividades”.

Relatos das parteiras de Makassed se concentram mais nas complexidades enfrentadas em seu trabalho profissional no hospital do que na resistência política, ao descrever os médicos como dissociados de seu papel em auxiliar os nascimentos. As parteiras, reafirma a autora, “identificam os médicos como parte de uma elite privilegiada cuja distinção auto-atribuída se baseia no trabalho de terceiros”. Para elas, o conceito de sumud significa continuar perto de sua base social, ao fornecer serviços conforme as expectativas das mulheres e trazer à tona uma orientação marginalizada da história oral.

Wick proporciona ao leitor um importante contexto histórico dos esforços de saúde popular na Palestina, sobretudo na década de 1970, quando médicos graduados na União Soviética e outros países socialistas retornaram ao país para levar serviços de saúde a áreas rurais, de modo a abordar desigualdades sociais e de acessibilidade. O conceito de levar cuidados médicos ao povo – e não levar o povo aos locais de serviço, muito embora concentrado na medicina preventiva – tornou-se enfoque nos esforços de saúde. A saúde da mulher se tornou prioritária e seu alcance se ampliou por meio de visitas a domicílio e clínicas móveis. O movimento de saúde popular enfrentou, no entanto, desafios substanciais devido a sua “clandestinidade”, à medida que Israel deixava de permitir que serviços se desenvolvessem. Como consequência, a burocracia transformou o movimento em si, sob influência de facções nacionais e do financiamento estrangeiro, ao mitigar seu caráter de resistência a um semblante de organização não-governamental.

As histórias das mulheres estão na vanguarda dessa pesquisa, não somente por seu enfoque temático, como também, como explica a autora, pela disposição das mulheres palestinas em participar do processo de edificação da história oral em escala ainda superior à dos homens. A história oral palestina costuma ser tratada como sinônimo da resistência no contexto da Nakba. A pesquisa de Wick traz uma nova dimensão bastante intrigante ao leitor, resultando em um retrato detalhado de experiências palestinas negligenciadas há tempo demais.

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