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Gaza inaugura novo acrônimo: CFSFS — Criança Ferida Sem Família Sobrevivente

Criança desconhecida “n° 999” sofre ferimento gravíssimo na cabeça devido aos ataques de Israel contra a Faixa de Gaza. Seu crânio, na parte de trás da cabeça, está exposto, com uma abertura de 2 cm de diâmetro.

Um mês de bombardeios ininterruptos contra áreas civis densamente povoadas exacerbou a já gravíssima crise de saúde mental entre as crianças palestinas de Gaza, com consequências incomensuráveis, à medida que abrigos e hospitais — dentre os quais, centros de pediatria e psiquiatria — são aniquilados.

O alerta foi emitido pela ong Save the Children.

Nos últimos 30 dias, ao menos 4.008 menores foram mortos em Gaza, além de 1.270 desaparecidas sob os escombros — provavelmente mortas. Outras 43 crianças foram executadas sumariamente na Cisjordânia ocupada.

Com ataques aéreos israelenses contra milhares de instalações civis, como escolas, igrejas, mesquitas e hospitais, a violência, o medo, o luto e a incerteza deixam um impacto severo em crianças e adolescentes que não têm para onde fugir.

Ao menos 444 famílias perderam dois a cinco membros para os bombardeios, nas últimas quatro semanas, segundo o Ministério da Saúde do governo local. Ao menos 192 famílias perderam dez ou mais membros, deixando as crianças sobreviventes sem suporte afetivo, mecanismo crítico a indivíduos em formação que vivenciam um trauma.

Profissionais de saúde em Gaza, assim como a ong Médicos Sem Fronteiras (MSF), destacam que o número de crianças que chega ao pronto-socorro sem nenhum familiar vivo é tão alto que se tornou necessário adotar um novo acrônimo: em inglês, WCNSF (“Wounded Child No Surviving Family”); em português, CFSFS (“Criança Ferida Sem Família Sobrevivente”).

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Especialistas em saúde mental da ong Save the Children observam que o genocídio em Gaza expõe as crianças a episódios extremamente traumáticos, mas também as priva de qualquer acesso adequado a mecanismos de enfrentamento.

Não há lugar seguro ou sequer rotina. Centenas de milhares foram expulsos de suas casas. Os adultos também vivem em angústia e carecem de meios para auxiliar seus filhos a lidar com surtos emocionais comuns em jovens traumatizados pela violência.

Nas atuais condições de Gaza, os sintomas são abundantes: ansiedade, pânico, sensação de abandono, pesadelos, insônia, isolamento e dissociação. A crise se retroalimenta, sintomas se tornam novos sintomas, sob ataques ainda em curso dia após dia.

Um trabalhador da Save the Children na Faixa de Gaza, pai de três filhos com menos de dez anos, comentou: “Há muita, muita perda e muito sofrimento. Temos medo. Medo do que as próximas horas nos reservam. Medo do que virá amanhã”.

“Há morte por toda a parte. Meus filhos me olham nos olhos todo dia, buscam por respostas. Mas eu não tenho respostas. É muito difícil, sobretudo para as crianças”, acrescentou.

Desde a imposição do bloqueio militar israelense a Gaza, em 2007, por mar, ar e terra, as crianças em Gaza crescem sob severa privação, bombardeios a conta-gotas e restrições a direitos e liberdades básicas.

Um relatório publicado pela Save the Children em junho de 2022 mostrou que a saúde mental das crianças em Gaza já estava à margem do colapso. Cerca de 80% reportaram sentimento perene de medo, apreensão, tristeza e luto.

Três quartos molhavam a cama e um número cada vez maior exibia mutismo reativo.

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Jason Lee, diretor da Save the Children para os territórios palestinos ocupados, reafirmou: “Em tempos de guerra, as pessoas buscam refúgio em locais que consideram seguros. Não existe lugar seguro em Gaza e não há como sair. Com algum senso de segurança, presença familiar constante, algum tipo de rotina e cuidado devido, as crianças podem se recuperar. Mas muitas dessas crianças já perderam todos os parentes e a violência e o deslocamento não param”.

“Estamos ficando sem palavras para soar o alarme em termos contundentes o bastante ou sequer para articular a escala do sofrimento entre as crianças”, prosseguiu Lee. “É urgente um cessar-fogo!”

Violência diária significa mais e mais cicatrizes físicas e emocionais que levarão gerações para desaparecer. Sem um cessar-fogo imediato, há risco real de que a saúde mental das crianças — metade da população de Gaza — chegue a um ponto de não-retorno.

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