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‘Tirando uma parte de mim’: proibição da abaya na França reaviva memórias dolorosas para as muçulmanas

Manifestantes seguram uma faixa enquanto protestam contra a interdição de Abaya em frente à escola Lycee La Plaine de Neauphle em Trappes, França, em 8 de setembro de 2023 [Mohamad Salaheldin Abdelg Alsayed/Agência Anadolu]

Em algum momento de 2006, Maria De Cartana decidiu que queria usar um hijab, o lenço islâmico.

Mas todas as manhãs, os funcionários da sua escola secundária em Lyon, França, forçavam a jovem de 13 anos a removê-lo.

Eles ficavam na entrada para garantir que ela não entrasse no local com a cabeça coberta.

“Foi humilhante e frustrante. Eu estava sentindo que estava tirando uma parte de mim… Foi muito difícil”, disse De Cartana em entrevista à Anadolu.

Para ela e para inúmeras outras pessoas, a recente proibição das abayas – a roupa larga usada pelas mulheres muçulmanas – nas escolas públicas francesas trouxe de volta memórias dolorosas do passado.

Em 2004, a França impôs a proibição de todos os tipos de símbolos religiosos nas escolas públicas e nos edifícios governamentais, tais como as cruzes cristãs, os kipás judaicos e os lenços de cabeça muçulmanos.

Quase 20 anos depois, o governo anunciou novas restrições para estudantes muçulmanas, determinando que elas não podem usar abayas quando o novo ano letivo começar este mês.

LEIA: Como uma França insegura criminaliza as meninas muçulmanas

As autoridades francesas afirmam que a decisão foi tomada em conformidade com as rigorosas leis secularistas do país. O presidente Emmanuel Macron apoiou a medida, dizendo que “símbolos religiosos de qualquer tipo não têm lugar” nas escolas francesas.

De Cartana, consultor jurídico e político da Perspectives Musulmanes, uma organização anti-islamofobia, enfatiza que estas leis e proibições sobre roupas e práticas têm um impacto emocional.

Hoje, as meninas são convidadas a se despir na entrada das escolas e a levantar os vestidos ou saias na frente de todos, disse ela.

De Cartana disse que a proibição do hijab imposta há mais de duas décadas deixou-a triste e irritada.

“Fiquei com muita raiva porque não entendia essa injustiça comigo”, disse ela.

Durante seis longos anos, ela não foi autorizada a usar o hijab, primeiro no ensino médio e depois na faculdade.

Isso também a impediu de fazer viagens escolares e afetou todos os aspectos de sua vida.

Ela também não pôde participar de atividades de natação por causa da proibição do traje de banho burquíni muçulmano.

Para as jovens estudantes, estas decisões levam a frustrações e criam desconfiança nas autoridades estatais, disse ela.

‘Indo longe demais’

As muçulmanas francesas estão preocupados com a proibição da abaya e com os critérios utilizados para aplicá-la.

Surgiram relatos de escolas que suspenderam meninas muçulmanas por apenas se vestirem modestamente, não necessariamente usando a abaya.

Uma menina foi expulsa da escola porque usava um quimono preto; outra foi parado por usar calças brancas. Disseram a uma delas que seu traje era bege e que era uma “cor islâmica”.

LEIA: ONU critica França por proibir vestes islâmicas nas escolas

“Eles têm como alvo as mulheres muçulmanas só porque elas usam vestidos longos ou calças brancas, ou um quimono ou roupa preta ou bege. Isto istá indo  longe demais”, disse Kawtar Najib, especialista em islamofobia, à Anadolu.

Ela disse que a proibição visa especialmente as adolescentes muçulmanas e é outro exemplo de islamofobia apoiada pelo Estado na França.

“Não se trata apenas das abayas. Nem se trata de vestidos longos. É apenas uma questão de quem usa esses tipos de vestidos, e se souberem que são muçulmanos, então irão excluí-los”, disse ela.

Najib acredita que a recente proibição mostra que a França não deixará de prosseguir as suas políticas islamofóbicas.

“Eles são muito determinados. A tal ponto que podem desenvolver leis que chocam o mundo e continuam fazendo isso”, disse ela.

Num futuro próximo, ela prevê que as abayas sejam proibidas nas universidades, enquanto uma proibição total do burquíni também poderá ser aplicada.

Na França, as mulheres que usam o hijab têm menos de 1% de chance de encontrar um emprego, segundo Najib.

Estão agora em curso discussões para proibir o hijab nas escolas para babás ou mães que acompanham seus filhos em atividades extracurriculares.

Como muçulmana francesa, Najib disse que ela própria não conseguiu encontrar emprego na França.

De Cartana tem a mesma opinião, dizendo que se não houver mobilização internacional dos muçulmanos contra tais decisões, a França continuará a implementar mais políticas discriminatórias deste tipo.

​​‘Orgulhoso de sua condição muçulmana’

Apesar da situação atual, Najib está esperançosa quanto ao futuro da comunidade muçulmana, sublinhando que a juventude muçulmana, em particular, está orgulhosa de sua identidade.

“Hoje posso ver na juventude coisas muito, muito poderosas chegando. Eles têm orgulho de serem muçulmanos”, disse ela.

LEIA: Meninas islâmicas desafiam proibição de abaya nas escolas da França

Em 2004, havia algumas mulheres que usavam o hijab, mas hoje muitas mulheres jovens usam o lenço na cabeça, disse ela.

Muitas pessoas hoje também denunciam a visível islamofobia na França, o que nem sempre ocorria, segundo Najib.

Ela disse que quanto mais uma comunidade é oprimida por causa de uma identidade, mais ela reivindicará essa identidade.

“Quando as pessoas são atacadas por causa da sua condição muçulmana, por causa da sua identidade religiosa, então os muçulmanos ficarão mais orgulhosos da sua identidade religiosa do que antes”, disse ela.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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