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O narcopentecostalismo como base de dominação territorial no Rio de Janeiro

Bandeira de Israel e estrela de David usados em territórios controlados por traficantes [Reprodução/via Smoke Bubbies]

A Federação Árabe Palestina do Brasil realizou uma postagem em seu perfil na rede social Instagram onde traz uma importante reflexão. Conforme já escrevemos nesta publicação, há uma combinação histórica entre a ideologia sionista professada na origem por setores do protestantismo europeu, e a instrumentalização desta ideia absurda pelos seguidores de Theodor Herzl. Com a expansão do neopentecostalismo no Brasil, a defesa da simbologia do Estado Colonial sionista chegou também ao mundo da baixa criminalidade articulada em redes de quadrilhas. As “igrejas” neopentecostais – tanto em suas versões nacionais, que são majoritárias -, como nas relações com a extrema direita republicana

Álvaro Malaquias Santa Rosa, Alvinho para a família, Peixão no mundo do crime, é o líder da facção Terceiro Comando Puro (TCP) nas cinco comunidades sob domínio contínuo (Vigário Geral, Parada de Lucas, Cidade Alta, Cinco Bocas e Pica Pau). Desde 2016, ou seja, antes de conseguir o domínio territorial definitivo formador do chamado “Complexo de Israel”, o criminoso unifica seu discurso para seguidores como sendo “o povo escolhido” e adota a estrela de Davi como seu símbolo de guerra. Na era anterior, liderava do “bonde de Jesus” sendo que ele próprio pregava em estabelecimentos que propalam a Teologia da Prosperidade.

Além de extorquir as comunidades, comprar apoio de policiais corruptos, também pratica a perseguição religiosa e a apostasia. Especificamente reprime os cultos das religiões de matriz africana, ampliando o racismo religioso em territórios justamente de maioria afrobrasileira. Se substituirmos a economia política do varejo do crime pela economia de guerra (financeirizada e transnacional) as semelhanças com o sionismo como instrumento de dominação de outros povos e territórios são perfeitamente identificáveis.

Complexo de Israel [Reprodução Twitter]

Origens europeias do sionismo

Vale observar um pouco das bases do sionismo como expressão das religiões cristãs em meio a vários momentos de tensões europeias não formação da era moderna e contemporânea no ocidente. Recorremos a um de nossos mais capazes intelectuais da diáspora árabe-brasileira para buscar tais origens.

O professor Tufy Kairuz (doutor em história pela Universidade de York, Canadá) nos posiciona diante da sanha do ocidente “cristão” em converter a força população de fé judaica, setores não papistas do cristianismo ou então a virtual expulsão de peregrinos e reformados, como os que terminaram criando “colônias de povoamento” na África austral. São grupos praticamente expelidos da Europa e vão buscar um novo recomeço em terras distantes, tornando-se “colonos”. Com a ideia de buscar refúgio contra a perseguição, se tornam algozes em outros lugares do mundo. Os sionistas judeus são uma continuidade, uma das últimas expressões deste processo europeu de expulsão.

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“Mesmo antes do surgimento de qualquer grupo sionista, na Europa, que é o caso, o berço do sionismo eurojudeu era o Império Russo. E depois se estende esse tipo de movimento para a Europa Central e vai tomar uma certa força, na origem é uma ideia cristã, que surge principalmente depois da reforma protestante.”

Tufy segue explicando (em áudio enviado) que “a ideia é sempre é levar esse milenarismo, essa população eurojudeus, mas também para depois convertê-los. Mandá-los para a Palestina e depois no fim dos tempos, haveria uma conversão. Isso é particularmente forte entre os britânicos, os evangélicos ingleses e seus descendentes. Isso já no século XVIII e no começo do século XIX”.

Na expansão destes sistemas de crenças e instituições para as 13 colônias na costa leste da América do Norte, somada às levas migratórias de população sobrante na Europa, veremos as bases do sionismo pentecostal (e hoje neopentecostal). O lobby de Israel e seus aliados pregadores chantageiam a política externa dos Estados Unidos e opera como força de não judeus apoiando incondicionalmente o Apartheid na Palestina Ocupada.

O Império e o sionismo neopentecostal

Por mais incongruente que possa parecer, a presença do conjunto das religiões evangélicas na América Latina, foi concomitante a pressão dos departamentos de Estado (relações exteriores) e de Defesa (o Pentágono, através do Comando Sul imperialista) para diminuir a influência da chamada Teologia da Libertação. Essa proposta com origens no catolicismo popular (sincrético, resistente e ecumênico) fortalece a luta camponesa e a insurgência latino-americana desde o início do período de “La Violencia” na Colômbia. Após a formalização da “opção preferencial pelos pobres” e o engajamento direto de padres e freiras na resistência armada no Continente, o Império estadunidense percebeu dois movimentos. O primeiro apontava para o engajamento do protestantismo progressista na mesma luta, o que viria a formar um guarda-chuva na chamada Teologia da Missão Integral. A outra percepção, era de base contra insurgente.

Conforme as lições das guerras coloniais e de libertação nacional, se a insurgência (e seus membros) seriam como peixe nadando em água corrente, a repressão não deveria se “contentar” em eliminar peixes. A contagem de “body count”, como a métrica assassina de Robert McNnamara durante o auge dos ataques ao Vietnã no governo Lyndon Johnson (novembro de 1963 a janeiro de 1969) não bastava. Era preciso fazer com que “as águas virem pântano e os peixes estejam presos antes de serem mortos”. Nas guerras imperiais, é preciso transportar população (como o sionismo), impedir os movimentos da população nativa (a exemplo dos checkpoints nos Territórios Ocupados em 1967), apresar o fluxo da resistência (como o cerco a Gaza) e, além de elevar o número de civis assassinados, destruir toda a infraestrutura ou recompor o tecido social.

A vinda cada vez maior de “missionários” neopentecostais, incluindo compra de horários televisivos já na década de 1970 faz parte deste esforço. O espelhismo com a direita republicana dos Estados Unidos entra em metástase nos países latino-americanos, liderando esse fenômeno no Brasil. Ao invés do protestantismo progressista tradicional, a imitação de ritos judaicos por fariseus (como autoproclamados “bispos”, “reverendos”, “ministros” e “pastores”) vem junto de uma dupla pregação. Adesão da sociopatia capitalista e neoliberal (através da Teologia da Prosperidade) e a propaganda de “povo auto eleito, escolhido”, justificando todo e qualquer crime societário, tal como o chamado “cinturão bíblico estadunidense” e o suporte financeiro aos assentamentos ilegais na Palestina Ocupada.

O “Complexo de Israel” no Rio não é exceção, é um modelo

Voltando ao mundo do crime e pobreza no Rio de Janeiro, é preciso observar o fenômeno ascendente. O que era o “bonde de Jesus” do Peixão (blasfemando contra o nome de Eescho ou o profeta Issa), subiu de escala e nível operacional, se autodenominando a “Tropa de Arão”. O controle de território e população chega a 134 mil pessoas, e a economia ultrapassa o narcotráfico, incluindo as práticas paramilitares de extorsão, monopólio de serviços e tributação ilegal. Sendo realista, não se sabe quanto tempo esse domínio vai perdurar, considerando a baixa longevidade de operadores do crime na linha de frente.

Podemos afirmar sem dúvida é que seria impossível esta motivação “religiosa” sem a presença de neopentecostais que iludem os seus fieis como sendo “os eleitos”, em detrimento dos demais não seguidores do mesmo proselitismo apoiador do Apartheid em terras alheias. Colonialismo lá, racismo religioso e estruturante da dominação e conservadorismo aqui. É urgente libertar tanto a Palestina como o Brasil das mazelas do fenômeno sionista, seja este qual for, esteja onde estiver.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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Palestina: quatro mil anos de história
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