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Democracia na Turquia poderá impedir a deportação à força dos refugiados da Síria?

Refugiados retornam à Síria do portão de Cilvegozu, em Hatay, na Turquia, 11 de julho de 2021 [Cem Genco/Agência Anadolu]
Refugiados retornam à Síria do portão de Cilvegozu, em Hatay, na Turquia, 11 de julho de 2021 [Cem Genco/Agência Anadolu]

Os refugiados sírios na Turquia emergiram como elemento central durante a campanha eleitoral que se encerra neste domingo, 28 de maio de 2023, com o segundo turno das eleições presidenciais. Os principais candidatos competem de fato em ofertar ao público a proposta mais agressiva para deportar os refugiados à Síria. Embora os planos variem em substância, compartilham o desdém pela lei internacional e pelos acordos entre Turquia e União Europeia, ao refletir, portanto, um risco iminente às relações do país com Bruxelas e Washington.

Em 1951, a Turquia consentiu em assinar a Convenção sobre os Refugiados, de maneira que a repatriação forçada de comunidades inteiras a países e territórios onde há ainda ameaça representa uma violação das obrigações turcas perante o acordo.

Em março de 2016, União Europeia e Turquia assinaram um acordo para tratar da questão emergente dos refugiados. Ancara recebeu 6 bilhões de euros para prover serviços humanitários e asilo e estancar, assim, o fluxo migratório rumo à Europa. Além disso, cidadãos turcos viajando à Europa deixariam de precisar de visto.

Uma pesquisa do Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), divulgada em 2021, mostrou que 82% dos turcos desejam a deportação dos sírios – número extraordinariamente alto, considerando que se tratava de “apenas” 49% em 2017. Neste ambiente exponencialmente hostil, os refugiados sírios radicados na Turquia reportam discriminação cada vez mais violenta e generalizada.

A retórica anti-imigração e seus reflexos têm similaridades por toda a parte. Dia após dia, vemos e ouvimos falas concedentes, sectárias e generalistas como “Roubam nossos empregos”, “Atacam nossas meninas” e “Não são capazes de se adaptar à nossa sociedade”.

Como fatos sociológicos, tais discursos buscam pretextos para enfatizar diferenças, ao humilhar e desdenhar dos imigrantes e culpá-los pelos problemas do país. Esta abordagem é precisamente a base para o racismo e a xenofobia. Enquanto o racismo na Europa é sobretudo cultural, podemos definir o racismo emergente na Turquia como econômico. Em outras palavras, uma espécie de racismo previdenciário. Vemos como a situação socioeconômica dos cidadãos turcos se deteriora em um mercado de trabalho cada vez mais restrito. Todavia, culpam os imigrantes.

Criticar a abordagem do governo é razoável, dado que muitos imigrantes de fato trabalham de maneira irregular e que sua chegada em massa, na forma de mão-de-obra barata, teve efetivamente um impacto no mercado de trabalho – em certos termos, mais competitivo. Outra questão é a distribuição de renda e a conjuntura econômica na Turquia, muito pior quando comparada à Alemanha, por exemplo, de modo a instigar reações mais intensas da população. Eleitores alegam que o apoio dado aos refugiados jamais foi conferido aos cidadãos turcos. Entretanto, a gestão de Recep Tayyip Erdogan de fato deportou à força centenas de refugiados sírios desde o final de 2022, à medida que seu adversário, Kemal Kilicdaroglu, prometeu devolver todos a seu país de origem dentro de dois anos – não importa a situação na Síria. Ao invés da tentação de apelar aos refugiados sírios como bode expiatório de seus fracassos econômicos, serviria melhor ao governo manter seu compromisso aos acordos firmados, à lei internacional e a uma estratégia abrangente de integração.

Mais adiante, é crucial ao país que não importa quem saia vitorioso nas eleições deste domingo deixe de recorrer a um comportamento tão divisivo e se concentre em implementar planos efetivos para os refugiados sírios que agora desfrutam de passaportes da Turquia. Caso contrário, como ocorreu no Reino Unido, a Turquia estará apegada a promessas de deportá-los daqui 60 anos. A democracia turca tem capacidade de solucionar divergências e integrar os refugiados a longo prazo, como forma de obter maior apoio internacional tanto aos requerentes de asilo quanto a seus países anfitriões.

LEIA: Sírios na Turquia: entre a cruz e a espada

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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