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Somália vê seu destino entrelaçado com as eleições na Turquia

Comício eleitoral do partido governista Justiça e Desenvolvimento (AK), liderado pelo presidente Recep Tayyip Erdogan, em Aydin, Turquia, em 9 de maio de 2023 [Murat Kula/Agência Anadolu]
Comício eleitoral do partido governista Justiça e Desenvolvimento (AK), liderado pelo presidente Recep Tayyip Erdogan, em Aydin, Turquia, em 9 de maio de 2023 [Murat Kula/Agência Anadolu]

A Turquia tem laços históricos profundos com a Somália e reconquistou um lugar nos corações da população somali via relações bilaterais edificadas sobre os princípios de amizade, confiança mútua e conquistas recíprocas. Somalis no país e na diáspora expressaram gratidão pelo apoio fornecido pela Turquia sob a liderança do atual presidente e candidato à reeleição, Recep Tayyip Erdogan. Deste modo, é comum que os somalis acompanhem com atenção os acontecimentos políticos e socioeconômicos na Turquia.

A Turquia vai às urnas neste domingo, 14 de maio. O pleito acirrado coloca Erdogan contra seu longevo opositor, Kemal Kilicdaroglu. A Somália – com seu destino entrelaçado com a Turquia – aguarda agora o resultado das eleições presidenciais e parlamentares no país aliado.

Antes de Erdogan, terra arrasada

A Somália declarou sua independência em 1960 e reluziu como um bastião da democracia, paz e desenvolvimento no continente africano até o golpe de Estado de 1969, que estabeleceu uma ditadura. Com a guerra civil que tomou a Somália na década de 1990, uma era de “todos contra todos” – como descreveu Thomas Hobbes – começou. Sob uma combinação entre guerra civil e ingerência estrangeira, o Estado entrou em colapso e a população foi privada dos serviços mais básicos.

Neste período, com o apoio das potências internacionais, senhores da guerra dividiram o país e saquearam seus recursos. Como se a devastadora guerra civil, em curso há vinte anos, não fosse o bastante, a Somália teve de lidar com uma campanha terrorista do grupo Al Shabaab, ligado à Al Qaeda. Como resultado, países ocidentais passaram a rotular a Somália como um “pântano”, ao abandonar o povo a seu próprio destino.

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Certa feita, estrela reluzente na África Oriental, a Somália se tornou símbolo de desespero.

A Turquia e a reconstrução na Somália

Embora a Turquia não seja um agente regional, o regime de Erdogan propôs para si um eventual papel construtivo no continente como um todo e, em particular, no Leste da África. Desde 2011, a Turquia é uma “parceiro insubstituível” da Somália. Isso é evidente há 12 anos pelas ações do governo em Ancara, que alega em campanha manter suas promessas. As instituições relevantes da Turquia foram envolvidas então em encerrar de alguma forma o processo de devastação no país africano e contribuir para reconstruí-lo.

A Turquia lançou iniciativas assistenciais à região por meio de seu Crescente Vermelho (Kizilay) e de sua Agência de Coordenação e Cooperação (TIKA). Ao construir sua embaixada na capital Mogadishu, à medida que outros preferiram se distanciar do país, sob pretextos de segurança, Ancara abriu as portas a milhares de estudantes africanos e ao diálogo para  construção de um Estado. A Turquia também treinou milhares de servidores públicos nos mais diversos campos para dar início a este processo.

O sistema de saúde na Somália, pouco a pouco, foi restaurado, com a inauguração de hospitais na região – o primeiro, batizado em homenagem ao presidente turco, o Centro de Treinamento e Pesquisa Recep Tayyip Erdogan.

Para aproveitar as terras da Somália, escolas especializadas em agricultura foram estabelecidas, com anseio de tornar autossuficiente o país assolado pela fome. Estruturas consideravelmente comuns a populações que desfrutam de estradas, pontes, ferrovias e aeroportos, tiveram de ser criadas no zero na Somália. O aeroporto de Mogadishu e os voos regulares da Turkish Airlines reconectaram o país ao mundo.

O Senado e o Parlamento da Somália foram construídos para que a população local encontrasse resolução a seus próprios problemas nacionais, em um ambiente potencialmente mais seguro e  democrático. Organizações e fóruns internacionais deram espaço a somalis de todo o planeta para buscar e desenvolver soluções a seu país. Mediações foram coordenadas para impedir a proliferação de conflitos entre comunidades irmãs.

Não obstante, sob promessas de paz, Turquia decidiu inaugurar a Base de Treinamento Militar Turco-somali (Turksom), para instruir soldados somalis e dar a Ancara uma janela de influência no continente africano. O comando da escola militar foi incumbido à Força Tarefa Turco-somali, a fim de suprir as demandas do exército local. A Força Aérea da Turquia também equipou e treinou milhares de soldados denominados de “Águia” (Grogor), considerados uma unidade de elite. Sob a presidência de Hassan Sheikh Mahmud, este grupo se tornou a “coluna vertebral” no combate contra o terrorismo.

Nas palavras de ambos os governos, tais iniciativas e soldados na vanguarda dos esforços contra o Al Shabaab, tornaram a Somália, dia após dia, um pouco mais segura.

A Turquia e a ‘paz mundial’

Com tais esforços, a Turquia foi além de intervir na promoção da “paz” na Somália e no Leste da África, rumo a promessas globais de diplomacia humanitária, poder militar para fins dissuasivos, empreendimento e investimento amplo e versátil e assistência armada a países aliados.

O governo em Ancara, sob anuência da Organização das Nações Unidas (ONU), exauriu esforços de diálogo entre as partes mais distintas, para buscar soluções mutuamente aceitáveis a muitos dos problemas africanos. Erdogan, para este fim – junto a um ambicioso projeto de expansão de sua zona de influência –, colaborou com um acordo de corredor de grãos, ou Iniciativa do Mar Negro, para reaver transações após a invasão russa da Ucrânia. Em meio à crise, o acordo alega exercer um papel vital na segurança alimentar mundial.

Apesar de alertas por parte da imprensa, o governo atual insiste que a Turquia representa uma das maiores potências emergentes democráticas do mundo. Erdogan e correligionários afirmam que a “democracia turca” serve de bússola e bastião a todos os países islâmicos – incluindo seus aliados na Somália – como forma de se contrapor a seu adversário secularista, Kilicdaroglu.

Por tais razões, a Somália parece não apartar seu destino da Turquia. Somalis em todo o mundo acompanham meticulosamente todos os processos político-econômicos no território turco. Na acirrada campanha ainda em curso, Erdogan promete uma Turquia poderosa, que manterá um papel ativo na política global e regional.

Como antes, a Somália deseja preservar seu relacionamento e apoio da Turquia, sobretudo no combate ao terrorismo e na pacificação do país. Trata-se, no entanto, de uma questão que não se resume à Somália, mas – em último caso – a uma série de questões globais.

LEIA: A Turquia de Erdogan é uma ditadura? Sua solução é a democracia ocidental?

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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