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Brasil e Emirados Árabes Unidos: uma mudança na qualidade das relações

Presidente Lula é recebido no palácio presidencial dos Emirados pelo sheikh Mohammed bin Zayed al-Nahyan e assina acordos entre os países. Em 15 de março de 2023, em Abu Dhabi, Emirados Árabes Unidos [Ricardo Stuckert/PR]

Entre os dias 12 e 15 de abril, o Brasil realizou, através do presidente eleito, uma importante visita diplomática e de negócios interrnacionais. A comitiva do presidente Lula na viagem à China, com posterior parada nos Emirados Árabes Unidos (EAU, ou UAE, na sigla em inglês), continha ao menos 72 pessoas entre autoridades do Poder Executivo, políticos com mandato, executivos do agro e da indústria, e representantes da sociedade civil.

Pouco depois da visita acima narrada, o governo dos Emirados aceitou e concedeu o “agrément” ao Ministro de Primeira Classe Sidney Leon Romeiro como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário do Brasil no país. Nota-se também uma mudança de postura do Itamary, pois o Embaixador Sidney Romeiro ocupa o cargo de Diretor do Departamento do Oriente Médio desde 2019. Logo, em sendo um dos diplomatas melhor preparados dentro do Ministério de Relações Exteriores (MRE) para a região, recebe assignação para a federação de reinos, criada em 1971.

Outro fruto da visita em 2023 foi uma tentativa de mudança da qualidade das relações entre Brasil e EAU. Infelizmente os Emirados estabeleceram relações diplomáticas com o Estado Colonial do Apartheid Sionista e é parceiro do tenebroso “Plano de Abrahão”. Nas operações dentro do Brasil, o conjunto de emirados aproveitou a oportunidade do plano de privatizações da Petrobras durante os governos de Temer (este, de duvidosa legitimidade, tendo o ex-vice-presidente se portado como um autêntico membro da direita maronita) e ainda pior, na Era Bolsonaro e Paulo Guedes.

Desta vez, ao invés de comprar uma importante refinaria a preço módico, comprometendo a oferta de diesel no território brasileiro e, principalmente, na Região Nordeste, foi assinada uma declaração conjunta e dois importantes memorandos de entendimento entre os dois países.

LEIA: Relembre a 1ª visita oficial de Lula aos Emirados, em 2003

Considerando que os textos ocupariam o espaço do artigo, tomamos a decisão de publicar trechos da declaração (consta na íntegra no link acima), considerando que o conjunto é bastante relevante:

“Na presença de Sua Alteza, Xeique Mohamed bin Zayed Al Nahyan, e Sua Excelência Luiz Inácio Lula da Silva, Sua Excelência Jerônimo Rodrigues, governador do Estado da Bahia, e Sua Excelência Khaldoon Khalifa Al Mubarak, diretor-geral e executivo-chefe do grupo Mubadala, foi intercambiado o Memorando de Entendimento entre o Estado da Bahia e a Refinaria de Mataribe sobre o projeto Macaúba, iniciativa agro-industrial sustentável que prevê investimentos de até USD 2,5 bilhões na produção de biodiesel e que beneficiará milhares de famílias nas zonas rurais do Estado da Bahia. 

Ambos os líderes concordaram em aprofundar ainda mais a parceria estratégica entre os EAU e o Brasil em áreas chave, incluindo energia renovável, ciência e tecnologia, desenvolvimento sustentável, educação, ação climática, multilateralismo, defesa, aviação, espaço, segurança alimentar e agricultura, transporte, logística e cooperação. As duas partes discutiram a crescente agenda econômica bilateral e exploraram vias para expandir o comércio e investimentos.

Os dois líderes reiteraram a importância do Brasil e dos EAU como portas de entrada estratégicas para os mercados regionais e globais. Neste contexto, o Brasil, como um dos membros fundadores do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) e próximo presidente do mecanismo, manifestou disponibilidade para compartilhar proposta dos EAU com vistas a iniciar diálogo exploratório com os demais parceiros do MERCOSUL. Os líderes também discutiram meios para avançar a cooperação entre os BRICS e os EAU (o grifo é do autor deste artigo).

Como anfitriões da 28ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP28) este ano, os EAU saudaram o anúncio da candidatura do Brasil para sediar a COP30, em 2025.  

Reconhecendo o papel importante que o multilateralismo pode desempenhar no tratamento dos desafios globais, os dois líderes afirmaram a intenção de fortalecer a cooperação nas instituições multilaterais e nas organizações internacionais. Como membros eleitos não-permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas para o mandato de 2022-2023, ambos os países concordaram em dar continuidade à comunicação afinada e consultas sobre questões regionais e internacionais de interesse mútuo no âmbito do Conselho de Segurança das Nações Unidas.  

Reconhecendo que os Emirados Árabes Unidos exercerão a presidência do Conselho de Segurança das Nações Unidas em junho de 2023 e que o Brasil exercerá a presidência em outubro de 2023, ambos se comprometeram a apoiar mutuamente suas respectivas presidências.  

Ambas as partes concordaram com o papel crítico da Comissão de Construção da Paz das Nações Unidas e expressaram o apoio ao seu mandato e ao seu papel de ponte com os principais órgãos das Nações Unidas.  

Os dois líderes discutiram também a importância do setor da aviação civil, a conectividade aérea e o papel vital que este desempenha no fomento da cooperação e no avanço dos laços econômicos e interpessoais.” 

Mudança da qualidade das relações e novo arranjo internacional 

O que se lê acima pode realmente ser um sinal de mudança da qualidade das relações entre o Brasil e os EAU. Durante o governo de direita liderado pela extrema direita e seu campo de alianças (como militares, sionistas, empresários do agro acusados de crime ambiental e neopentecostais sionistas), a presença da federação de reinos não era positiva. O fator mais evidente foi a compra da Refinaria Landulpho Alves (RLAM), localizada em São Francisco do Conde, na Bahia  e seus ativos logísticos associados para o Mubadala Capital , finalizada em 30 de novembro de 2021.

A operação foi concluída com o pagamento de US$ 1,8 bilhão (R$ 10,1 bilhões*) para a Petrobras, valor que reflete o preço de compra de US$ 1,65 bilhão, ajustado preliminarmente em função de correção monetária e das variações no capital de giro, dívida líquida e investimentos até o fechamento da transação. Esta venda da RLAM, rebatizada de Refinaria de Mataripe, era a primeira de oito refinarias e unidades estratégicas da Petrobrás que seriam vendidas pela gestão entreguista dos generais à frente da mais importante empresa brasileira.

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O resultado imediato da venda da maior produtora de diesel do Nordeste foi uma pressão inflacionária – no combustível – incidindo no transporte de mercadorias, incluindo alimentos. Em março de 2022, os produtos derivados de petróleo controlados pela Mubadala eram em média 6,4% mais caros do que os produzidos pela Petrobrás, e o diesel estava 2,66% acima. A ampliação de investimentos estava congelada.

Se houver um alinhamento de preços praticados de acordo com os custos de produção e logísticos internos – considerando que a Petrobrás produz mais de 90% dos produtos petrolíferos e petroquímicos consumidos no país –, já será notada uma mudança de qualidade nas relações Brasil e Emirados. Outra parte visível é no âmbito dos BRICS e no aporte de capitais para o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, o Banco dos BRICS). Os EAU aportaram USD 556 milhões e tem o equivalente 1,06% do capital da instituição financeira.

É perfeitamente factível um aumento deste aporte de capital e a realização de investimentos conjuntos no âmbito do Mercosul, triangulando com Brasil e outro país, a exemplo da Argentina. Qualquer esforço de desdolarização das economias latino-americanas e a intermediação realizada pelo Itamaraty e as autoridades brasileiras é o caminho para isso. Esperamos que com a mudança na qualidade das relações bilaterais, os EAU se afastem cada vez mais da influência ocidental (incluindo a cabeça de ponte colonial que ocupa a Palestina e promove limpeza), participando, assim, do novo multilateralismo abrangente do século XXI.

 

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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