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‘Esta é a República da Turquia, voltem para seu próprio país’

‘A conversa sobre expulsar pessoas e revogar sua cidadania ganhou enorme tração contra árabes, estrangeiros e refugiados. Há enorme tensão nas ruas’

Rokaya Celik, jornalista da rede de imprensa internacional Al Jazeera, foi agredida na cidade de Istambul por um membro do chamado Partido do Bem (IYI), conhecido por posições de caráter nacionalista e conservador.

“Um membro do partido IYI veio até mim quando ouviu que eu estava falando árabe”, relatou Rokaya, que estava a serviço na cobertura das eleições parlamentares na Turquia, realizadas no próximo domingo, 14 de maio, junto do disputado pleito presidencial.

“Ele me xingava e dizia: ‘Aqui não é lugar para vocês, árabe, voltem para seu próprio país'”

“Eu sou turca, para onde devo ir?”, indagou Rokaya. “Esta é a República da Turquia, voltem para seu próprio país”, insistiu seu interlocutor, ao atacá-la, junto da cinegrafista Dima Mansour. O agressor então arrancou o microfone da mão da jornalista.

Neste fim de semana, os turcos vão às urnas para escolher entre a coalizão governista de Recep Tayyip Erdogan e um bloco de seis partidos de oposição – incluindo o IYI –, liderado por Kemal Kilicdaroglu, candidato à presidência. O incumbente Erdogan, seu adversário na disputa, está no poder há duas décadas.

Críticos acusam ambas as campanhas de usar os 3.7 milhões de refugiados sírios no país como bode expiatório para a crise econômica e, portanto, alimentar o racismo espalhado por todas as províncias.

Neste artigo, separamos algumas frases de ódio proferidas recentemente:

Incapazes de viver em seu próprio país, essa gente depravada ousa se comportar de uma maneira degradante à Turquia de Ataturk.

De sua parte, Kilicdaroglu prometeu enviar de volta milhões de refugiados e asilados afegãos e sírios, ao afirmar assertivamente em uma coletiva de imprensa: “Não queremos que a estrutura demográfica do nosso país mude.”

Os países de origem – no caso, Síria e Afeganistão – não são seguros ao retorno dos refugiados, alertam organizações de direitos humanos. A Síria continua em guerra civil; relatos indicam que o regime de Bashar al-Assad persegue, prende e tortura refugiados que retornam ao país. Em solo afegão, as condições permanecem incertas desde a tomada do poder pelo grupo Talibã.

Rokaya e Dima estavam em Umraniye, um distrito do lado asiático de Istambul, conhecido por sua população diversa e onde partidos políticos de todos os espectros costumam conviver.

Segundo a jornalista, há um aumento notável nos ataques racistas contra qualquer pessoa que seja ouvida falando árabe nos espaços públicos: “A conversa sobre expulsar pessoas e revogar sua cidadania ganhou enorme tração contra árabes, estrangeiros e refugiados. Há uma enorme tensão nas ruas”, destacou Rokaya em entrevista ao MEMO.

Todos os refugiados, requerentes de asilo e aqueles que se naturalizaram injustamente nos últimos 20 anos – sírios, afegãos, iranianos, iraquianos, russos, ucranianos, africanos e mesmo europeus – devem ser deportados para que possamos nos livrar deste fardo de 13.5 milhões de pessoas.

“Enfrentamos muitos desafios no trabalho, mas é a primeira vez que fui fisicamente atacada na Turquia. Há aqui uma polarização cada vez maior. Os políticos estão jogando religiões e credos uns contra os outros em suas campanhas eleitorais”, prosseguiu Rokaya. “Jornalistas árabes têm medo de realizar a cobertura de rua por causa do racismo. Os agressores não fazem distinção – seja um refugiado, um jornalista ou qualquer outra pessoa”.

Vocês compraram sua cidadania! Nós demos nossas vidas pelos nossos direitos! Vamos mandar vocês de volta para onde vieram!

Rokaya nasceu no Egito e se naturalizou turca após anos e anos de visto de trabalho. Além disso, seu pai tem raízes históricas no país e seu marido é um cidadão turco, o que reafirma o direito da repórter à cidadania. Suas duas filhas nasceram no país e possuem passaportes turcos.

“Meu braço dói”, destacou Rokaya ao MEMO. “Se não fosse pela polícia e pelas pessoas que nos ajudaram e tentaram nos proteger, a agressão certamente iria além”.

LEIA: Erdogan promete não expulsar sírios da Turquia enquanto for presidente

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