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‘Durante terremoto, revivi o massacre de Ghouta na Síria’, relata Tim al-Sioufi

Escombros no distrito de Atarib, na Síria, após terremotos que abalaram a região, em 21 de fevereiro de 2022 [Muhammed Said/Agência Anadolu]
Escombros no distrito de Atarib, na Síria, após terremotos que abalaram a região, em 21 de fevereiro de 2022 [Muhammed Said/Agência Anadolu]

Em 2020, Tim al-Sioufi recebeu uma notificação em seu celular. Ele verificou a tela e viu que havia duas mensagens no WhatsApp de um número desconhecido, então tocou na barra verde. A tela se abriu em um vídeo e uma mensagem: “Este é seu falecido pai, ore por ele”.

Tim ficou olhando para o símbolo de reprodução por horas. Seu pai, um ex-prisioneiro político, havia desaparecido oito anos antes enquanto voltava para casa de Damasco. Tim esperava há anos para descobrir o que lhe ocorreu. No entanto, ali estava diante dele, e Tim mal conseguia lhe dirigir o olhar.

Fotógrafo, cineasta e apresentador de podcast, Tim desempenhou seu papel ativo na revolução síria, ao documentar o levante, primeiro com celular, depois com uma câmera profissional, e vender fotografias dos horrores indizíveis da guerra para agências de notícias internacionais em todo o mundo.

Para um jovem em seus vinte e poucos anos, Tim já viu até demais. Tim insiste que sua alma, na verdade, tem 80 anos de idade. De sua casa, ele registrou o ataque com armas químicas em Ghouta Oriental e foi pego no fogo cruzado de facções rivais, enquanto filmava um ato pacífico na cidade de Ain Tarma, no subúrbio de Damasco.

Então, em 2017, o grupo militante Jaysh Al-Islam imprimiu fotos de Tim e um de seus irmãos e as pendurou pela cidade de Douma, após Tim compartilhar um poema de Amal Dunqul em sua página do Facebook. Sob as imagens, uma legenda clamava traição e pedia sua expulsão.

Tim ganhou vários prêmios por seu trabalho, incluindo melhor curta-metragem documental da Anistia Internacional, por seu filme “Douma Underground”, que registrou o uso de bombas de barril que caíam sobre a cidade. Não obstante, o bem-sucedido e experiente fotógrafo parece preso no limbo, vivendo no exílio, sem qualquer certeza que retornará a sua terra.

Um momento de alívio seguiu três tentativas frustradas de entrar na Turquia. Em 9 de setembro de 2019, Tim e sua esposa entraram no país pelo norte da Síria e encontraram um apartamento para morar. Era uma vida normal – uma janela com vista para uma estrada movimentada, semáforos e filas de tráfego.

Contudo, em 6 de fevereiro de 2023, o mundo de Tim veio novamente abaixo. Dois terremotos atingiram o sul da Turquia e o norte da Síria, matando mais de 46 mil pessoas e derrubando milhares de prédios de apartamentos, escolas e pontes. Enquanto sua casa começava a tremer, Tim correu ainda seminu para salvar sua vida e sua esposa, descalça, grávida de oito meses.

“Durante o terremoto, revivi o massacre de Ghouta na Síria”, declarou Tim. “O medo nos rostos das pessoas durante o terremoto, o choro das crianças, tudo ao mesmo tempo. Centenas de pessoas aglomeradas nas mesquitas e o cheiro da multidão me levou de volta”.

Tim e seu filho após segundo terremoto em Gaziantep, na Turquia, em 6 de fevereiro de 2023 [Tim al-Sioufi]

Tim e seu filho após segundo terremoto em Gaziantep, na Turquia, em 6 de fevereiro de 2023 [Tim al-Sioufi]

Existem mais de 3,6 milhões de refugiados sírios vivendo na Turquia, muitos deles na parte sul do país, mais atingida pelo terremoto. Como Tim, eles fugiram dos horrores indescritíveis da guerra – massacres e execuções extrajudiciais. Agora enfrentam um futuro ainda mais incerto.

Recentemente, autoridades turcas prenderam e deportaram arbitrariamente centenas de sírios, ao forçá-los a assinar compromissos documentais de “retorno voluntário”. Muitos refugiados relatam sofrer racismo na Turquia, situação que se agravou após o terremoto.

Autoridades turcas proibiram qualquer pessoa de entrar no conjunto de apartamentos em que Tim e sua esposa moravam, devido aos danos estruturais causados pelo terremoto. O casal e seus filhos permanecem hospedados junto de parentes em Gaziantep. “O apartamento deles também tem rachaduras”, destacou Tim. “Mas não tão mal.”

Tim e sua família não têm documentos oficiais de identidade. A dele foi confiscada pelo regime enquanto ainda estava na Síria e, antes de partirem para a Turquia, sua esposa tentou várias vezes recuperar seus papéis na casa da família em Damasco. Todavia, sem sucesso, devido ao cerco militar de Ghouta Oriental em 2013.

O casal vive sob asilo provisório em Gaziantep, sem poder deixar a cidade. Um destino pior seria ser deportado para a Síria, reiterou Tim: “Tenho certeza de que vão me matar se eu for forçado a retornar”.

Dois anos atrás, Tim reuniu coragem para abrir o vídeo que foi enviado a seu WhatsApp de um número desconhecido. Nas imagens, viu seu pai e um amigo sendo esfaqueados até a morte por soldados do regime sírio de Bashar al-Assad. Tim sabe que eram membros do governo pois usavam uniformes de uma brigada do exército relacionada ao irmão de Bashar.

“Quando assisti ao vídeo, tive um ataque de pânico”, recordou Tim, com a voz embargada. “Por semanas, senti aquela mesma dor, como se alguém tivesse me esfaqueado. Os médicos diziam que era psicológico.”

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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