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Projeção ambiental do Brasil ajudará o país a ser ator global em outras áreas geopolíticas

Lula em visita o Acampamento Terra Livre, organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), realizado em Brasília, em abri de 2022 [Ricardo Stuckert/Lula Oficial]

A ida de Lula à COP 27, no Egito, nesta segunda-feira (14) tem uma agenda oficial – reinserir o Brasil nas soluções para a crise climática, especialmente apresentando o compromisso com a proteção da Amazônia e os povos indígenas, reduzir poluentes e somar-se às estratégias globais decorrentes do Acordo não cumprido de Paris.

O Brasil assinou o Acordo de Paris em 2015, comprometido com a redução das emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025, em comparação aos dados registrados em 2005  e uma redução de 43% na emissão  até 2030, enquanto movimentos ambientais querem uma redução de 80% e devem pedir isso na COP 27.  Participar da conferência levando, no mínimo, a certeza de barrar e  reverter as políticas desastrosas para o meio ambiente de Jair Bolsonaro, reafirmarão o papel de Lula como um ator de peso na cena global, hoje às voltas com a proximidade acelerada de um inferno climático.  Mas o efeito dessa projeção do país vai além das questões do clima.

Qualquer movimento menos subordinado a uma geopolítica determinada por Estados Unidos e China – dois parceiros brasileiros que se confrontam em escala global – , e outros enfrentamentos inseridos na mesma disputa hegemônica, como o da Europa +OTAN contra Russia, ou Israel + Golfo contra o Irã, e ainda Israel contra a resistência palestina exigirão uma legitimidade inequívoca e capacidade negociadora – e é isso que Lula acaba de demonstrar ao derrotar a extrema direita nacional e seus apoiadores internacionais  nas eleições brasileiras.

O fruturo presidente do Brasil sempre teve a pretensão mediadora e propensão a escolher o lado dos mais fracos em conflitos envolvendo colonização, exploração ou dominação de potências estrangeiras. Ou seja, na balança mundial, Lula é um líder do hemisfério Sul que o Hemisfério Norte cobiça como parceiro – ou espera controlar.  Os Estados Unidos já demonstraram seu poder de intromissão com as ditaduras e golpes no Brasil e América do Sul, com a espionagem denunciada por Edward Snowden das comunicações da então presidenta Dilma Rousseff e da Petrobras dona do Pré-Sal, antes mas não separada dos movimentos que levaram ao impeachment,   e o apoio externo dado à Lava Jato, que tirou Lula das eleições de 2018, levando à vitória de Jair Bolsonaro e a seus desastres.

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Se foi uma conquista do ocidente pró-EUA tirar a força de um país que articulou a formação do BRICS (com Russia, China, Índia e África do Sul), investiu na integração da América do Sul, na criação da Unasul  e das conferências de aproximação do continente com a África (ASA), e com o países árabes (ASPA), o que ocorreu depois disso foi um preço alto para o futuro do planeta, na área ambiental,  e também para a política dos EUA – com as alianças da extrema direita e o crescimento de seus movimentos anti-democráticos lá e cá.

O  mea-culpa da comunidade internacional liderada pelos EUA por ter ajudado a desmontar o Brasil obriga, no mínimo, a estender o tapete ao presidente que ainda não assumiu – enquanto um presidente internacionalmente isolado ainda ocupa o poder em Brasília.

Enquanto Bolsonaro decepciona bolsonaristas que acreditaram nas suas sinalizações de golpe e acabaram sozinhos e ridicularizados em seus bloqueios de estradas e performances de marcha-soldado com a camisa da seleção brasileira de futebol em frente aos quartéis do Exército, pelo menos dez chefes de Estado ou lideranças multilaterais já pediram reuniões em separado com o futuro presidente que embarca agora para o Egito.

Lula é o bom camarada que gosta de conversar com todo mundo e afirmar – novamente, dada a volta do país ao mapa da pobreza extrema – que sua guerra é contra a fome e não outra.   Exibe relações de amizade com opostos, como em negociações de possíveis acordos com o Irã ou quando chamado de “o cara” pelo presidente dos EUA, Barack Obama.  Prioriza a grande parceria com a China, mas quer conversar o quanto antes com Joe Biden, que saiu das últimas eleições intermediárias nos EUA também fortalecido frente às ameaças de uma onda trumpista no Congresso.

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Na América do Sul e Latina,  a eleição de Lula novamente completa a virada da chave ideológica para a formação de blocos mais progressistas. Junta-se nisso aos governos da Bolívia, Colômbia, Chile, Peru, Argentina, restabelecendo relações de amizade e parcerias com Venezuela e Cuba e contra o embargo e restrições americanas a esses países. Deve negociar a retomada da Unasul, fortalecer e ampliar o Mercosul e voltar a integrar a Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac ).  Ao contrário do que queria Bolsonaro, o Brasil não deve se apressar a entrar para o grupo dos países ricos, a OCDE, o que retiraria do Brasil alguns benefícios como país ainda em desenvolvimento.

Lula não tem perfil revanchista,  mas na relação com o Oriente Médio e os interesses americanos representados por Israel, ele sabe que os governos de Netanyahu e sucessores fizeram o que puderam para ajudar a eleger e manter Bolsonaro no poder e arrastar a embaixada brasileira para Jerusalém – campanhas levadas também às igrejas evangélicas pentecostais. Netanyahu volta ao poder levado pela extrema direita israelense que cobra a limpeza étnica total da Palestina e a judaização de Jerusalém -inclusive com a tomada da milenar Mesquita de Al-Asa e sua substituição por um templo judaico.

Apesar da ampla frente de partidos que elegeram Lula sabe que seu inimigo é a extrema direita que leva fanáticos a empunhar armas e ligar seus tratores. Ele e seu orientador em política externa e cotado para reassumir o Itamaraty, Celso Amorim,  não ignoram o avanço da ocupação violenta sobre as terras palestinas, com mais assentamentos ilegais e o isolamento do povo palestino a partir das normalizações forçadas entre os países árabes e o Estado sionista.

Com essa percepção, será difícil ignorar os sinais de alegria e esperança enviados pelo povo palestino com a vitória de Lula nas eleições brasileiras.  No mínimo, o Brasil voltará a assinar resoluções em favor da Palestina. Mas irá retomar as pressões por mudanças no Conselho de Segurança da ONU que, sob controle dos EUA, nunca permite colocar em prática essas resoluções?  Internamente, o governo precisará também reorientar uma política de segurança alinhada aos direitos humanos – tarefa árdua em um país em que os maiores Estados  da federação treinam e armam suas políticas com métodos e equipamentos “testados em campo” pela ocupação israelense. Movimentos dos direitos humanos, que denunciam os crimes do Estado brasileiro contra a população e a juventude negra, além dos altos índices de feminicídios facilitados pelo aumento de armas que acabam em mãos civis,  devem pressionar o governo Lula pelo embargo desse comércio militar. O próximo governo irá contemplá-los?

É provável que Lula reabra embaixadas fechadas por Bolsonaro.   O ex-chanceler de Dilma Rousseff, Mauro Vieira, também cotado para reassumir o cargo, lembra que os primeiros governos petistas abriram novas representações em 44 países da África, Caribe, Ásia e Oriente Médio. e, segundo o diplomata, o valor das exportações para esses destinos cresceu 186 por cento  Só com o Catar, o crescimento foi de 790 por centro.  Além de embaixadas, 18 consulados-gerais do Brasil foram abertos na América do Norte, na Europa Ocidental, na África Subsaariana, na América Latina, no Oriente Médio e na Ásia. Também deve apoiar a entrada de novos países no BRICS, como Argentina e Argélia.

As escolhas para a futura chancelaria determinarão os rumos da política externa. É previsível que o ex-ministro Celso Amorim siga com Lula, como ministro ou assessor especial, mas outras figuras da diplomacia, como o de Maria Luiza Ribeiro Viotti, que já atua na ONU chefiando o gabinete  secretário-geral António Guterres, além de Mauro Vieira, vão entrando nas cotações para chefiar o Itamaraty.

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Com a COP 27, um novo nome entrou para a lista de apostas. Isso porque, além de Celso Amorim e da futura ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a delegação é integrada pelo ex-ministro da Educação, ex-prefeito de São Paulo, e ex-candidato a presidente em 2018 e a governador em 2022, Fernando Haddad, até então cotado para comandar o Ministério da Fazenda. Sua inserção nos encontros diplomáticos de Lula na conferência mundial levanta especulações sobre a possibilidade de um Itamaraty comandado por um perfil político como o dele, ao lado do estrategista Celso Amorim,  sinalizando para as Relações Exteriores como uma prioridade do Estado brasileiro a partir de 2023.

O desempenho de Lula na COP 27,  no estabelecimento de compromissos, apoios externos e parcerias,  enquanto avançam as negociações de sua equipe de transição por recursos fora do teto de gastos, indicarão o fôlego do próximo governo para falar e intervir no mundo como ator global sustentado por políticas concretas, sociais e ambientais, dentro de casa e relações diplomáticas, fora dela.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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