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Décadas depois do 11 de setembro, muçulmanos ainda sofrem islamofobia

Muçulmanos continuam a ser alvos de ódio, assédio e discriminação, alerta Conselho de Relações Americano-islâmicas
Atentado ao World Trade Centes em Nova York, 11 de setembro de 2001 [Fabina Sbina e Hugh Zareasky/Getty Images]
Atentado ao World Trade Centes em Nova York, 11 de setembro de 2001 [Fabina Sbina e Hugh Zareasky/Getty Images]

Os eventos em memória dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 permanecem parte importante da história recente dos Estados Unidos. Contudo, para a comunidade islâmica do país, as ramificações do 11 de setembro – em particular, na forma da islamofobia – representam uma ferida exposta no tecido social americano, mesmo após duas décadas.

“Muçulmanos continuam a ser alvos de ódio, assédio e discriminação devido aos estereótipos que foram perpetuados pela mídia e políticos islamofóbicos nos anos que sucederam os atentados de 11 de setembro”, observou Hussam Ayloush, diretor-executivo da sucursal de Los Angeles do Conselho de Relações Americano-islâmicas (CAIR). Segundo Ayloush, entidades como a sua ajudaram a conquistar “avanços tremendos” na resposta às narrativas estabelecidas por organizações e indivíduos que se beneficiam da islamofobia.

No entanto, há ainda “enorme desinformação para propagar o ódio – sobretudo online”, alertou Ayloush em entrevista concedida por e-mail à agência de notícias Anadolu. “Tamanha desinformação pode ser perpetuada pelo currículo escolar, adotado sem veto adequado dos agentes públicos, por atitudes no local de trabalho e por políticas de governo … Como resultado, mesmo 21 anos depois dos atentados de 11 de setembro, os muçulmanos continuam sofrer a ameaça de violência direcionada e têm de trabalhar para amplificar suas próprias narrativas autênticas e precisas para combater a disseminação da desinformação”.

Segundo estatísticas do Departamento Federal de Investigação dos Estados Unidos (FBI), crimes de ódio contra muçulmanos decolaram imediatamente após os ataques de 11 de setembro. Entre 2000 e 2001, houve um aumento estarrecedor de 1.617%, atingido números jamais antes vistos nos Estados Unidos. Os atentados proporcionaram uma “tempestade perfeita para conter a necessidade do público e do governo dos Estados Unidos de um ‘inimigo’ em comum, ao trazer oportunidades a uma indústria multimilionária de islamofobia, assim como ao complexo industrial militar e à nova ascensão do supremacismo branco”, acrescentou Ayloush. “Todos esses fatores combinados criaram um ambiente volátil aos muçulmanos e aqueles percebidos como ‘o outro’. A trágica realidade é que há pessoas e entidades que se beneficiam da islamofobia, do preconceito e da guerra”.

A islamofobia – discriminação ou ódio contra muçulmanos e sua religião – ainda é prevalecente nos Estados Unidos. “Ao menos 62% dos muçulmanos relatam perceber hostilidade a sua religião por terceiros e 65% sentem-se desrespeitados. É quase o triplo dos números concernentes à comunidade cristã”, corroborou Zahra Jamal, diretora associada do Instituto Boniuk para Tolerância Religiosa da Universidade Rice, na cidade americanas de Houston. “Judeus (60.7%) e muçulmanos (61.7%) são quase duas vezes mais vulneráveis do que cristãos e adultos americanos em geral a serem submetidos a ofensas verbais devido a sua crença”, detalhou Jamal, em referência a um estudo publicado no último mês de agosto. “Ambos os grupos também têm maior probabilidade de denunciar ameaças de violência física e perseguição, assim como ataques a suas casas devido a sua crença. Vivenciam ainda índices mais altos de violência física e danos a propriedade devido a sua crença”. Segundo Jamal, mais de 80% dos muçulmanos reportam que “terceiros assumiram pressupostos sobre sua fé” e outros 21% relatam assédio por parte da polícia – em torno de cinco vezes mais que a porcentagem encontrada no segundo grupo mais alvejados.

O efeito Trump

Zahra Jamal confirmou que os números relacionados à discriminação contra muçulmanos são alarmantes e demonstram o aumento substancial da islamofobia nos Estados Unidos, em particular, nos anos recentes. A classificação do país no Índice de Islamofobia subiu vertiginosamente de 18 pontos em 2018 a 26 em 2022, confirmou Jamal.

“A islamofobia internalizada é bastante comum entre jovens muçulmanos, que cresceram com tipos islamofóbicos na cultura popular, no noticiário, nas redes sociais e na arena política”, reiterou Jamal. “Tudo isso afeta negativamente a autoestima e a saúde mental”.

No entanto, o CAIR reafirmou que as estatísticas não são nada surpreendentes, considerando o ambiente volátil da política dos Estados Unidos, sobretudo promovido pelo ex-presidente Donald Trump no decorrer de seu mandato. “A presidência de Trump normalizou ser intolerante a muçulmanos. Trump tornou socialmente aceitável ser abertamente racista”, elucidou Ayloush. “Além de disseminar discursos de entidades islamofóbicas de sua conta no Twitter – agora permanentemente suspensa – e declarar durante sua campanha eleitoral que ‘o Islã nos odeia’, Trump fez comentários xenofóbicos e assumiu políticas neste sentido, sobretudo em relação a imigrantes e refugiados muçulmanos. Sua gestão pressionou por políticas islamofóbicas sem sequer omitir suas intenções discriminatórias”. Segundo Ayloush, ação mais eloquente que qualquer discurso de Trump foi a proibição de entrada de muçulmanos no território americano, referente a viajantes de diversos países de maioria islâmica. “Embora o atual governo tenha revogado a medida, ainda lidamos com as ramificações dela e famílias continuam separadas”.

Há inúmeras inverdades que assolam a comunidade islâmica devido aos mais de vinte anos de islamofobia oriundos dos atentados de 11 de setembro. Porém, conforme o CAIR, um dos estereótipos tem impacto ainda maior. “A mais grave mentira que emergiu da resposta pública aos ataques terroristas foi a noção de que muçulmanos são, de alguma maneira, mais inclinados à violência do que outros grupos ou religiões”, destacou Ayloush. “Esta representação ideológica perigosa e imprecisa retrata os mais de dois bilhões de seguidores do Islã de forma a desumanizá-los. Ainda pior, levou a aplicação de legislações e políticas de governo para vigiar a comunidade islâmica”.

Conforme Jamal, outros estereótipos islamofóbicos incluem “discriminação contra as mulheres, hostilidade aos Estados Unidos, desavença com judeus e cristãos, menor grau de civilização, responsabilidade por atos de violência cometidos por terceiros, oposição à liberdade religiosa e esforços para subjugar a Constituição em favor da sharia – lei canônica baseada no Alcorão”.

Mudando a narrativa

“A islamofobia não existe em um vácuo”, argumentou Ayloush. “A comunidade islâmica não é a primeira e lamentavelmente não será a última a sofrer ódio e discriminação nos Estados Unidos. Nosso país tem uma história extensa de desumanizar e marginalizar múltiplos grupos étnicos e religiosos – negros, nativo americanos, judeus, asiáticos e outras populações”.

O CAIR enfatizou que a única forma de combater a islamofobia, o estereotipo e a discriminação posterior ao 11 de setembro é enfrentá-la de frente.

“É importante responsabilizar aqueles que perpetuam o racismo, a discriminação e a xenofobia por suas palavras e ações odientas em todos os níveis, seja na fronteira, no aeroporto, nas atividades policiais ou no ambiente político”, declarou Ayloush. “É também crucial que continuemos a combater o racismo institucional e construir uma força política representativa capaz de influenciar a tomada de decisões e a aprovação de leis, ao abordar a questão da islamofobia tanto no executivo quanto no legislativo, seja na forme de perseguição, discriminação, injustiça ou vigilância”.

Conscientizar o público e promover a educação são ferramentas essenciais para ajudar os americanos a compreender melhor a diversidade da comunidade islâmica no mundo contemporâneo. “Ao aprender e reconhecer a história de nosso país e sua falta de aceitação e tolerância no decorrer do tempo, todos podemos trabalhar para mudar a narrativa”.

Ayloush advertiu que as pessoas não devem “esperar que a comunidade alvejada peça socorro ou que se tornem elas próprias o alvo para denunciar o problema”. Para Ayloush, é fundamental que todos se tornem uma única voz – “ao reconhecer e aprender com a história, enfrentar o impacto dos danos deixados pela discriminação e pelo ódio e trabalhar para prevenir sua reincidência”.

“É importante lembramos que atos de intolerância não se refletem apenas sobre aqueles que os cometem, mas à imagem de todos nós como nação. Somos solidários e motivados pela justiça? Ou somos egoístas e apáticos”, questionou Ayloush. “Nas últimas duas décadas, depois daquele dia terrível, vemos mais e mais americanos que preferem lutar pelo que é certo”.

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