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Shireen Abu Akleh personificou a verdade diante do poder

16 de maio de 2022, às 08h15

Retrato de Shireen Abu Akleh, jornalista da Al Jazeera assassinada por Israel, pendurado em uma igreja de Jerusalém Oriental, em 12 de maio de 2022 [Mostafa Alkharouf/Agência Anadolu]

Desde o assassinato brutal de Shireen Abu Akleh, uma das mais célebres jornalistas palestinas, pela ocupação israelense, um sentimento inconfundível de indignação começou a emergir nas redações do mundo árabe e em diversas partes do mundo.

Shireen Abu Akleh cobria uma invasão militar do regime colonial no campo de refugiados de Jenin, na Cisjordânia ocupada, quando foi executada a sangue frio.

Dos relatos em campo, sobretudo de colegas que vivenciaram o ataque a seu lado, é evidente que Abu Akleh foi pessoalmente alvejada. Sua morte não foi acidental tampouco procedeu de um suposto tiroteio entre a resistência palestina e o exército da ocupação.

Shireen Abu Akleh faleceu devido a um plano premeditado do regime de Naftali Bennett para assassiná-la junto de outros jornalistas.

Sua profissão requeria uma cobertura impecável, precisa e transparente dos fatos em campo, os quais reportava com enorme integridade. Sua coragem e determinação para transmitir os horrores da ocupação ilegal às salas de milhões de espectadores, na Península Árabe e além, tornaram-na um baluarte contra o intuito do estado sionista em evadir-se da opinião pública.

Sua cobertura imediata das violações diárias perpetradas pelo governo do apartheid, incluindo detenções arbitrárias, demolições de casas, invasões militares e assassinatos de cidadãos nativos, colocaram Shireen em veemente impasse com o exército terrorista da ocupação.

Nascida e criada em Jerusalém ocupada, Abu Akleh conhecia cada canto da Palestina histórica, incluindo os territórios ocupados em 1948, durante a Nakba ou “catástrofe”, quando foi criado o Estado de Israel, mediante limpeza étnica. Seu vasto conhecimento sobre geografia e história tornaram-na parte inestimável da equipe de correspondentes da rede Al Jazeera.

Engenhosa e professional até a alma, o caráter de ícone conquistado por Abu Akleh continua sem igual. Homenagens a sua memória tomaram as ruas e viralizaram nas redes sociais e nas mídias tradicionais.

Após seu assassinato, em honra a seu legado, agências de imprensa e jornalistas sérios terão de abdicar agora do medo de serem caluniados como “antissemitas” para bravamente denunciar os fatos da brutalidade israelense.

O choque e o horror do ataque atroz de soldados israelenses à procissão funeral de Abu Akleh —em plena luz do dia, aos olhos de todo o mundo — não podem ser reduzidos a “confrontos”, como sugerem algumas redes de imprensa. Apresentar como “confrontos” os ataques diretos de forças armadas a indivíduos enlutados que carregavam o caixão de Abu Akleh não é apenas falacioso, como é um insulto a sua memória.

É preciso ser chamado pelo nome: violação flagrante de seu direito a um velório digno.

O assassinato de Abu Akleh põe uma onerosa responsabilidade sobre os ombros de repórteres armados com suas câmeras e canetas, para que não recuem diante da violência e da repressão.

Sua morte prematura compeliu o mundo a testemunhar as ações do regime colonial israelense que, até então, escapou das consequências de suas hediondas violações dos direitos humanos. A menos que haja mudança, os crimes de guerra da ocupação devem permanecer impunes. Os poderes de transformação conquistados por jornalistas e ativistas são essenciais.

É preciso que seu assassinato não seja, de maneira alguma, uma manchete breve e esquecida, uma vez que as câmeras sigam adiante.

Devemos asseverar a Abu Akleh e milhares de seus colegas em todo o mundo que o exercício de seu trabalho — ao denunciar a injustiça, a opressão e o abuso de poder — possa continuar compromissado com a verdade e a integridade.

Como jornalista da Al Jazeera por mais de duas décadas, Abu Akleh tornou-se um nome familiar a milhões de espectadores que respeitavam e reverenciavam seu profissionalismo.

A África do Sul — que também vivenciou um regime de apartheid — juntou-se ao coro para condenar o assassinato de Shireen Abu Akleh e celebrar seu legado.

Em homenagens adequadas, os palestinos se uniram para lamentar a perda e recordar a todos do papel extraordinário que Abu Akleh exerceu em suas vidas desde 1997 — ao lhes transmitir dia após dia os horrores da ocupação e, ainda assim, encorajá-los a resistir.

Suas reportagens desmentiram, senão demonstraram o absurdo, da narrativa oficial sionista sobre as violações cotidianas de direitos humanos na Cisjordânia e no território considerado Israel. Não surpreende, tornou-se alvo ao cumprir seu ofício: dizer a verdade diante do poder. Suas reportagens são parte fundamental dos arquivos da Palestina, em geral, e da ocupação, em particular. O legado de Shireen Abu Akleh não pode ser morto ou apagado.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.