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Shireen Abu Akleh personificou a verdade diante do poder

Retrato de Shireen Abu Akleh, jornalista da Al Jazeera assassinada por Israel, pendurado em uma igreja de Jerusalém Oriental, em 12 de maio de 2022 [Mostafa Alkharouf/Agência Anadolu]
Retrato de Shireen Abu Akleh, jornalista da Al Jazeera assassinada por Israel, pendurado em uma igreja de Jerusalém Oriental, em 12 de maio de 2022 [Mostafa Alkharouf/Agência Anadolu]

Desde o assassinato brutal de Shireen Abu Akleh, uma das mais célebres jornalistas palestinas, pela ocupação israelense, um sentimento inconfundível de indignação começou a emergir nas redações do mundo árabe e em diversas partes do mundo.

Shireen Abu Akleh cobria uma invasão militar do regime colonial no campo de refugiados de Jenin, na Cisjordânia ocupada, quando foi executada a sangue frio.

Dos relatos em campo, sobretudo de colegas que vivenciaram o ataque a seu lado, é evidente que Abu Akleh foi pessoalmente alvejada. Sua morte não foi acidental tampouco procedeu de um suposto tiroteio entre a resistência palestina e o exército da ocupação.

Shireen Abu Akleh faleceu devido a um plano premeditado do regime de Naftali Bennett para assassiná-la junto de outros jornalistas.

Sua profissão requeria uma cobertura impecável, precisa e transparente dos fatos em campo, os quais reportava com enorme integridade. Sua coragem e determinação para transmitir os horrores da ocupação ilegal às salas de milhões de espectadores, na Península Árabe e além, tornaram-na um baluarte contra o intuito do estado sionista em evadir-se da opinião pública.

Sua cobertura imediata das violações diárias perpetradas pelo governo do apartheid, incluindo detenções arbitrárias, demolições de casas, invasões militares e assassinatos de cidadãos nativos, colocaram Shireen em veemente impasse com o exército terrorista da ocupação.

Nascida e criada em Jerusalém ocupada, Abu Akleh conhecia cada canto da Palestina histórica, incluindo os territórios ocupados em 1948, durante a Nakba ou “catástrofe”, quando foi criado o Estado de Israel, mediante limpeza étnica. Seu vasto conhecimento sobre geografia e história tornaram-na parte inestimável da equipe de correspondentes da rede Al Jazeera.

Engenhosa e professional até a alma, o caráter de ícone conquistado por Abu Akleh continua sem igual. Homenagens a sua memória tomaram as ruas e viralizaram nas redes sociais e nas mídias tradicionais.

Após seu assassinato, em honra a seu legado, agências de imprensa e jornalistas sérios terão de abdicar agora do medo de serem caluniados como “antissemitas” para bravamente denunciar os fatos da brutalidade israelense.

O choque e o horror do ataque atroz de soldados israelenses à procissão funeral de Abu Akleh —em plena luz do dia, aos olhos de todo o mundo — não podem ser reduzidos a “confrontos”, como sugerem algumas redes de imprensa. Apresentar como “confrontos” os ataques diretos de forças armadas a indivíduos enlutados que carregavam o caixão de Abu Akleh não é apenas falacioso, como é um insulto a sua memória.

É preciso ser chamado pelo nome: violação flagrante de seu direito a um velório digno.

O assassinato de Abu Akleh põe uma onerosa responsabilidade sobre os ombros de repórteres armados com suas câmeras e canetas, para que não recuem diante da violência e da repressão.

Sua morte prematura compeliu o mundo a testemunhar as ações do regime colonial israelense que, até então, escapou das consequências de suas hediondas violações dos direitos humanos. A menos que haja mudança, os crimes de guerra da ocupação devem permanecer impunes. Os poderes de transformação conquistados por jornalistas e ativistas são essenciais.

É preciso que seu assassinato não seja, de maneira alguma, uma manchete breve e esquecida, uma vez que as câmeras sigam adiante.

Devemos asseverar a Abu Akleh e milhares de seus colegas em todo o mundo que o exercício de seu trabalho — ao denunciar a injustiça, a opressão e o abuso de poder — possa continuar compromissado com a verdade e a integridade.

Como jornalista da Al Jazeera por mais de duas décadas, Abu Akleh tornou-se um nome familiar a milhões de espectadores que respeitavam e reverenciavam seu profissionalismo.

A África do Sul — que também vivenciou um regime de apartheid — juntou-se ao coro para condenar o assassinato de Shireen Abu Akleh e celebrar seu legado.

Em homenagens adequadas, os palestinos se uniram para lamentar a perda e recordar a todos do papel extraordinário que Abu Akleh exerceu em suas vidas desde 1997 — ao lhes transmitir dia após dia os horrores da ocupação e, ainda assim, encorajá-los a resistir.

Suas reportagens desmentiram, senão demonstraram o absurdo, da narrativa oficial sionista sobre as violações cotidianas de direitos humanos na Cisjordânia e no território considerado Israel. Não surpreende, tornou-se alvo ao cumprir seu ofício: dizer a verdade diante do poder. Suas reportagens são parte fundamental dos arquivos da Palestina, em geral, e da ocupação, em particular. O legado de Shireen Abu Akleh não pode ser morto ou apagado.

LEIA: Setenta e quatro anos: a Nakba continua e a Palestina resiste

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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