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Israel duvida cada vez mais da fiabilidade dos Estados Unidos

Bandeiras de Israel e EUA em Jerusalém ocupada, 21 de março de 2019 [Uriel Sinai/Getty Images]

A guerra russo-ucraniana deixou os círculos políticos israelenses em estado de alerta, em meio a dúvidas cada vez mais eloquentes sobre as atitudes dos Estados Unidos como um aliado confiável. A Ucrânia foi basicamente abandonada para lidar com Vladimir Putin; o Irã faz o que bem quer; e a humilhante retirada do Afeganistão ainda ressoa na arena internacional. Tudo isso leva os israelenses a questionarem se podem confiar na posição de Washington em tempos de guerra: as mudanças foram drásticas demais; seu maior aliado tornou-se fraco afinal?

Tel Aviv questiona qual seria o papel dos Estados Unidos caso seu país fosse tomado por uma guerra em larga escala. Tamanho conflito veria centros urbanos tornarem-se alvos e infraestrutura estratégica ser destruída, além de muitas baixas. O caos doméstico seria provavelmente exacerbado por um levante palestino dentro e ao redor do território considerado Israel. Os ventos de maio de 2021 seriam brincadeira de criança em comparação. Caso este cenário se materializasse, a Casa Branca e o Pentágono seriam confiáveis?

A invasão russa na Ucrânia teve início quando Barack Obama estava na presidência; avançou sob seu sucessor Donald Trump; e atingiu um novo ápice no governo de Joe Biden. Os três chefes de estado aparentemente concordam que os Estados Unidos não podem mais agir como a “polícia do mundo” e tampouco queriam continuar a fazê-lo.

A postura estadunidense muda pouco a pouco e há cada vez menos compromisso com as demandas de Israel, inclusive entre os judeus americanos. Até mesmo o engajamento entre os cristãos evangélicos e o estado ocupante parece ter minguado consideravelmente.

Além disso, os Estados Unidos expuseram uma série de fraquezas ao longo das últimas décadas. Como incumbente, Donald Trump antagonizou a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e à União Europeia; há poucos dias, chamou Vladimir Putin de “gênio”. Durante seu mandato, o Pentágono acatou, por exemplo, o envio de tropas turcas ao norte da Síria enquanto seus soldados abandonavam aliados curdos.

Israel não precisa de tropas dos Estados Unidos, mas deseja suas armas e seus recursos. Dentre as autoridades da ocupação, há um apetite insaciável por ajuda militar deferida por Washington. Ainda assim, seu maior parceiro histórico parece agora hesitar em fornecer tecnologia para reabastecer aeronaves de guerra, sobretudo caso Israel vá adiante em suas ameaças e bombardeie o Irã. O governo estadunidense sequer autorizou remessas de bombas para neutralizar bunkers, apesar dos reiterados apelos de Tel Aviv.

Dada tamanha dependência, é estranho que peritos militares de Israel pensem ser favorável não ter uma aliança de defesa formal com Estados Unidos ou OTAN. Um pacto firmado, costumam dizer, levaria Israel a concessões substanciais e poderia limitar sua presença nas Colinas de Golã, pertencentes à Síria, ou na Faixa de Gaza. Seria necessário então aval para toda e qualquer operação militar na região.

Analistas israelenses enxergam os Estados Unidos como um muro prestes a desmoronar. Muitos recordam que, durante a Nakba, em 1948, Washington não ajudou as gangues sionistas a ocupar a Palestina e, em 1956, pressionou pela retirada israelense do Egito, o que culminou na Guerra dos Seis Dias, em 1967. O Pentágono escolheu intervir no conflito de 1973; não obstante, Tel Aviv sente até hoje que poderia ter expandido suas conquistas por conta própria. Durante o mandato do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, de acordo com os mesmos analistas, os Estados Unidos forçaram-no a retirar boa parte de seu contingente da Cisjordânia ocupada e permitir o envio de forças ocidentais ao Vale do Jordão. Diante da presença paramilitar iraniana na Síria, o Pentágono novamente deixou seu aliado sozinho.

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Tais queixas por parte de Israel parecem difíceis de ser corroboradas, dado que Washington ainda representa a rede de segurança de Israel, sem a qual a ocupação estaria exposta na comunidade internacional. Não podemos também subestimar a posição dos Estados Unidos no Oriente Médio, dado que representa a maior potência do mundo e provém ao exército israelense US$3 bilhões por ano. Nenhum outro país é tão influente na região.

Pode não haver uma aliança formal israelo-americana, mas as partes cooperam intimamente em questão de inteligência para além das fronteiras. Os Estados Unidos partilham seu conhecimento tecnológico e militar com Israel como não fazem com ninguém mais, até mesmo ao conceder acesso a arsenais e munição. Apesar de tudo isso, o sentimento sionista é que Washington está cada vez mais distante de empregar sua força em nome da ocupação.

Israel mantém relações especiais e privilégios por toda a Europa e junto dos estados-membros da OTAN; entretanto, seu principal relacionamento continua a ser com os Estados Unidos. Sempre que possível, as operações do lobby sionista para asseverar interesses coloniais chegam primeiro a Washington e então a outras capitais do Ocidente.

Israel sabe que os Estados Unidos assinaram um pacto com a Ucrânia na cidade de Budapeste, em 1994, sob o qual prometeram defender o país em caso de ataque, desde que Kiev abandonasse seus armamentos nucleares herdados do período soviético. No frigir dos ovos, porém, a Ucrânia teve de lidar por conta própria com a invasão ordenada pelo Kremlin e não há um único soldado americano à vista no horizonte.

No passado, Tel Aviv e Washington firmaram “acordos de cavalheiros” segundo o qual o estado sionista lidaria com riscos de curto prazo representadas por países vizinhos, enquanto a potência aliada neutralizaria ameaças maiores. Os Estados Unidos, no entanto, parecem não jogar segundo as regras, à medida que alertas de Israel, incluindo a presença iraniana no Líbano, na Síria, no Iraque e (em alguma escala) em Gaza, tornam a distinção estratégica entre curto prazo e larga escala muitíssimo vagas. Tudo isso preocupa a liderança israelense.

Mesmo em tempos de divergências mais acanhadas entre as partes, Washington nem sempre se voluntariou a resolver as ameaças “majoritários” encarados por Tel Aviv. Às pressas, os israelenses decidiram destruir um reator nuclear inacabado no Iraque, em 1981, e ainda outro na Síria, em 2007, após os americanos parecerem ignorar a matéria. Atualmente, o estado ocupante considera Teerã como seu maior adversário a longo prazo, o que demanda algum tipo de ação armada. Apesar disso, o Pentágono parece ainda vetar qualquer avanço israelense contra a república islâmica. Não é surpresa alguma que Israel duvida cada vez mais do compromisso e da fiabilidade dos Estados Unidos.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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