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Partilha injusta e ilegal da Palestina completa 74 anos

A decisão da ONU sobre a partilha em 1947 acelerou a limpeza étnica e a Nakba (catástrofe) de 1948 [Fred Csasznik/Wikipedia]

O dia 29 de novembro marca a data em que, em 1947, a recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou o Plano de Partilha da Palestina e detonou o processo da Nakba, palavra árabe que designa a tragédia que se viu em seguida, que perdura até os nossos dias. A famigerada partilha tornou a Palestina o único estado destruído com o apoio das Nações Unidas, o que permitiu o surgimento do “Estado judeu”, assentado na usurpação do patrimônio nacional dos palestinos.

A cobiça pela Palestina tomou corpo na política sionista a partir de 1937 e durante a Segunda Guerra Mundial, quando os ingleses tentaram impor a criação de um estado binacional, rejeitado pelos sionistas. Em fevereiro de 1947, o Império Britânico transferiu a questão da Palestina, que se encontrava sob seu domínio, conforme mandato concedido pela antiga Liga das Nações, desde 1922, para a ONU. A partilha do território em dois estados passou a ser a solução aventada pela Inglaterra, na qual os interesses dos palestinos seriam totalmente aviltados.

Em decorrência do agravamento das tensões entre os movimentos nacionalistas árabe e judeu, a Grã-Bretanha propôs a convocação de uma Sessão Extraordinária da Assembleia Geral da ONU, cujo tema mais importante era o fim do mandato britânico, reivindicado tanto pelos árabes quanto pelos judeus, para discutir alternativas políticas para a disputa territorial e recomendar uma solução diplomática a ser deliberada.

Saiu vitoriosa a recomendação à Assembleia Geral para a formulação de um Plano de Partilha da Palestina em dois estados. Os Estados Unidos da América se posicionaram inicialmente contrários à opção de dois estados, mas, por puro oportunismo eleitoral, a fim de conquistar o voto dos judeus para a sua reeleição em 1948, o presidente Harry S. Truman (1945-1953) determinou que o embaixador Herschel Johnson anunciasse no Conselho de Segurança das Nações Unidas que os Estados Unidos apoiavam o plano, elaborado pelo Comitê Especial para a Palestina.

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Com a partilha, efetivada através Resolução 181 da Assembleia Geral, os judeus, que detinham 7% do território, passaram a ter 53%. Aos palestinos foram destinados 47% do seu território histórico, percentual formado por um deserto, terras pedregosas e morros inférteis. Além disso, a deliberação colocou a cidade sagrada de Jerusalém sob o controle da ONU, tirando-a do controle milenar dos palestinos, cristãos e muçulmanos.

Essa foi uma partilha injusta sobre todos os aspectos, pois a Palestina era o lar de mais de 1,4 milhão de muçulmanos e cristãos, enquanto a população de judeus era de 630 mil pessoas, dois terços dela formada por imigrantes provenientes da Europa Central e Europa Oriental. Dessa forma, a Grã-Bretanha finalizava seu mandato com um grande ato de traição aos árabes, por cujo bem-estar e progresso havia se comprometido a velar, entregando, ao abandonar a Palestina, aos sionistas o poder no território, incluindo o controle das suas bases militares na Palestina.

O Plano de Partilha foi uma medida ilegal, uma vez que a ONU não estava investida de nenhuma soberania sobre a Palestina. Além disso, a Assembleia Geral não é uma instância das Nações Unidas dotada de soberania superior. Esse poder, em virtude da Carta das Nações Unidas (Art. 12), é reservado ao Conselho de Segurança, a quem compete decidir e aplicar com exclusividade.

A ONU não dispunha de nenhuma prerrogativa que a permitisse realizar a divisão de um Estado ou atribuir parte do seu território a emigrantes de diversas nacionalidades e lhes conceder direitos territoriais e políticos diferentes dos concedidos aos habitantes da terra palestina.

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Com a aprovação da Resolução 181, a ONU tornou a Palestina o único Estado destruído para que fosse implantado, sobre as ruínas do seu território e sobre os corpos dos seus mártires, um Estado que hoje se sabe monstruoso, cuja criação continua pondo a comunidade das nações em permanente conflito e a paz regional e mundial em perigo.

A ONU, além de dar os meios políticos e o aval internacional ao projeto colonial sionista, deu as condições para o surgimento dessa aberração política que passou a adotar toda sorte de violações, racismo e genocídio na Palestina e em toda a região do Oriente Médio. Embora a Resolução 181 tenha representado apoio ao projeto colonialista dos judeus, mesmo assim, os líderes israelenses continuam sem aceitar e não respeitam os termos do plano, que previa a criação do Estado palestino e a concessão de status especial à cidade sagrada de Jerusalém.

Concretizada a partilha e a posterior fundação de Israel em 15 de maio 1948, as milícias sionistas desencadearam ações continuadas para ocupação das terras e casas dos palestinos, por meio da aniquilação física e expulsão dos seus donos. Os sionistas queriam as terras e casas palestinas, mas não queriam que os palestinos permanecessem nelas.

Quando a primeira fase da Nakba foi concluída pelas forças sionistas, o “Estado judeu” compreendia 78% da Palestina histórica, restando apenas a Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental e a Faixa de Gaza, que estavam sob o controle da Jordânia e do Egito, respectivamente. Na agressão de 1967, Israel avançou sobre os 22% restantes, dando sequência à colonização iniciada em 1947/1948, cujo objetivo final é a completa destruição da Palestina.

O Plano de Partilha de 1947 é um ponto crucial para entender as constantes agressões e violações de Israel nos dias de hoje. E, mesmo sabendo que resistir à incessante investida do sionismo tem um elevado custo do ponto de vista humano, social e econômico, o povo palestino continua resistindo bravamente para proteger suas terras, sua história e sua cultura.

O mundo tem uma dívida para com o povo palestino. O respeito aos direitos e à justiça exigem da ONU a concretização do Estado palestino totalmente soberano e independente, com Jerusalém sendo sua capital eterna e ecumênica e com o direito de regresso dos refugiados, a compensação e a permanência de todos na terra palestina.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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