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Masar Badil: o novo amanhecer para a resistência palestina

O novo movimento Caminho Revolucionário Palestino Alternativo busca unir a diáspora e construir um projeto de retorno com o fim da ocupação sionista

Trinta anos após a fracassada Conferência de Paz de Madri, que iniciou o processo de rendição do povo palestino e levou aos Acordos de Oslo, a cidade espanhola sediou uma nova conferência para forjar um caminho alternativo revolucionário pela libertação da Palestina; um novo capítulo na história que promete resignificar o papel de Madri na luta palestina.

A Conferência do Caminho Revolucionário Palestino Alternativo (Masar Badil) aconteceu em Madri, Beirute e São Paulo, com participação popular palestina, árabe e internacional, entre os dias 30 de outubro e 2 de novembro de 2021. O evento global  lançou no dia 1º um movimento político popular e radical, de resistência popular e enfrentamento ao colonialismo sionista para construir um projeto de retorno com o fim da ocupação. Foi organizada com o apoio da Samidoun, Rede de Solidariedade aos Prisioneiros Palestinos, o Movimento de Mulheres Palestinas Alkarama e diversas outras organizações dentro e fora dos Territórios da Palestina Ocupada.

A Declaração de Madri, Beirute e São Paulo apresenta o movimento Caminho Revolucionário Palestino Alternativo, suas posições e planos. Convocando “as forças de resistência palestinas, os vários organismos nacionais e populares, os movimentos da juventude, estudantis e feministas, os comitês de boicote e anti-normalização e toda a massa em luta na pátria ocupada e em toda a Diáspora para se unir a fim de estabelecer uma frente nacional palestina unida para resistir ao colonialismo sionista em toda a Palestina, e para enfrentar o movimento sionista e seus aliados no mundo, e desenvolver a capacidade de nosso povo palestino de restaurar e libertar suas instituições, para fortalecer a posição e o papel do movimento de libertação palestino e sua presença ativa em territórios árabes e internacionais”.

Segundo Jaldía Abubakra, coordenadora da Masar Badil Madri, esse é “o caminho para mudar o processo de rendição que começou há muito tempo, concretamente depois da ‘conferência de paz’ de Madri em 1991, que levou aos Acordos de Oslo, que vimos como foram catastróficos para nosso povo”.

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“Nos reunimos aqui como indivíduos, associações, organizações em luta que defendem os direitos do povo palestino para discutir como podemos trabalhar juntos e construir juntos o futuro. Encorajamos as jovens gerações a assumir seu papel, e as mulheres palestinas a desempenhar seu papel de libertação e retorno, e esta é a nossa bússola”, diz ela no vídeo de apresentação divulgado pelo Masar Badil.

A conferência principal em Madri foi acompanhada de um evento cultural e uma manifestação no centro da cidade para “condenar o caminho de Oslo, a declaração de Balfour, e qualquer ato que prejudique a Palestina. A juventude palestina cantou e ergueu bandeiras palestinas”, conta Jaldía.

“Todas as forças palestinas e organizações palestinas têm um consenso de que a via liquidacionista de Madri e Oslo fracassou. Então, qual é o caminho alternativo? É reproduzir novamente o processo fracassado de Madri e Oslo ou cabe ao povo palestino forjar um caminho alternativo revolucionário? Nosso entendimento do caminho revolucionário alternativo é um movimento revolucionário palestino e internacionalista que se opõe ao imperialismo e ao sionismo”, diz Khaled Barakat, coordenador do comitê preparatório do Masar Badil no vídeo.

“Um dos aspectos centrais desta conferência é celebrar e impulsionar o caminho da resistência para o povo palestino, a alternativa clara do caminho fracassado de Madri e Oslo. A resistência palestina e o povo palestino e seus amigos em todo o mundo deixaram claro neste mês de maio – se ainda não estava bem claro – que a resistência é a escolha do povo palestino, não a normalização e a rendição ao imperialismo, ao sionismo e aos regimes reacionários que abrigam bases militares americanas e assinam acordos com a ocupação israelense. Um dos focos centrais da conferência é apoiar os prisioneiros palestinos, os representantes da resistência dentro das prisões israelenses”, declarou Barakat em entrevista para Rima Najjar, divulgada em 15 de outubro.

Em São Paulo, a Conferência aconteceu no centro cultural palestino e restaurante Al Janiah, no dia 30 de outubro, reuniu palestinos, árabes e representantes de movimentos sociais.  A representante no Brasil foi Rawa Alsagheer, coordenadora dos movimentos Samidoun (Rede de Solidariedade aos prisioneiros palestinos), Alkarana (Movimento de mulheres palestinas) e Caminho Revolucionário Palestino Alternativo.

Rawa Alsagheer na Conferência do Caminho Revolucionário Palestino Alternativo, em São Paulo, em 30 de outubro de 2021 [Lina Bakr/Monitor do Oriente Médio]

“O ponto principal dessa conferência hoje é manter relações para criarmos um caminho palestino revolucionário alternativo. Nós queremos que os diversos partidos e movimentos de solidariedade se unam para criarmos juntos esse caminho”, disse Alsagheer. “Aqui no Brasil, com este governo fascista atual, nós temos um ponto importante em comum que é lutarmos contra o fascismo e o sionismo. Nós precisamos achar esse caminho alternativo, nós não temos ele pronto; vamos juntar ideias, formar mais conexões, entrar em contato com mais movimentos e partidos brasileiros, fazer campanhas e atividades. Então o ponto principal é realmente termos reuniões regulares com movimentos de solidariedade e também manter a conexão entre os palestinos na diáspora”.

“A dificuldade aqui no Brasil é que não há uma conexão da diáspora palestina. Aqui há um controle da embaixada e da FEPAL, um lado só, que manipula afirmando ser a única voz palestina, mas não é a voz de todo o povo palestino. A voz não tem que ser da Autoridade Palestina, de um líder ou de um presidente, tem que ser do povo palestino. Precisamos formar e trabalhar muito para alcançar esses palestinos aqui.”

Na conferência, a jornalista e ativista palestina-brasileira, Soraya Misleh, reiterou que precisamos “trabalhar em conjunto com as organizações que lutam aqui por direitos humanos, por direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, contra a opressão machista, a LGBTfobia e o racismo. Todas essas ações que se conjugam com a luta ou libertação da Palestina, especialmente quando se observa que o Brasil nos últimos anos, infelizmente não só durante o governo Bolsonaro, durante os ditos governos progressistas, se tornou o quinto maior importador de tecnologia militar israelense”.

Soraya Misleh na Conferência do Caminho Revolucionário Palestino Alternativo, em São Paulo, em 30 de outubro de 2021 [Lina Bakr/Monitor do Oriente Médio]

“Nós temos que mandar um recado a partir do Brasil, de que tem um pessoal aqui lutando por seus direitos e está compreendendo que essa luta é também pela libertação dos palestinos, porque ninguém nasce livre enquanto os palestinos forem oprimidos, enquanto qualquer outro povo no mundo for oprimido. A luta palestina é uma luta internacionalista por excelência”, diz Misleh.

Um caminho alternativo para uma palestina livre do rio ao mar

“A abordagem revolucionária palestina com dimensão árabe e internacional, cujas características foram traçadas por milhares de mártires palestinos, árabes e internacionais ao longo de décadas de conflito, é o caminho da mudança radical que lê a realidade para mudá-la, entende os desafios e peculiaridades locais em cada comunidade palestina e as vê como uma fonte de força e pluralismo, fincada em raízes enquanto olha para o futuro e acompanha o ritmo dos tempos”, diz a Declaração de Madri, Beirute e São Paulo. “Este posicionamento está dando passos firmes e seguros para uma Palestina Livre. Um novo amanhecer”.

Entre os planos do novo movimento está “organizar uma campanha nacional e popular para derrubar a chamada AP (Autoridade Palestina) e trabalhar para libertar as instituições de nosso povo palestino das garras dessa classe que domina a decisão política palestina”.

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“Nossa conferência considera a Organização para a Libertação da Palestina uma instituição palestina confiscada e sequestrada, cujas decisões e instituições são dominadas por um segmento de classe corrupto, um agente do colonialismo sionista e uma liderança que carece de legitimidade popular e legal. Assim, a conferência convoca todas as forças, associações e organizações populares que participam do movimento pelo caminho revolucionário palestino para intensificar os processos de luta dentro e fora da Palestina ocupada, e trabalhar para enfrentar o projeto conciliatório da AP no caminho de isolá-la e derrubá-la”, diz a declaração.

Os planos de cinco anos também incluem: a organização da primeira conferência estudantil palestina em 2022, que objetiva despertar o movimento estudantil palestino na diáspora; a organização de acampamentos anuais da juventude visando a elaboração de programas de luta, educacionais, científicos e esportivos, para promover a ação conjunta entre jovens, movimentos estudantis e o movimento feminista em toda a diáspora;  o estabelecimento de uma rede de centros palestinos em uma série de cidades árabes e internacionais, acampamentos e capitais, que servirão como uma sede para a ação popular e a organização revolucionária democrática e um guarda-chuva legal para instituições e associações afiliadas ao Movimento do Caminho Revolucionário Palestino Alternativo.

“O movimento, seus principais símbolos são Georges Abdallah, Ahmad Sa’adat e todos os que lutam diariamente contra a exploração, o imperialismo e o sionismo. Um movimento que apóia os direitos das mulheres, os direitos dos trabalhadores, os direitos dos estudantes. Não queremos apenas um caminho político alternativo, mas também precisamos de um caminho alternativo para os estudantes, um caminho feminista alternativo, e um caminho de trabalho alternativo”, diz Khaled Barakat na apresentação do movimento.

O movimento revolucionário declara enfatizar “o fortalecimento da unidade do campo de resistência na Palestina, na região árabe e no mundo, que inclui múltiplas correntes políticas e intelectuais e abraça as várias cores do espectro árabe e islâmico do oceano ao Golfo”. Para eles, esse “campo popular é o único capaz de enfrentar as forças do colonialismo, racismo e exploração, e construir o processo de retorno e libertação das terras palestinas e árabes e a derrubada das políticas de rendição e normalização lideradas pelos Estados Unidos e os regimes reacionários e seus agentes na região”. Para que essa coesão aconteça, reconhecem a necessidade de um “diálogo interno franco entre suas várias correntes e pólos nacionais e sociais”.

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O movimento feminista é um dos pilares desse caminho alternativo, declarando a necessidade de respeitar a luta das mulheres palestinas e seu papel de liderança central no movimento palestino nacional e de luta.

Empenhados em lutar contra a normalização com o sionismo, afirmam querer a união com as “várias forças e personalidades militantes judaicas, antissionistas, antirracistas, e defensoras dos direitos de nosso povo no caminho para alcançar a libertação de toda a Palestina e o estabelecimento de uma sociedade democrática em toda a Palestina baseada na justiça e igualdade. Uma sociedade livre de exploração de classe, racismo e sionismo”.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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