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Os 54 anos da maior derrota árabe da História Contemporânea

Tanques da 14ª Brigada avançando no Eixo Crimson, a sul de Abu Aguila, no deserto do Sinai, em 5 de junho de 1967 [Forças de Defesa de Israel/Wikimedia]

No dia 05 de junho de 1967 estava dado o início a uma das guerras mais rápidas da História, a chamada Guerra dos Seis Dias, que resultou na derrota mais humilhante, dura e amarga para os árabes na História Contemporânea. Foi uma vitória esmagadora do recém-criado estado de Israel contra Egito, Síria e Jordânia. Outros países árabes se envolveram de uma forma menos direta nesta guerra, como, por exemplo, Iraque, Líbano, Kuwait e Líbia. O ataque israelense foi inicialmente contra a força aérea do Egito. A maior parte dos caças aéreos egípcios e das pistas de pouso militares foram bombardeados e destruídos por caças israelenses. Em cerca de duas horas, o grosso da frota aérea egípcia estava liquidado.

Israel soube usar o fator surpresa da melhor forma possível. Aproveitou o estado de colapso e descrença dos árabes para invadir e ocupar a Península do Sinai. Depois disso, Israel conseguiu ocupar as colinas de Golã, no sudoeste da Síria, uma região cuja natureza geográfica, por si só, constitui mecanismo de defesa natural contra invasores. Nada, nesta guerra, poderia ser mais vexatório do que a ocupação desta região, na Síria, em tão ínfimo tempo, algo muito incomum na História Universal das guerras. E o fiasco não terminou por aí. Logo depois foi a vez da Cisjordânia e Jerusalém Oriental, que foram tomadas pelo estado sionista. A faixa de Gaza já havia sido anexada junto com a Península do Sinai. Em apenas seis dias, Israel ocupou quase 70 mil quilômetros quadrados de terras árabes, a saber: Península do Sinai (pertencente ao Egito), colinas do Golã (pertencentes à Síria), Cisjordânia e Faixa de Gaza (ambos são o que havia sobrado da Palestina Histórica).

Uma humilhante derrota

 A derrota de junho de 1967 caiu como uma catástrofe nos mundos árabe e islâmico. Os seus efeitos foram devastadores e profundos em todas as esferas. Os seus desdobramentos podem ser sentidos mesmo hoje, após mais de meio século após a ocorrência dos fatos. Israel saiu-se como o grande vitorioso dessa guerra. Os louros desta façanha não poderiam ser melhores. O estado de Israel estava consolidando-se como potência regional no Oriente Médio, mesmo cercado de inimigos. As forças armadas israelenses ficaram com a reputação de serem invencíveis, e passaram a inspirar um misto de temor, respeito e admiração no mundo. Em contrapartida, os árabes tiveram que amargar a maior humilhação de toda a história moderna e contemporânea. O mais otimista dos israelenses não poderia esperar resultado melhor que a Guerra dos Seis Dias. O mais pessimista dos árabes não poderia esperar nada pior do que o fiasco de junho de 1967. Seis dias foram suficientes para ferir gravemente a honra árabe.

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O saldo da guerra foi bem doloroso para os árabes. As perdas dos árabes, entre mortos, desaparecidos, feridos, prisioneiros, terras, arsenal bélico, instalações e equipamentos, foram múltiplas vezes maiores que as perdas dos israelenses. A superioridade militar israelense em relação aos árabes ficou bem patente. A título de ilustração, lembramos que os árabes perderam mais de 20 mil vidas nesta breve guerra, enquanto o número estimado de mortos, do lado israelense, gira em torno de mil. Enquanto Israel não perdeu sequer um metro quadrado de terra, os árabes amargaram a perda de quase 70 mil quilômetros quadrados de terra.

Como consequência imediata da humilhante derrota, no dia 09 de junho de 1967, antes do cessar-fogo total em todos os frontes, o presidente e líder egípcio Gamal Abdel Nasser renunciou, assumindo a total e completa responsabilidade pela derrota, e prometendo afastar-se da vida pública. No dia seguinte, ou seja, no dia 10 de junho de 1967, gigantes manifestações populares invadiram as ruas de Cairo e das principais capitais árabes, recusando a renúncia de Nasser, e pedindo a sua volta para a presidência do Egito e para a liderança dos países árabes.

Causas da derrota

Muito foi falado e escrito sobre as causas da derrota de 1967. Este tema foi motivo de acalorados e intermináveis debates nos mundos árabes e islâmico, debates estes que persistem até hoje. No cerne destes debates está a figura ultra-carismática e imponente do líder histórico Gamal Abdel Nasser. Amado por muitos ao ponto do culto à sua personalidade, e odiado por tantos que consideram-no o principal responsável por tanta infâmia e desonra para os árabes. Entre estes extremos de amor e ódio, e entre sucessos e fracassos, Nasser é um grande líder histórico árabe e terceiro-mundista que não pode ser jamais ignorado.

Nasser participou diretamente numa outra guerra árabe-israelense como oficial do exército egípcio, na guerra de 1948, que terminou com a derrota árabe e a vitoriosa criação do estado de Israel, evento histórico conhecido como Nakba. A criação do estado de Israel nunca foi aceita pelos árabes. Nas décadas de 1950 e 1960, os estados árabes, mesmo com as eventuais divergências inter-árabes existentes, tinham como objetivo comum a rejeição do estado de Israel. A luta pela destruição total do estado de Israel era a principal pauta na política externa dos estados árabes nos anos 50 e 60 do século XX. Mas como explicar que um único estado, bem menor em território e população, conseguiu, por mais de uma vez, derrotar uma coligação de estados árabes?

Em primeiro lugar, temos que lembrar que o estado de Israel, desde os primórdios da sua criação e fundação, contou com o apoio maciço e incondicional das principais potências ocidentais. Portanto, em termos de arsenais, equipamentos e preparo militares, Israel sempre esteve à frente dos árabes. Basta dizer que, com toda a pujança econômica dos estados árabes petrolíferos, a comunidade internacional não permitiu a nenhum estado árabe sequer desenvolver arsenal nuclear. Enquanto isso, Israel é o único país do Oriente Médio que possui bombas nucleares. Este é apenas um dentro de inúmeros exemplos de como o apoio irrestrito do Ocidente tem participação decisiva na superioridade militar e bélica de Israel. À época da Guerra dos Seis Dias, o arsenal militar árabe era proveniente da ex-União Soviética. Os arsenais militares soviéticos eram considerados de qualidade inferior em relação aos arsenais americanos e ocidentais.

O segundo ponto a ser considerado é a guerra de informações. Enquanto Israel contava e conta com um sofisticado órgão de inteligência, os árabes permitiam-se serem enganados por órgãos de inteligência de terceiros. Na Guerra dos Seis Dias, Israel tinha informações precisas e detalhadas sobre cada caça da força aérea egípcia; os israelenses sabiam a exata localização de cada avião militar egípcio, como o nome e o posto militar do seu respectivo piloto. Enquanto isso, na véspera da guerra, os árabes davam-se ao luxo de acreditar nas informações dos soviéticos, que diziam que não havia movimentações militares suspeitas do lado israelense e que, portanto, Israel não atacaria.

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Um terceiro ponto que podemos destacar é a liderança das tropas na guerra. Enquanto Israel tinha um comando militar único, com oficiais e graduados bem treinados, a situação militar e política dos árabes estava bem longe do aceitável. A começar pelas divergências internas entre os próprios estados árabes, e passando pela colocação de oficiais despreparados em cargos militares de importância extrema, podemos dizer que a organização militar interna dos árabes era extremamente frágil. A coesão e eficácia, que faltavam do lado árabe, sobravam do lado israelense. O resultado da guerra não poderia ter sido diferente, mesmo com a gritante superioridade numérica árabe.

Uma quarta causa para a derrota foi o clima de euforia que varria o mundo árabe nas vésperas do conflito. De fato, tinha um clima de “já ganhou” que tomava conta do mundo árabe, em especial dos países do fronte. O inimigo foi subestimado a tal ponto, que analistas e jornalistas árabes já estavam comemorando a tomada de Tel Aviv. Nada poderia haver de mais catastrófico. Subestimar um inimigo com a envergadura e potência de Israel foi um erro fatal e catastrófico. Israel lidou com o conflito de uma forma fria e racional. Os árabes, mesmo detentores da razão, lidaram com o conflito de uma forma passional e emocional.

Consequências da Guerra dos Seis Dias

A principal e mais ominosa consequência da Guerra dos Seis Dias foi Israel tornar-se a principal potência regional do Oriente Médio. O significado disso para todos os árabes, principalmente para os palestinos, não poderia ser mais catastrófico. Israel sentiu-se à vontade para continuar a praticar os seus crimes contra todos os árabes, com desprezo às resoluções da Organização das Nações Unidas. A Península do Sinai foi devolvida ao Egito após os Acordos de Camp David, firmados no final da década de 1970. A Cisjordânia e as colinas de Golã continuam sob ocupação israelense até hoje. Não se trata de ocupação militar apenas, mas da construção de assentamentos e colônias.

Para a causa palestina, a Guerra dos Seis Dias significou a perda da adoção árabe direta da causa. Os palestinos tiveram que tomar a dianteira da luta pela sua causa. Antes de junho de 1967, os principais países da Liga Árabe tinham como objetivos comuns a libertação da Palestina histórica e a destruição do estado de Israel. Depois desta humilhante derrota, a libertação da Palestina passou a ser responsabilidade dos palestinos expulsos de suas terras, espalhados nos países árabes vizinhos da Palestina e no mundo todo. A partir do final da década de 1960 e início da década de 1970, as atividade política e militar da Organização da Libertação da Palestina passaram a concentrar-se no Líbano. Este fato acabou sendo um fator decisivo na eclosão da Guerra do Líbano, que durou de 1975 a 1990. Portanto, uma guerra de seis dias deu origem a uma guerra que durou quinze anos! Não podemos deixar de citar também a guerra árabe israelense de outubro de 1973 ( Guerra do Yum Kippur, ou Guerra de Ramadan), que foi a revanche árabe da guerra de 1967, e que abriu caminho para as negociações de paz entre o líder egípcio Anwar Sadat e o líder israelense Menahem Beguin.

Para os árabes, as consequências políticas, sociais, militares e econômicas da derrota de 1967 foram muito mais profundas do que qualquer evento isolado. Mesmo 54 anos depois, os árabes ainda lembram desta humilhante e amarga derrota. Não é à toa esta lembrança. As cicatrizes são profundas e ainda dolorosas. Os resultados são nefastos. A Guerra dos Seis Dias foi o golpe fatal no Pan-Arabismo. Foi o tiro de misericórdia na união dos países árabes. Desde então, os conflitos inter-árabes têm se acentuado. O que parecia uma blasfêmia gritante e vexatória nas décadas de 1950 e 1960, agora tornou-se algo normal: a normalização de relações entre alguns estados árabes e Israel (vide os exemplos de Emirados árabes, Bahrein e Marrocos).

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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