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A resistência à ocupação de Israel é essencial na recuperação da mente da população ocupada

Um membro da polícia de fronteira israelense confronta um homem palestino durante protestos contra a ocupação de Israel e sua campanha aérea na faixa de Gaza, no Portão de Damasco, em Jerusalém Oriental, em 18 de maio de 2021 [Emmanuel Dunnand / AFP via Getty Images]

Israel impôs uma ocupação militar, um colonialismo de ocupação e um regime de apartheid sobre uma multidão de comunidades palestinas fragmentadas, criando, sustentando e contribuindo para graves problemas de saúde física e mental. Isso é causado diretamente por infligir sofrimento físico e psíquico, violência e perigo ambiental, e tomar como alvo profissionais e prestadores de serviços da área médica; e indiretamente, através do impedimento do crescimento econômico, perturbando o funcionamento social e dificultando os esforços de desenvolvimento ou para melhorar a prestação de cuidados de saúde.

Ocupação 1967, Naksa – Desenho animado [Sarwar Ahmed/MiddleEastMonitor]

Alega-se que entre todos os países que fazem fronteira com o Mediterrâneo Oriental, o que tem maior incidência de morbidade devida a doenças mentais é a Palestina (Charara et al., 2017). As doenças mentais na Palestina representam um de seus desafios mais significativos na área de saúde pública, pois ocorre no contexto de ocupação crônica e exposição à violência (OMS, 2019). De acordo com a Visão Geral das Necessidades Humanitárias em 2020, estima-se que meio milhão de adultos e crianças sofrem de sofrimento psicossocial leve, moderada e grave, além de transtornos mentais, na Palestina ocupada. Não há dúvida de que a ocupação de Israel é prejudicial à mente palestina.

No entanto, esta pesquisa não indica danos medidos além do nível do indivíduo; danos coletivos que afetam nossas relações dentro da sociedade e com os outros.

A ocupação não só ataca os corpos e cérebros daqueles que são afetados individualmente, mas também ataca o tecido social, as normas, as representações simbólicas e a identidade coletiva da sociedade palestina.

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As consequências coletivas da ocupação incluem opressão internalizada, desconfiança predominante em toda a comunidade e baixa autoconfiança coletiva e autoestima. Outras consequências são a perda da subjetividade e a presença de auto objetificação, a perda de um senso de atividade comunitária, a aceitação da ineficácia e o status de vitimização passiva, bem como o comprometimento do funcionamento e de realizações coletivas.

A resistência palestina expressa em suas várias formas – desde escrever slogans nas paredes até lançar foguetes – é geralmente realizada por indivíduos que atuam em nome do grupo como um todo. Não podemos ignorar o impacto dessa resistência no nível coletivo, na medida em que ela tem potencial para reparar a erosão emocional da comunidade provocada pela opressão. A resistência pode mover as pessoas do desamparo condicionado para a esperança.

A resistência palestina não decorre nem do racismo nem do chauvinismo nacional; nem de interesses políticos e econômicos, mas de fatores psicológicos profundos. A necessidade de coerência cognitiva, no lugar de dissonância, e a necessidade de ser ativo na rejeição da opressão, através da luta por justiça e uma empatia genuína com aqueles que são oprimidos. Essa resistência representa valores morais, simbólicos e espirituais que são crucialmente importantes para aqueles que são privados de direitos materiais e tangíveis.

Número de mortos em Gaza continua a aumentar [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

Número de mortos em Gaza continua a aumentar [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

A resistência tem uma influência humanizante, agindo contra a dinâmica da objetificação tanto no nível individual quanto no coletivo. É percebido pelos palestinos como um direito humano legítimo e um dever moral. Podemos argumentar sobre que formas de resistência devemos tomar e em que momentos deve ser promulgada, mas este argumento deve ser um debate interno palestino que não pode ser decidido por outros, especialmente aqueles que nunca nos apoiaram ou defenderam nossos direitos.

As pessoas muitas vezes perguntam: “A resistência palestina não sai pela culatra e traz mais perdas para os palestinos?” No momento em que escrevo, a agressão israelense contra os palestinos em Gaza está matando e ferindo centenas de pessoas de todas as idades, e destruindo suas casas e a infraestrutura local. No momento em que escrevo, foguetes palestinos causam um grau muito menor de danos em Israel e a perda de vidas israelenses. No momento em que escrevo, três dos meus colegas profissionais acabaram de ser mortos junto com seus filhos, enterrados sob os escombros em Gaza. No momento em que escrevo, colonos israelenses armados perambulam disparando tiros no bairro onde vive minha família.

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Entendo, porém, que a resistência dos oprimidos não atende ao cálculo usual de riscos e benefícios que caracterizam a lógica empresarial ou econômica. Ela não pode ser julgada apenas pelos seus resultados finais. A jornada de resistência é dignificante em si mesma, mesmo na ausência da realização das metas desejadas. É resistência por uma vida decente, não pela morte. Quando manifestantes palestinos e colonos israelenses se manifestaram e se opuseram uns aos outros nas ruas de Jerusalém recentemente, os palestinos entoaram “Liberdade, libertação”, enquanto os israelenses entoavam “morte aos árabes, queimem suas vilas”. Acima de tudo, a motivação envolvida na resistência à opressão mantém um conceito positivo de um futuro imaginado e, portanto, rejuvenesceu a esperança de libertação.

Além disso, se a resistência palestina é o remédio para o trauma coletivo do povo da Palestina, a solidariedade internacional também é reabilitadora e terapêutica tanto para os palestinos quanto para aqueles que os apoiam. A solidariedade valida a humanidade dos palestinos e reconhece seus sentimentos e sua subjetividade; alimenta sua aspiração de serem agentes e atores para a mudança. Também tem o potencial de gerar ativismo mútuo e global por justiça.

É uma pena que alguns governos supostamente democráticos, como o da França, estejam impedindo que manifestações ocorram em solidariedade à Palestina, prendendo os organizadores e impondo multas aos participantes. Apesar disso, a atual resistência palestina é a fonte de luta contra poderes opressores. Ela florescerá dentro e além da Palestina ocupada.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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